Regulação da mídia no Brasil, direito de resposta, Conselho Federal do Jornalismo e diploma para o exercício da profissão de jornalista deveriam fazer parte do debate político brasileiro.
O advogado Claudismar Zupiroli (foto) avalia que a regulação da mídia no Brasil, o direito de resposta, o Conselho Federal de Jornalismo, a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista são temas que deveriam fazer parte permanente do debate político brasileiro.
Ele reconhece que a correlação de forças políticas não é favorável, "embora a própria conjuntura revela que essa discussão é extremamente necessária e tem que ser enfrentada".
Claudismar falou ao Jornal do Romário sobre esses assuntos. Veja a íntegra da entrevista:
Jornal do Romário - Qual sua avaliação sobre a liberdade de imprensa no Brasil, o papel do jornalista e a legislação sobre o direito de resposta?
Claudismar -Vamos começar pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional a lei de imprensa editada pelo governo militar brasileiro nos anos 1960. O STF disse que essa lei não tinha sido recepcionada pela Constituinte de 1988. Em relação ao direito de resposta ficou um vácuo na legislação. Não há uma lei especifica que diga como é que se consegue uma resposta na imprensa, obrigando as pessoas que se consideram ofendidas a buscar reparação, ou direito de resposta, por meio do direito civil. Isso dificultou todo o processo porque a lei de imprensa era específica, dava prazos para a reparação etc.
JR - Como são as decisões judiciais atualmente?
Claudismar -A Justiça tem dado direito de resposta em casos muito contundentes. Em geral, ela tem se comportado com parcimônia na condenação por ofensas praticadas na imprensa, tanto na condenação do órgão de imprensa, ainda que aqui e acolá algum jornalista tenha sido condenado, quanto na fixação de valores a título de indenização, quando a ação é civel. No campo criminal raramente tem havido condenação, o único caso que conheço é a condenação do jornalista Ricardo Boechat por ter feito uma série de comentários sobre o senador Roberto Requião. Nesses casos as condenações são modestas e transformadas em prestação de serviço à comunidade. O mais comum é a indenização, depois vem o direito de resposta.
[NdaR: O jornalista do Grupo Bandeirantes Ricardo Boechat foi condenado a seis meses e 16 dias de prisão por crime de calúnia contra o senador Roberto Requião (PMDB-PR). A sentença foi proferida pela 1ª Vara Criminal do Fórum Regional de Pinheiros, em São Paulo. A juíza Aparecida Angélica Correa converteu a pena para três meses de trabalho comunitário.Com direito a recurso,a questão continua em debate na Justiça).
JR - E as indenizações são altas?
Claudismar -A ideia de que se podia pedir qualquer valor a título de indenização deixou de existir há muitos anos. Os juízes, quando decidem pela indenização, consideram que esse direito não significa que as pessoas devam enriquecer com base nos danos morais.
JR - Existe alguma diferença entre o crime, ou ilegalidade, cometida na imprensa escrita e na imprensa virtual, na internet?
Claudismar - Para a Justiça não há diferença. O que interessa é se o fato em si é ofensivo ou não. Na internet há mais dificuldade em provar a autoria da ofensa. Não é raro que essas ofensas são veiculadas a partir de servidores que ficam fora do Brasil. A tecnologia evoluiu muito, mas da mesma forma evoluiu a forma de burlar e esconder as autorias. Às vezes também dependendo de quem é o ofendido se apura com mais facilidade e rapidez.
JR - Quando a questão envolve dois jornalistas era de se esperar que a Comissão de Ética dos sindicatos e a Comissão Nacional de Ética da Fenaj se pronunciasse? Quais são as dificuldades?
Claudismar - O problema da aplicação do Código de Ética dos Jornalistas é que ele não é coercitivo. Essa profissão não tem um Conselho como tem outras categorias, como médicos, engenheiros etc. Ele não é norma que se aplica a todo mundo, apenas aos filiados ao sindicato. Se a Comissão de Ética se pronunciar sobre a conduta de um jornalista será sempre um pronunciamento de ordem moral, não tem poder de aplicar penalidades. Esse é o motivo pelo qual o ofendido tem que buscar o Judiciário.
JR - É possível regulamentar o direito de resposta no Brasil? Ou esse assunto está fadado ao esquecimento?
Claudismar - Essa discussão vai ter que ser retomada. Os dois julgamentos mais importantes no STF, que foram o que declarou inconstitucional a Lei de Imprensa e a exigência do diploma para jornalista, trazem em seu conteúdo, em vários votos proferidos, que essa área é "irregulamentável". Isso é preocupante porque afirma-se que o Estado não pode se imiscuir para regulamentar a liberdade de expressão, ou a liberdade de imprensa, que são direitos absolutos. Eu discordo e acho esse um problema conceitual sério e não acho que esses sejam direitos absolutos.
