A íntegra da correspondência está abaixo.
Enviado por: Fenaj
Brasília, 15 de junho de 2009.
Senhor Ministro,
Senhor Procurador-Geral da República,
Na próxima quarta-feira, dia 17, Vossa Excelência estará apreciando o RE 511961, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
Para Vossa Excelência pode ser somente mais um RE, mas para os 80 mil jornalistas brasileiros graduados, para as 400 faculdades de comunicação social existentes em nossas universidades e para os seus 2.500 professores de jornalismo, e, porque não dizer, para a sociedade brasileira, é o Recurso Extraordinário.
O recurso do MPF pretende reformar o Acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que cassou a sentença da Juíza Substituta da 16ª Vara Federal daquele Estado, julgando procedente a Ação Civil Pública (2001.61.00.025946-3) ajuizada pelo Ministério Público Federal e considerando não recepcionado pela Constituição Federal o dispositivo do Decreto Lei nº 972/69, que condiciona o registro de Jornalista no Ministério do Trabalho à apresentação de diploma de graduação em jornalismo([1]).
Ajuizada a ACP, inicialmente foi concedida medida liminar, a qual foi suspensa por decisão regional que, logo depois, foi restabelecida também por decisão regional.
A sentença julgou procedente a ação aos fundamentos de que tal exigência afrontaria o disposto no art. 5°, IV (liberdade de manifestação do pensamento), IX (liberdade de comunicação) e no art. 220, § 1º (vedação à lei para opor embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, bem como censura de natureza política, ideológica e artística, ambos da Constituição da República); bem como afrontaria a Convenção Americana dos Direitos Humanos. (Anexo 1)
Pelo Acórdão nº 922.220, o TRF-3ª Região cassou a sentença (anexo 2);
Houve a interposição de RE pelo MPF, seguido de Medida Cautelar (1.406-9 São Paulo, Rel. Min. Gilmar Mendes) para emprestar efeito suspensivo, na qual foi concedida Medida Liminar.
Ainda que saiba que constitucionalmente é do STF a palavra suprema para declarar a inconstitucionalidade ou a não recepção, em tese, de norma do ordenamento jurídico brasileiro, a requerente oferece em anexo a seguinte coletânea de decisões judiciais e pareceres do MP, de modo a demonstrar que inexiste em vigor, exceto a sentença recorrida, qualquer decisão judicial ou parecer que considere não recepcionado o art. 4º, V do Decreto Lei nº 972/69.
A propósito junta-se o(a):
1. Acórdão do STJ no MS nº 7.149 - DF (200010089053-7) (anexo 3);
2. Parecer nº 1.269/CF, da PGR, no RMS nº 24.213-6/280 – DF, Rel. Min. Celso de Mello, ajuizado contra o acórdão do STJ (anexo 4);
3. Acórdão – APC nº 9860-6 – TRF 4ª Região – 2003 (anexo 5);
4. Acórdão nº RR 438.743 – TST – 1998 (anexo 6);
5. Acórdão nº RO 1.062 – TRT – 10ª Região – 2002 (anexo 7);
6. Acórdão nº RO 2.541 - TRT – 10ª Região - 2002 (anexo 8);
7. Acórdão nº RO 1.135 - TRT - 10ª Região - 2002 (anexo 9);
8. Acórdão nº 3587 - RO Nº 10.151 – TRT 9ª Região - 2000 (anexo 10);
9. Acórdão nº 59.850 – do TRT-13ª Região - 2000 (anexo 11);
8. Parecer e deliberação da Coordenadoria da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos do MPT – 1996 (anexo 12);
9. Parecer do MPF no MS nº 009860-6 –SC - 2002 (anexo 13);
11. Manifestação da Ordem dos Jornalistas Italianos (anexo 14).
Por outro lado, mesmo ciente de que não se trata de matéria constitucional, a qual está delineada em suas contra-razões ao RE, a requerente, às vésperas do julgamento, pede licença para destacar os seguintes aspectos:
a) a sentença recorrida permitiu a produção junto ao Ministério do Trabalho cerca de 14 mil registros de jornalistas sem formação superior nos cursos de comunicação social/jornalismo – são os denominados de ‘registros precários’.
Em alguns casos, os novos ‘jornalistas’ sequer possuem formação escolar. A exemplo cita-se o caso de uma faxineira (sem qualquer preconceito) que hoje detém o registro profissional (anexo 15); bem como – e pasme, o caso de um desses jornalistas que requereu a expedição de Carteira Profissional de Jornalista (em face da Lei nº 7.084/2002) e fez juntar cópia de sua Carteira de Identidade onde em consta, no espaço destinado à assinatura, a expressão “não sabe assinar” (anexo 16) (dados identificadores apagados de propósito);
b) Este quadro certamente se agrava neste momento pela ausência de Lei de Imprensa, em razão do julgamento da ADPF nº 131, rel. Min. Ayres Britto.
