Do Opera Mundi
Um telegrama obtido pelo Wikileaks indica que o ex-ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG), prometeu aos Estados Unidos adotar o modelo de rádio digital daquele país como espécie de prêmio de consolação após a vitória do Japão na disputa pelo padrão de TV digital.
O documento, emitido em 18 de setembro de 2006, mostra que a promessa foi feita em conversa entre o político mineiro e o então embaixador norte-americano, Clifford Sobel. "Costa disse que o Brasil procura investimentos tecnológicos e parceiros, e este aspecto teve papel decisivo na escolha do padrão japonês de TV digital em detrimento do padrão norte-americano", relata o telegrama,que, até então, apenas reproduzia aquilo que o ministro vinha repetindo à imprensa durante meses.
Em seguida, no entanto, é acrescida a seguinte informação: “Mas ele afirmou categoricamente que o sistema de rádio digital dos Estados Unidos será o escolhido pelo Brasil“. Mais adiante, o telegrama volta ao tema, então com mais detalhes. “Costa foi enfático em dizer que o sistema de rádio digital dos Estados Unidos será escolhido pelo Brasil, já que oferece claras vantagens sobre os competidores coreanos e europeus”.
A versão do ex-ministro
Em conversa por telefone, Costa negou que tenha dado essa garantia aos Estados Unidos. “O modelo que estava mais bem encaminhado era o de rádio digital norte-americano, mas precisávamos de discussão. Tanto que o ministério até hoje não tomou nenhuma decisão“.
O ex-ministro comentou que foram feitos testes do padrão dos Estados Unidos em São Paulo, mas deficiências técnicas fizeram com que não houvesse uma definição, apesar da pressão das emissoras de radiodifusão para que se adotasse rapidamente a tecnologia norte-americana. O principal problema é que o sistema sofria das mesmas deficiências apresentadas pelo modelo analógico em uso atualmente, com a formação de áreas de “sombra“ de frequência, ou seja, com falha de sinal.
No mesmo encontro, Sobel fez uma rápida análise da conjuntura eleitoral, já que Lula disputava a reeleição. Costa acreditava que o PMDB, o PT e outras siglas formariam uma liderança tranquila no Congresso, e chegou a oferecer uma articulação do embaixador com outros nomes de seu partido. “De fato, ele sugeriu numerosos encontros e jantares com líderes no Senado e com líderes de seu próprio partido. Nós vamos levar em conta essa influência para ganhar acesso a outros líderes do PMDB e em promover e defender ações dos Estados Unidos na comunicação e em áreas relacionadas”, relata o documento.
O ex-ministro não nega esta afirmação, embora discorde parcialmente do tom utilizado por Sobel. Ele lembra que o embaixador chegou a Brasília disposto a estabelecer uma forte articulação com líderes políticos, promovendo jantares e conversas. “Nunca um embaixador dos EUA teve contato tão próximo da classe política. Era uma relação excepcional.
A conversa está razoavelmente correta”. Costa conta que, além do encontro registrado em telegrama trazido à tona pelo Wikileaks, manteve várias reuniões com Sobel. Segundo o político, com a finalidade de demonstrar por que o padrão japonês de TV digital era o mais adequado ao que o Brasil desejava.
Todas as atenções
O tema mobilizou grande atenção na embaixada dos EUA em Brasília, que enviou a Washington dez telegramas a respeito entre 2003 e 2006. No começo do governo Lula, a embaixadora Donna Hrinak manifestava certa preocupação com a intenção do ministro Miro Teixeira em desenvolver um padrão brasileiro de TV digital.
O quadro melhorou com a chegada de Eunício de Oliveira ao Ministério das Comunicações, em 2004. Um fator complicador, relatava o peemedebista em conversa telefônica com o embaixador John Danilovich, era a linha de pensamento que defendia o modelo nacional de televisão. "Ele comentou que seria de grande auxílio para a campanha dos Estados Unidos se as empresas pudessem mostrar que planejam fabricar ou desenvolver alguns dos programas para TV digital no Brasil", comenta o telegrama postado em novembro de 2004 e tornado público pelo Wikileaks.
O caminho se desenhava aberto para o setor privado dos EUA, que disputava a condição de fornecedor com Japão e União Europeia. A indústria local, indicava o comunicado interno, pressionava para que se chegasse a um veredicto até 2005. A chegada de Hélio Costa ao ministério, em julho daquele ano, mudou o rumo das conversas.
Costa se posicionou abertamente favorável à adoção do padrão japonês, também o preferido da Rede Globo, da qual foi funcionário durante muitos anos. Os Estados Unidos passaram a se ancorar no contraponto oferecido pelo então ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. “Os comentários de Furlan são um contraponto ao repetido aval (de fato, uma advocacia) do ministro das Comunicações, Hélio Costa, a favor do padrão japonês (…) O tempo dirá neste caso”, anotava telegrama de agosto de 2006.
Outra esperança de Washington estava na versão, muito difundida pela imprensa, de que a palavra final estava com Lula e com sua ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. "Ela parece determinada a evitar a repetição da desastrosa escolha do Brasil pelo padrão PAL-M (feita na época da ditadura em torno da televisão a cores, o que se mostrou um erro em termos de custos)". Em março de 2006, o embaixador Danilovich anotava ainda que soava equivocada a versão de Costa de que Lula já tinha em mãos todos os dados necessários para tomar uma decisão.
Naquele momento, o ministro ponderava que o padrão japonês era o que melhor se adequava aos dispositivos móveis desejados para o desenvolvimento da TV digital. Outro ponto que ele utilizava em sua argumentação era o de que os asiáticos ofereceram melhores contrapartidas em investimentos na indústria nacional e em transferência de tecnologia.
"Tanto a embaixada quanto o consulado vão contar a nossos interlocutores que o governo pode facilmente ganhar acesso livre de impostos ao mercado dos Estados Unidos para componentes industrializados da TV digital", assinalava um comunicado interno.
Não deu certo. O padrão japonês seria mesmo o escolhido. Para Costa, a escolha foi acertada. "É tão eficiente que passamos para outros países da região, quase doze países. Temos hoje um sistema latino-americano de TV digital".
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