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sexta-feira, 3 de julho de 2009

TVs brasileiras à conquista das audiências africanas

Em África, os países de língua portuguesa e, em particular, Angola e Moçambique, são o cenário principal da disputa entre a Globo e a Record, beneficiando do desenvolvimento acelerado desses países.

Alfredo Prado, publicado na edição de junho da revista África 21


Brasília - O Brasil já não é suficientemente grande para a disputa entre dois dos maiores grupos empresariais de comunicação da América Latina, a Globo e a Record. Nos últimos anos, a Globo, fundada pela família Roberto Marinho, e a Record, controlada por Édir Macedo, criador da Igreja Universal do Reino de Deus, atravessaram o Atlântico, instalaram-se na Europa, voaram para África e nesses novos palcos prosseguem a luta pela conquista de novas audiências.
Em África, os países de língua portuguesa e, em particular, Angola e Moçambique, são o cenário principal da disputa entre a Globo e a Record, beneficiando do desenvolvimento acelerado desses países.
Governantes e empresários angolanos e moçambicanos começaram a olhar a indústria de informação e entretenimento com particular atenção, em busca de novas oportunidades de negócios e de investimentos. Mas, entre os países africanos lusófonos a escala de interesse e o potencial são naturalmente diferenciados.
Se países como Angola e Moçambique, com significativa densidade demográfica e mercados consumidores em crescimento, são as estrelas dos investimentos nos média de grupos nacionais e estrangeiros, desde as televisões aos jornais impressos e à internet, já a Guiné-Bissau reflete, neste sector, a carência de meios e o desinteresse dos investidores, resultantes da instabilidade política e da fragilidade do Estado.
Em Luanda e Maputo, as apostas empresariais no sector da comunicação social sucedem-se e, até agora, tudo indica que os êxitos são maiores que os fracassos. Grupos portugueses, como o Visabeira e o Escom, ligado ao Espírito Santo, e brasileiros, associados a investidores locais, protagonizam acirrada concorrência.
Para os brasileiros, o interesse é, sobretudo, despertado pelo potencial crescimento de mercados consumidores, pela facilidade de penetração possibilitada pela língua comum e pela «simpatia» cultural dos países africanos de língua portuguesa pelo Brasil, desde a musicalidade do sotaque brasileiro do português à história de raízes comuns criadas pelo esclavagismo, mesmo que os equívocos, hoje, sejam grandes, sobretudo no Brasil.
O fim das guerras civis em Angola e em Moçambique abriu caminho à desestatização, em algumas áreas, e à abertura a investimentos privados na generalidade dos sectores produtivos e de serviços, incluindo o da comunicação.

Os novos conquistadores

É neste ambiente favorável, numa perspectiva política e económica, que a Globo e a Record decidiram avançar para África. Decisões tomadas também num quadro de conjuntura política interna favorável, criada a partir da primeira eleição, em 2000, de Luiz Inácio Lula de Silva para a presidência da República e o lançamento de uma política de aproximação ao continente africano, à procura de novos mercados e de alianças políticas para a sustentação de uma estratégia de potência internacional.
Ao longo de quase uma década, Globo e Record têm apostado forte nos países africanos lusófonos.
Em entrevista, por escrito, à África 21, o director da TV Globo Internacional, Marcelo Spínola, prefere não revelar o montante dos investimentos feitos pelo grupo em África. «É uma informação estratégica», diz. Mas, adianta, que os programas da Globo, transmitidos por TV paga, são vistos em Angola e Moçambique por mais de 200 mil pessoas.
«A história da TV Globo na África, em especial em Angola, começou quando as novelas ‘O Bem Amado’, ‘Roque Santeiro’ e ‘Rainha da Sucata’ passaram a ser exibidas no país pela TPA. Hoje, o continente é um mercado importante para a TV Globo Internacional, com destaque para Angola e Moçambique. Nestes dois países, somos assistidos por aproximadamente 200 mil assinantes», afirma.
Para o êxito, diz Spínola, contribuiu o padrão de qualidade do canal internacional. «No início dos anos 2000, a TV Globo Internacional passou a ser transmitida em Angola via satélite, o que, com a estabilidade política e o crescimento económico do país, contribuiu ainda mais para o aumento no número de assinantes», diz o director da empresa.
Informação, telenovelas, minisséries, programas de variedades constituem o «segredo» dos êxitos das duas redes em África, mesmo quando a «visão» brasileira do continente e das suas culturas é, muitas vezes, equivocada por um desconhecimento das realidades africanas que só muito recentemente o Brasil começou a descobrir.

Faltam «profissionais de qualidade»

Aparentemente, nada é muito difícil. «Não há dificuldades específicas ´deste´ou ´daquele` mercado. O nosso principal compromisso em todo o mundo é o de levar aos nossos assinantes uma programação de qualidade e com informações relevantes. Este é um dos diferenciais da TV Globo Internacional no mercado. E para que o canal possa também estar ao serviço do assinante, sempre com qualidade, realizamos uma criteriosa seleção de parceiros para a produção dos programas locais como o ‘Revista África’, responde o director da TV Globo Internacional. Já o director-presidente da Record Europa Internacional, Aroldo Martins, prefere admitir que sim, que há dificuldades, e diz: «faltam profissionais de qualidade».
Tal como a Globo, também a Record é distribuída por satélite para todos os países de África, sendo em Angola e Moçambique distribuída também por cabo. A Record não é por assinatura, faz parte de pacotes básicos nos países onde é distribuída pela DSTV e por cabo. No caso de Moçambique, além da distribuição por cabo, a Record chega a casa dos moçambicanos através da associada TV Miramar, enquanto em Cabo Verde é distribuída para todas as ilhas por emissora local, à semelhança do que acontece no Uganda, Madagáscar e na Zâmbia, neste último país em fase de montagem.
As audiências, esse campo minado das estações de televisão de todo o mundo, são a obsessão constante dos executivos. Em Angola, a liderança continua nas mãos da Globo, com cerca de 29% de share de audiência, e dois pontos de vantagem sobre a Record. Em qualquer dos casos audiências muito superiores às dos canais portugueses. Em Moçambique e em Cabo Verde, a vantagem pende para a Record, que chega através de emissora local.

Programas especiais

«Um dos principais projetos da TV Globo Internacional em Angola é o “Dia da Amizade Angola Brasil”, que é realizado em parceria com a Multichoice», diz o director da rede brasileira à África 21. «Em Novembro de 2008, realizámos a primeira edição do evento, com a presença de mais de 20 mil pessoas. A festa foi apresentada pelo Luciano Huck, personalidade muito conhecida no país, e teve a participação da banda Calypso, escolhida pelos angolanos. Este ano, faremos a segunda edição do evento», adiantou.
Para Angola, a Record aposta na duplicação de produções, novos equipamentos e «formação de equipas locais, somando às já existentes», diz Aroldo Martins. Mas a rede quer ir mais longe e promete o desenvolvimento do serviço em inglês, através do canal My Channel, a partir do Reino Unido, e «em segunda etapa, serviço em francês para os países desta língua».
Quais são os programas de maior sucesso? «As telenovelas produzidas pela TV Globo no Brasil sempre fizeram sucesso entre os assinantes angolanos», diz Marcelo Spínola e exemplifica: «os jovens angolanos são influenciados frequentemente pelas telenovelas exibidas pela TV Globo Internacional, seja na maneira de se vestir ou em expressões utilizadas por personagens das tramas».
«Este intercâmbio cultural é muito importante e também tem o seu caminho inverso. A cultura brasileira sempre foi influenciada pelos costumes africanos, tanta na culinária e nos ritmos musicais, como na festividade ou na dança», diz o responsável pela área internacional da rede de Roberto Marinho.
No início deste ano, por exemplo, o cantor Yuri da Cunha foi um dos convidados para se apresentar na festa em comemoração ao 444.º aniversário da cidade do Rio de Janeiro. Na ocasião, o músico colocou cerca de 10 mil brasileiros a cantar e dançar aos ritmos africanos.
Já a Record ergue a bandeira de programas como «Mangole de Sucesso» e «Angola Fashion», «O melhor do Brasil», «Tudo é possível», «Show do Tom» e o «Domingo Espectacular».Estratégias diferenciadas.
A concorrência da Record parece não incomodar a Globo. «As emissoras atuam no mercado com modelos de negócio distintos. A TV Globo Internacional tem o posicionamento de ser um canal de TV por assinatura. (...) É desta forma que estamos presentes em 115 países dos cinco continentes e contamos com mais de 550 mil assinantes Premium», afirma Marcelo Spínola.
O presidente da Record admite a vantagem, mas destaca que «a liderança da concorrente é de apenas dois por cento, de acordo com pesquisa da Multichoice e da Marktest». Portanto, diz, «não é preciso grande estratégia. É continuar fazendo o que os angolanos já gostam. Estamos em plena ascensão».
E uma área em que a Record ainda não está mas na qual quer entrar é a das TV abertas. No caso de Angola, Aroldo Martins afirma que o objectivo é «tentar sempre, através de parceria local, uma concessão para emissão aberta».
Um negócio que parece não interessar à Globo. «O posicionamento adoptado pela TV Globo Internacional é o de ser um canal premium por assinatura, com uma programação diferenciada e qualidade técnica e artística. Este modelo de negócio torna viável ao canal estar presente nos cinco continentes com alto nível de qualidade», afirma Marcelo Spínola.
Os dois grupos são rivais, mas têm em comum a aposta na expansão internacional. Primeiro na Europa e depois em África. Outros, como a rede Bandeirantes, já olham com igual apetite para o mercado angolano. Novos episódios deverão ser anunciados em breve.

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