São milhares de “profissionais”, sem formação técnica adequada ([2]), a coletar informações e a transmiti-las ao público, expondo e vulnerando a cidadania. E, agora, sem regras (exceto a singeleza da Constituição) para o exercício do Direito de Resposta, por exemplo, fica à mercê das decisões judiciais de primeira instância exaradas sabe se lá a partir de quê parâmetros, e não raro, contaminadas por injunções políticas, ideológicas e sociais espraiadas por este imenso País;
c) Com todo o respeito, não será a ausência de diploma que irá garantir ao cidadão acesso às emissoras de rádio e TV, aos sites da internet, ou às colunas de “cartas do leitor” existentes nos enésimos cadernos de nossos diários impressos.
Tampouco será a inexistência de diploma que permitirá aos cidadãos e autoridades, acusados em manchetes espalhafatosas de primeira página, verem suas respostas ou suas razões publicadas, quando muito, em minúsculas notas de rodapé de páginas perdidas no interior dos cadernos;
d) É certo que o diploma, por si só, não evita a ocorrência de abusos. Contudo, mais certo é que a ausência de formação técnica e noções de ética profissionais potencializam enormemente a possibilidade de os abusos ocorrerem.
Efetivamente não é o diploma que impede o cidadão de exercer a liberdade de manifestação do pensamento e de imprensa nos veículos de comunicação social no País. Verdadeiramente não é.
O que impede o exercício desses direitos fundamentais é a concentração da mídia em poucos grupos; é a orientação editorial dos veículos de comunicação; é a ditadura dos anunciantes ou a ditadura do mercado que privilegia a venda de jornais ou a obtenção de “pontos no ‘ibope’”, em vez da verdade, da informação isenta, ou do respeito às pessoas e autoridades;
e) Por outro lado, as figuras dos registros de “colaborador” (art. 5º do Decreto n.º 83.284, de 13 de março de 1979), que permite a qualquer pessoa escrever ou a manifestar suas opiniões, inclusive mediante pagamento, sobre sua especialidade; e de “provisionado” (arts. 5º e 8º do mesmo decreto), que possibilita a qualquer pessoa de qualquer município brasileiro que não possua faculdade de comunicação, a obter registro e exercer a profissão; convencem a mais não poder quanto à improcedência e impertinência da conclusão de que a exigência do diploma impediria o exercício da liberdade de pensamento e de imprensa.
f) Com o afastamento da Lei de Imprensa do ordenamento jurídico pela recente decisão na ADPF nº 131 e, com ela, as regras de criação e manutenção de meios de comunicação impressos, em muito se relativisa, caso fosse procedente, o argumento de que a exigência de diploma tolheria o exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de imprensa;
g) E, do mesmo modo, com a existência da internet, a possibilitar a qualquer cidadão expressar seu pensamento por intermédio dos infindáveis meios (páginas pessoais, blogs, orkuts, e-mails, e tantos outros), sem qualquer controle, também se torna absoltamente relativo, sem razoabilidade e desprovido de qualquer força o argumento de que a exigência de diploma para a obtenção do registro profissional impede a livre expressão do pensamento ou de imprensa;
h) Por derradeiro, considera pertinente lembrar que também não se pode admitir o argumento de que a exigência não teria sido recepcionada pela nova Ordem Constitucional (1988) em face de o Decreto-Lei nº 972/69 ter sido editado pelo regime de exceção instaurado no País em 1964. Por certo, se tal argumento fosse procedente, teria que ter sido afastado todo o decreto como incompatível com a ordem constitucional e não só o seu art. 4º, V (o que também não mais pode ser feito nesta instância, sob pena de julgamento extra-petita). Ademais, também se pudesse emprestar força e credibilidade, por consequência, todos os demais Decretos-Leis editados no mesmo período e que se encontram em vigor, alguns inclusive por decisões dessa Corte ([3]), teriam que ser declarados não recepcionados pela Constituição, fazendo ruir boa parte do ordenamento legal e jurídico do País
Por estas razões, requer-se a Vossa Excelência que, além dos elementos técnicos já constantes dos autos, leve em consideração também estas considerações e precedentes e, sobretudo a necessidade de proteção ao cidadão no julgamento do RE 511961. Afinal, o art. 1º da mesma Constituição solenemente assegura que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e
V - o pluralismo político.”
