De Larissa Leite, 26 anos, jornalista.
Desde manhã, meu dia estava pelo avesso, como se o resultado já estivesse no ar: 8 a 1 pelo fim do diploma de jornalismo. Mais tarde, veio a lembrança dos meus mestres, alguns cultivados em segredo, mas nunca à distância. Com apenas um ano e meio de jornalismo (quer dizer, começamos a contar desde o fim da graduação ou desde o início da prática?), se eu dissesse que venho esbarrando com pessoas carentes de mestres ao longo da carreira, ninguém me levaria a sério. Nem eu. Então, como estou mais pra lá do que pra cá, prefiro começar um depoimento em favor da importância de minha passagem pela faculdade. Alguns dos mestres estavam lá, e foram eles essenciais no forjar da minha formação.
Já se eu dissesse que aqueles carentes encontrados pelo caminho foram justamente os que não passaram pela faculdade de jornalismo, estaria mentindo. Obviamente, quatro anos não serão os únicos determinantes do caráter de ninguém. Mas, por outro lado, ninguém pode dizer que uma faculdade não despertará indivíduos para valores essenciais à profissão e, obviamente, à vida. Tampouco, pode-se dizer que quatro anos dedicados ao estudo específico de pilares e técnicas que envolvem uma profissão não fazem diferença. Pois foi dito, votado e aceito pelo Supremo Tribunal Federal no dia 17 de junho de 2009.
Assim, os atores que apoiaram a decisão do Supremo lançaram o argumento da desvinculação de duas questões do curso de jornalismo: ética e técnica. Como exposto, a ética não é determinada pela faculdade, mas o encontro com mestres pode ser um farol que orienta o profissional por anos a fio (especialmente em relação a premissas caras à profissão, como a verdade e a originalidade). Um dos argumentos utilizados em defesa da extinção do diploma foi a multidisciplinaridade da profissão. Certamente, toda formação extra dentro do jornalismo é bem-vinda. Porém, ela serve para um melhor diálogo com especialistas da área de formação, e não com a sociedade. Foi na faculdade de jornalismo que apreendi a importância de comunicar com clareza a pessoas diversas, atingidas por um mesmo veículo de comunicação.
Também foi o estudo do jornalismo que me colocou em cheque com pessoas que disseram, de forma alentadora, que a matéria-prima do jornalismo é a realidade – feita não apenas dos furos, mas, essencialmente, do cotidiano entrelaçamento de histórias individuais. Assim, uma das vantagens de ser jornalista primeiramente especializado em jornalismo é estar imbuído dessa visão de mundo, na qual a banalidade, não mais enxergada por algumas áreas da ciência, está pronta a ser ressignificada em fato singular e revelador (seja dito que os artistas também costumam padecer dessa postura).
Equivocada também foi a defesa de que, para isso, não é necessária técnica. Quem nunca ouviu falar, que jogue no Google o básico: pirâmide invertida. Achar que uma pessoa que escreve pode consequentemente escrever uma matéria é o mesmo que achar que uma modelo que decora textos pode consequentemente ser atriz. Quisera eu sentar-me ao piano e tocar uma peça de Bach, com minha grande vontade e mínima técnica diante das teclas do instrumento.
Lembro-me do meu trabalho de conclusão de curso. Em vez de fazer uma grande reportagem, o que teria sido mais divertido, desenvolvi uma monografia com o invocado título Discurso Jornalístico e Transformação Social – o jornalista como educador da sociedade. Folheando o trabalho, percebi a enorme distância entre o que foi escrito e a decisão do STF. Na monografia, estão compilados diversos estudos que defendem uma inevitável comunicação entre as esferas da forma e do conteúdo. Estudiosos do discurso defendem, com uma visão diferenciada da forma, que a linguagem não apenas reflete a realidade, como é capaz de produzi-la. O discurso seria, portanto, não apenas uma prática de representação do mundo, mas de sua significação. Diante da importância da linguagem, a ferramenta de trabalho do jornalista, é inquietante pensar como alguém pode desandar a escrever uma matéria sem o conhecimento das regras básicas vigentes na profissão.
Uma coisa é manter nas redações profissionais que lá estão há anos, mesmo sem diploma. Outra é dar brecha à confusão em torno da profissionalização do jornalista em jovens e na sociedade em geral, já confusa com a “glamourização” que invade a carreira, entre outras. Eu, que também sou atriz, já fui indagada se não gostaria de exercer jornalismo na televisão. Respondi que tinha dúvidas, pois minha experiência se concentrava no impresso, que fazia com muito gosto. De volta, fui questionada: mas você não é artista?
Por fim, em um momento em que o Ministério da Educação acaba de fazer uma consulta pública para rever as diretrizes curriculares do curso de jornalismo; e que as cadeiras de Educação das universidades discursam sobre “Educação para a Mídia”, tamanha a relevância da informação na atualidade, não faz sentido desmotivar a educação de um dos principais atores da mídia.
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