“Nós somos os cantores do rádio
Nossas canções cruzando o espaço azul
Vão reunindo, num grande abraço
Corações de norte a sul...”
Braguinha
Por Beto Almeida e Chico Sant’Anna
O líder do PT na Câmara Federal, deputado Jilmar Tato tomou uma atitude corajosa de bloquear a votação do projeto que flexibiliza o horário de transmissão da Voz do Brasil, Cavalo de Tróia que traz consigo o sonho neoliberal de extinguir o programa o proporcionar uma hora a mais de rádio-baixaria, alienante e de um jornalismo precário, comandado pela ditadura do mercado.
Os argumentos do líder petista são corretos: o objetivo e acabar com o programa. Tentaram por via judicial, mas não tiveram êxito. Milhões de brasileiros o escutam assiduamente, para a grande maioria dos municípios brasileiros, sem a presença de jornalismo, nem impresso nem de rádio ou TV local, é a Voz do Brasil a única oportunidade de ter acesso a informações relevantes que decidem na vida do cidadão. Ou seja, as decisões do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Tato tem razão, sobretudo se considerarmos que o rádio comercial não oferece pluralidade informativa alguma, submetido que está aos poderes e interesses econômicos , além de sonegar ou deformar, não informa sobre os atos dos poderes públicos, já que parte de um fanatismo editorial anti-estado.
O grande empresariado de mídia, maior interessado no suculento horário a ser vendido, lança inúmeros preconceitos contra o programa radiofônico, hoje o mais antigo do mundo em veiculação. Entre eles o de tentar criticar, injustamente, criticar sua inutilidade. Certamente não escutam a veiculação já que a Voz do Brasil presta inúmeras informações importantes à sociedade brasileira, em sua maioria sem qualquer acesso à leitura de jornais que, como sabemos, registram credibilidade e circulação decadentes. Alguns exemplos: informações sobre o Fundeb, fazendo com que a população de cada município saiba que os recursos já estão em mãos do prefeito, possibilitando a cobrança cidadã de sua aplicação.
A missão pública do rádio
A Voz do Brasil veicula também, e amplamente, as informações sobre os recursos de cada programa do Ministério da Saúde, possibilitando controle e participação dos conselhos locais. Igualmente, informações sobre os projetos ligados ao Ministério da Pesca chegam, diariamente, ao litoral e às populações ribeirinhas pelo rádio, alcançando as embarcações onde estiverem. Há ainda a divulgação sistemática, pela Voz do Brasil, de informações sobre programas como o Pronaf, o PAA, ou sobre o Pronera, todos destinados à famílias que vivem no campo, nos assentamentos ou em grotões isolados, alcançados , em horário adequado, pelo sinal do rádio. O camponês também se informa sobre os preços mínimos. Basta que se consulte aos parlamentares da região amazônica que divulgam o preço da borracha da tribuna porque sabem que a Voz do Brasil será captada pelos seringueiros. Tem ou não utilidade social, cumprindo a missão pública do rádio.
Que pode ser aperfeiçoado, não há a menor dúvida. Mas, certamente não serão os editorialistas do Estadão ou da Fundação Milenium os maiores interessados neste aperfeiçoamento democrático do rádio, num país onde , recorde-se, é praticamente proibida da leitura de jornais. Aliás, sobre o Estadão, vale recordar que o inesquecível Monteiro Lobato, levou aos proprietários do jornalão a proposta de que aderisse e veiculasse uma nobre campanha para combater o analfabetismo. A resposta de um de seus proprietários é lapidar e deve ser para sempre lembrada: “ô Lobato, mas se todos aprenderem a ler e a escrever, quem é que vai pegar na enxada??” Não surpreende que argumentem agora contra o papel social desenvolvido pela Voz do Brasil.
Aperfeiçoar, não flexibilizar
O aperfeiçoamento da Voz do Brasil tem por base o fato de ser uma bem sucedida experiência de regulamentação democrática, podendo, por exemplo, ter sua versão televisiva, tal como foi o Diário da Constituinte, de 10 minutos diários na TV quando se escrevia a Constituição Cidadã. E pode também, sempre apoiada do fato de que é uma regulamentação, permitir que a Voz de mais brasileiros ecoe pelo Programa. Criar uma espécie de Direito de Antena na Voz do Brasil, por meio da qual seja ouvida também a voz das entidades da sociedade brasileira. Talvez seja este um dos fatores a tirar o sono da oligarquia midiática brasileira, pois em vários países da América Latina, por meio da regulamentação democrática e apoiados no voto popular, governos estão possibilitando a prática da pluralidade informativa, sonegada quando a mídia é exclusivamente e ditatorialmente comercial. Para compensar o predomínio esmagador do rádio comercial, uma hora de programação diária, e apenas no rádio, é até uma cota tímida, embora democrática.
Conspiração?