JR - Caso a PEC do diploma de jornalista seja aprovada, não haveria espaço para a retomada da discussão do direito de resposta?
Claudismar - Sim, haveria, mas nada impede que alguém entre de novo no Supremo para questionar a validade constitucional da norma que reintroduzir a exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão. A PEC já foi aprovada no Senado e ainda está na Câmara, há anos, para ser votada.
JR - A regulação da mídia, sim, tem impacto direto no debate sobre a liberdade de expressão e sobre o direito de resposta. Existe clima político para abrir esse debate?
Claudismar - A conjuntura atual é muito desfavorável a esse debate, embora a própria conjuntura revela que ele é extremamente necessário, tem que ser feito e tem que ser enfrentado. Parte da população assumiu o que é defendido pela mídia. Essa manipulação, essa partidarização da mídia precisa ser enfrentada em algum momento. Não é possível que meia dúzia de famílias no país determine o que pensa a sociedade, e é isso o que está acontecendo.
A dificuldade é que boa parte da sociedade admite que a grande mídia está certa. Acho também que se começou a perder essa guerra quando o governo retirou o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo. A decadência do debate começou ali, conseguiram impedir a criação de um Conselho que poderia questionar as práticas do jornalismo evitando os exageros que a gente tem conhecimento.
JR - Desse momento para cá, as redes sociais na internet evoluíram bastante. È possível dizer que essa nova situação pode ajudar na retomada do debate da democratização?
Claudismar - Esse espaço pode vir a ser importante, mas ainda não é. A maior parte da população ainda não tem acesso aos conteúdos alternativos.
JR - Como as redes podem contribuir se elas ainda reproduzem o que a grande mídia veicula?
Claudismar - É verdade também que há blogs que produzem conteúdos alternativos, mas eles ficam restritos aos que frequentam a internet e nem todo mundo está na internet se você levar em conta a população brasileira como um todo. O que vejo é que esse debate está restrito entre os usuários das redes. A narrativa alternativa ainda não chegou à população que está fora das redes. Os índices de audiência na TV aberta e nas rádios são maiores do que os da internet, pelo menos por enquanto.
JR - É verdade que os jornais da TV já não chamam mais tanta atenção, pois tudo já foi dito na internet.
Claudismar- Hoje é possível dizer que o Jornal Nacional não dá a palavra final. A credibilidade e audiência caíram bastante e pode-se dizer que graças à informação obtida na internet, simultâneamente, ou logo em seguida à veiculação da notícia. A mesma coisa com relação à revista Veja, a credibilidade da revista despencou. Quando se reproduz o conteúdo produzido por ela não tem a receptividade que tinha antigamente.
JR - Como se comporta a grande imprensa?
Claudismar -Tem sido pratica na imprensa escrita e na televisão fazer determinadas denuncias como se o envolvido já fosse condenado, além disso, não dão o mesmo espaço quando determinada matéria foi esclarecida ou desmentida. Fica sempre a versão como se fosse a verdade.
JR - O sigilo da fonte existe? O jornalista deve confiar nas fontes?
Claudismar - O jornalista não precisa revelar a fonte. Mas ele não está dispensado de aferir a veracidade do que vai publicar. Ele pode ser usado por alguém que quer se esconder para atacar um terceiro. Quando isso acontece, o jornalista assume a responsabilidade e vai pagar por isso.
JR - Tem algum caso que o juiz tenha pedido a revelação da fonte?
Claudismar - Tem um caso em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, mas o ministro Ricardo Lewandowski deu liminar dispensando. Mas o assunto está em discussão e deve ser avaliado no plenário do STF. A Justiça Federal em São Paulo tinha ordenado a quebra do sigilo telefônico do repórter Allan de Abreu e do jornal "Diário da Região".
[NdaR: Após a publicação de reportagens, em 2011, que revelavam esquema de corrupção na Delegacia do Trabalho de Rio Preto, o jornalista e o veículo foram alvo de uma ação do Ministério Público para que revelassem a fonte das informações publicadas.
A 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto acatou o pedido de quebra de sigilo, decisão que foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O jornal recorreu à própria Justiça Federal, que ainda não decidiu sobre o caso].
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Quem é Claudismar?
Claudismar Zupiroli é paranaense e estudou direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, de 1983 a 1987. É advogado militante no Distrito Federal nas áreas do direito público, civil, eleitoral e administrativo. Atualmente está atuando nos tribunais superiores, com destaque para o Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal de Contas da União e Supremo Tribunal Federal.
É conhecido também por sua atuação na Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em defesa dos interesses da categoria junto à Justiça trabalhista e ao Ministério do Trabalho.