Atenciosamente,
Sérgio Murillo de Andrade
Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ
Sérgio Murillo de Andrade
Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ
[1] Art. 4º O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de: (...)
V - diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada, para as funções relacionadas de " a " a " g " no artigo 6º.
[2] Não se ignora o fato de existir ou ter existido alguns renomados jornalistas brasileiros sem diploma. Contudo, não se pode tomar a exceção pela regra.
[3] Alguns exemplos, dentre dezenas de outros:
"Ementa: Tributário. Imposto sobre serviços-ISS. Empresas de construção civil. Dedução do valor de subempreitadas tributadas. Art. 9º, § 2º, alínea b, do Decreto-lei n. 406/68. O Decreto-Lei n. 406/68 foi recepcionado como lei complementar pela Constituição da República. Precedentes: Recursos Extraordinários ns. 236.604 e 220.323. O disposto no art. 9º, § 2º, alínea b, do Decreto-Lei n. 406/68 não contraria a Constituição da República." (RE 262.598, Rel. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 14-8-07, DJ de 28-9-07)
Ementa: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO. LEGITIMIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS. DECISÃO QUE SE ASSENTA EM MAIS DE UM FUNDAMENTO. RECURSO QUE NÃO ABRANGE TODOS ELES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. 1. Prisão civil do devedor fiduciário que, sem justificativa, não cumpre ordem judicial para entregar a coisa ou seu equivalente em dinheiro. Legitimidade. Tendo sido o Decreto-lei nº 911/69 recepcionado pela ordem constitucional vigente, não há que falar que a equiparação do devedor fiduciário ao depositário infiel ofende a Carta da República. Precedente do Tribunal Pleno. 2. Ordem de habeas corpus deferida pelo juízo a quo, sob o argumento de ser ilegal a prisão do devedor fiduciário e de ser deficiente a fundamentação da sentença que a decretou. Extraordinário que não se insurge contra o segundo fundamento. Incidência da Súmula 283/STF. Recurso extraordinário não-conhecido.
Ementa: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE PRESTADORA DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS. O § 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/1968 foi recepcionado pela Carta de Outubro. Precedentes. Agravo regimental desprovido.
Ementa: EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - ISS. EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL. DEDUÇÃO DO VALOR DE SUBEMPREITADAS TRIBUTADAS. ART. 9º, § 2º, ALÍNEA B, DO DECRETO-LEI N. 406/68. 1. O Decreto-Lei n. 406/68 foi recepcionado como lei complementar pela Constituição da República. Precedentes: Recursos Extraordinários ns. 236.604 e 220.323. 2. O disposto no art. 9º, § 2º, alínea b, do Decreto-Lei n. 406/68 não contraria a Constituição da República. 3. Recurso extraordinário não conhecido.
Ementa: EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ........... 3. Esta Corte, ao apreciar o RE 150.764-1-PE, reinterpretando a luz da nova Constituição a legislação que disciplina o FINSOCIAL, houve de declarar recepcionado o Decreto-Lei 1940/82, com as alterações ocorridas anteriormente a CF/88, até a edição da Lei Complementar n. 70/91 e explicitou os fundamentos da sua validade e sua compatibilidade com a nova ordem constitucional, fixando os limites desta recepção ante os novos preceitos da Lei Maior, posto que, diante dos novos princípios constitucionais, não era bastante suficiente, para completa prestação jurisdicional, declarar recepcionada a legislação preexistente. 4. Ação intentada com o objetivo de ver declarada a inexistência de relação jurídico-tributária a permitir a exigência da exação na forma instituída pelo Decreto-Lei 1940/82, e suas alterações posteriores. Alegação de inovação da lide. Julgamento "extra-petita". Inexistência. 5. Em pedido abrangente, qual seja, a "inconstitucionalidade" da legislação anterior a ....
Ementa: EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIARIA. DEPOSITARIO INFIEL. DECRETO-LEI 911/69. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. PRESCRIÇÃO: DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. I - O Decreto-lei n. 911/69 foi recepcionado pela ordem constitucional vigente. A equiparação do devedor fiduciário ao depositário infiel não afronta a Carta da Republica. Legitima, assim, a prisão civil do devedor fiduciante que descumpre, sem justificação, ordem judicial para entregar a coisa ou o seu equivalente em dinheiro. Precedente do STF. II - Para prisão civil, vale a prescrição a luz do direito civil (artigo 177 do Código Civil). Ordem denegada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário