Por Rita Nardelli
Zé
Ketti, compositor de músicas de enorme sucesso, como Máscara Negra, A Voz do Morro
e Acender as Velas, terminou a vida
num quartinho cedido por uma prostituta, cantando em bares da zona de
prostituição em São Paulo em troca de um prato de comida.
João Cabral de Melo Neto, diplomata e poeta, autor de Morte e Vida Severina, tomava cachaça
diariamente para disfarçar a dor de, em idade avançada e depois de ter
acumulado tanto conhecimento, ter sido aposentado e não poder mais trabalhar
pelo seu país.
Dois soldados comunicaram-se pelo olhar no momento que decidiram,
por não haver outra opção, soltar-se de um cabo de aço que apresentou problemas
durante um exercício militar realizado numa torre a uma altura correspondente a
onze andares.
Num acidente de trânsito, Bruna, de 15 anos de idade,
morre. A mãe explica assim a dor: “olha, quando eu perdi a minha filha, eu
perdi também a noção das distâncias, eu perdi a precisão dos aromas, perdi a
delícia dos sabores e eu perdi, sobretudo, a beleza das cores.”
Em 1977, o plenário da Câmara vazio – só havia ali um
segurança da Casa, tomando conta daquele cenário – era o triste retrato de uma
das medidas constantes do Pacote de Abril - o fechamento do Congresso Nacional.
Em 1989, Fernando Collor de Mello é eleito presidente da
República. Todos em festa na Casa da Dinda. Menos o irmão do futuro chefe da
Nação, Pedro Collor. O olhar dele já antecipava a tragédia que atingiria a
família.
Em 2010, Dilma Rousseff é eleita presidente. Na transmissão
da faixa presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva levanta o braço de sua
sucessora. O vice-presidente eleito, Michel Temer, aplaude timidamente e sem
entusiasmo a nova presidente. Já se podia antever, ali, a deterioração da
relação entre os dois.
No Palácio da Alvorada, Dilma Rousseff chega de uma viagem.
Os guardas demoram a hastear a bandeira – que estava rasgada. Um descaso que representava
um prenúncio do impeachment da
presidente, aprovado dias depois.
Essas personagens e essas histórias foram registradas pelo olhar aguçado e sensível do premiado fotógrafo Orlando Brito, protagonista do documentário Não nasci para deixar meus olhos perderem tempo – Uma fotografia do Brasil por Orlando Brito.
Sobre Orlando Brito, leia também:
O filme fez parte da Seleção Oficial do maior festival de documentário da América Latina, o É Tudo Verdade – It’s All True de 2020. É construído a partir das entrevistas feitas com Orlando Brito, das fotos que ele produziu, de imagens dele trabalhando no Congresso Nacional ou registrando o colorido e o místico no Vale do Amanhecer.
Repórter fotográfico desde 1966, Brito fotografou todos os presidentes da República desde Castelo Branco até hoje. Suas fotos retratam o regime militar, os bastidores da política, a solidão dos ocupantes do Palácio do Planalto. Edição do AI-5, assinatura da Lei da Anistia, renúncia do ex-presidente Collor, eleição do presidente Lula são fatos marcantes clicados pelo fotógrafo. Nas viagens a trabalho para a cobertura de fatos políticos, sempre aproveitou os momentos que seriam de descanso para registrar a vida, os costumes, as pessoas no interior do país, em povoados de nomes desconhecidos.
Autor de diversos livros, como O Perfil do Poder, Senhoras e Senhores, Poder – Glória e Solidão e Corpo e Alma, Brito recebeu o World Press Photo Prize concedido pelo Museu Van Gogh, em Amsterdam, na Holanda, em 1979. E conquistou onze vezes o Prêmio Abril de Fotografia - a partir de 1987, foi considerado hors-concours da premiação. Também mereceu os Prêmios de Aquisição da I Bienal de Fotografia do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e da Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba. Participou de mais de quarenta exibições coletivas no Brasil e no exterior. Suas fotografias estão em acervos de colecionadores institucionais e privados.
Gravações tiveram lugar em diferentes sets, um deles foi no Vale do Amanhecer. A equipe trabalhou, toda ela, de forma voluntária, contaminada pela grandeza da trajetória de Orlando Brito |
O documentário foi feito de forma independente. Todos os
envolvidos no processo dedicaram-se ao filme gratuitamente, por paixão.
Ficha
técnica:
- Fotografia e Direção – Claudio Moraes
- Roteiro e Entrevistas: Rita Nardelli
- Montagem: Douro Moura
- Produção Executiva: Claudio Moraes, Jimi Figueiredo e Ricardo Movits
- Som Direto: Fernando Cavalcante
- Finalização e DCP: Thiago Moysés
- Assistente de Finalização: Radha Nicihoka
- Fotografia Adicional: Elder Miranda e Alan Silva
- Trilha Sonora Original: Assis Medeiros e Ricardo Movits
- Gerência do Arquivo de Fotos de Orlando Brito: Rodrigo Botelho
- Audiodescrição: Guilherme Bitencourt e Milena Maiave
- Apoio: Vale do Amanhecer, Omeleteria Brasil, Mary Oliver e Ricardo Nunes Román
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