Também para aperfeiçoar, pode-se por meio de medidas administrativas no âmbito da EBC fazer os ajustes necessários para que a veiculação do programa seja para o horário mais adequado nos estados com fuso horário. Não é necessário alterar a lei para isto. Fica claro que o objetivo é outro: tornar impossível a fiscalização sobre 7 mil emissoras de rádio - a Anatel não tem a mais mínima estrutura para isto - e levar o programa a ser inaudível, esquecido, facilitando sua extinção posterior. Sobre dificuldades de fiscalização, basta dizer que a esmagadora maioria das rádios brasileiras hoje não cumprem a legislação no que toca a produzir, obrigatoriamente, um percentual de programação jornalística local. A Voz do Brasil é , para a maioria das emissoras, o único espaço jornalístico. Sua estrutura e redação deveriam ser ampliadas, com sucursais em todas as capitais, trazendo ao conhecimento de toda a sociedade, a multifacética aventura sócio-economica do povo brasileiro em todos os quadrantes deste continente. A palavra de ordem justa não é flexibilizar mas, sim, fortalecer, qualificar, aperfeiçoar, expandir o jornalismo público. Exatamente na linha contrária do defendido por certas fundações financiadas por recursos de sinistras instituições estrangeiras, como a Usaid, de países que querem a diluição do estado nacional, que interferem na vida de outros povos e até mesmo podem conspirar com a ideia da fragmentação do Brasil.
Era Vargas
É tola a argumentação de que a Voz do Brasil seria resquício da Era Vargas como se isto fosse negativo. Também a CLT é um “resquício” salutar da Era Vargas, tanto é que aquele ex-presidente pretendeu demolir a Era Vargas e , até hoje, periodicamente, surgem tentativas conspirativas do grande capital para “flexibilizar” a CLT. Também são produto desta mesma Era Vargas o Instituto Nacional do Cinema Educativo, dirigido pelos geniais Roquete Pinto e Humberto Mauro, a Rádio Nacional, o Instituto Nacional de Música, dirigido por Villa-Lobos, gênio da raça. E claro, é também fruto da Era Vargas o direito de voto à mulher, a licença maternidade que agora foi expandida para 6 meses, a Escola Nova de Anísio Teixeira, a indústria naval, a Cia Siderúrgica de Volta Redonda, a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, cuja reestatização vem sendo defendida aplicadamente pelo MST, numa dialética aliança histórica com o baixinho dos pampas. Assim, afirmar que é resquício da Era Vargas não desqualifica, ao contrário, como vimos é parte de um processo de conquistas do povo brasileiro. Claro, não é o que pensa o capital estrangeiro, as oligarquias e os novos sucedâneos da UDN. Que já se deram conta de que o presidente Lula fez importantes e significativas revisões sobre a avaliação que tinha sobre o papel de Vargas na história. A presidenta Dilma também valoriza sobremaneira o papel de Vargas, como tantas vezes já declarou.
Esta investida dos empresários do rádio não é a única. Há anos deixaram de veicular o Projeto Minerva, dedicado à nobre causa da alfabetização à distância, via rádio, com 30 minutos diários, que era veiculado logo após a Voz do Brasil. Em troca, temos hoje mais meia hora de rádio comercial e alienante.
Água potável
Vale lembrar ainda que quando pleitearam a concessão para a exploração de serviços de radiodifusão, os empresários firmaram contratos comprometendo-se a cumprir com todas as obrigações deles decorrentes. Estariam tentando agora uma quebra de contrato, o que pode ensejar uma perda da concessão. Comparando: como reagiria a sociedade se uma concessionária para o fornecimento de água potável, no meio do contrato, deixasse de adicionar flúor ou cloro no produto?
O projeto de lei que flexibiliza a Voz do Brasil , como apontou o líder petista, precisa ser muito melhor examinado. Ele não foi submetido ao plenário na Câmara e teve sua tramitação no Senado durante o ano eleitoral em que a Casa encontrava-se com menor atividade. Além disso, padece de um problema de técnica legislativa crucial: toda matéria legislativa sobre comunicação deve obrigatoriamente ser examinada pelo Conselho de Comunicação Social, e isto não foi observado até o momento.
Finalmente, não pode ser mais passional e fanático o argumento do campo do grande empresariado da comunicação afirmando que a Voz do Brasil humilha o povo brasileiro. O que humilha e desrespeita o povo brasileiro é um rádio comercial que agride a constituição diuturnamente, com práticas de anti-jornalismo, com o culto ao mórbido e à violência, muitas vezes casos xenófobo aos países sul-americanos, com os quais querente uma integração solidária. Ou, simplesmente, com a regular ausência de informações educativas, civilizatórias e humanizadoras. Em muitos casos, apenas durante a exibição da Voz do Brasil se vê algo de informativo, real e não aviltante.
Os jornalistas Beto Almeida e Chico Sant’Anna
são coordenadores do Movimento em Defesa da Voz do Brasil