Por
Chico Sant'Anna
O jurista Dalmo de Abreu Dallari, professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e ilustre referência para o ensino e exercício do Direito no Brasil, publicou no Observatório da Imprensa um artigo bastante preocupante e ameaçador para aqueles que defendem a transparência das ações das instituições públicas do Brasil.
Com o título de “Publicidade, vedetismo e deslumbramento”, ele condena as transmissões ao vivo, pela TV Justiça, das sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal. No artigo, Dalari apoia o projeto-de-lei nº 7.004, proposto no ano passado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP). O petista vai mais além do que a posição de Dalari. Ele quer vedar as transmissões ao vivo dos julgamentos do STF, bem como as transmissões de sessões gravadas daquelacorte e dos demais tribunais superiores. O deputado não permite nem gravações editadas,
Se a posição deles já estivessem em vigência, a sociedade brasileira não poderia ter assistido e acompanhando os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal referentes ao julgamento da constitucionalidade da lei da Ficha Limpa, da autorização de pesquisas em células tronco e muito menos o julgamento do Mensalão.
Na prática, tanto o juristas quanto o parlamentar petista defendem uma espécie de lei da mordaça aos tribunais superiores e algo que poderíamos chamar de lei do tampão nos ouvidos e de venda nos olhos para a sociedade.
A postura dos dois, condena uma ferramenta de construção de cidadania que proporciona maior aproximação entre o cidadão e os poderes constituídos, ao assegurar transparência nas ações dos magistrados. Em tempos de rede social, o que o jurista defende é uma espécie de segredo de justiça a todas as ações do Poder Judiciário. A Justiça no Brasil sempre foi uma instância fechada, hermética, sem janelas ao cidadão. A implantação da TV Justiça, assim como foi a criação das TVs Senado e Câmara, foi um esforço de consolidação do processo democrático.
Na França, onde não existe TV Justiça, instituições corporativas ligadas ao mundo da Justiça e do Direito tentaram coibir, em 2005, a transmissão de uma CPI que investigava irregularidades no mundo judicial. Rotulavam as transmissões da CPI de “licnhamento midiático”.
Como pesquisador acadêmico, tive a oportunidade de escrever, sobre este caso,o artigo Visibilidade e espetacularização nos canais parlamentares Um olhar sobre as transmissões de CPIs no Brasil e na França.
Se a censura às transmissões ao vivo se concretizar, como defendem Dalmo Dalari e Vicente Cândido, o Brasil estará vivenciando um grande retrocesso democrático e derepercussões inimagináveis.
Iniciativa desta grandeza pode levar o Legislativo a fazer o mesmo, deixando de transmitir votações deprojetos-de-lei, sessões de CPI e até mesmo de Conselhos de Ética das duas casas do Congresso e das diversas Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais que possuem mídias legislativas, neste páis.
Estaráimaos, assim, retornando a uma realidade sombria de distanciamento entre a sociedade e os poderes constituídos, situação que o Brasil de hoje, que vai as ruas lutar pelos seus direitos, não aceitaria.
Leia abaixo o artigo do jurista Dalmo Dalari.
Por
Chico Sant'Anna
O jurista Dalmo de Abreu Dallari, professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e ilustre referência para o ensino e exercício do Direito no Brasil, publicou no Observatório da Imprensa um artigo bastante preocupante e ameaçador para aqueles que defendem a transparência das ações das instituições públicas do Brasil.
Com o título de “Publicidade, vedetismo e deslumbramento”, ele condena as transmissões ao vivo, pela TV Justiça, das sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal. No artigo, Dalari apoia o projeto-de-lei nº 7.004, proposto no ano passado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP). O petista vai mais além do que a posição de Dalari. Ele quer vedar as transmissões ao vivo dos julgamentos do STF, bem como as transmissões de sessões gravadas daquelacorte e dos demais tribunais superiores. O deputado não permite nem gravações editadas,
Se a posição deles já estivessem em vigência, a sociedade brasileira não poderia ter assistido e acompanhando os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal referentes ao julgamento da constitucionalidade da lei da Ficha Limpa, da autorização de pesquisas em células tronco e muito menos o julgamento do Mensalão.
Na prática, tanto o juristas quanto o parlamentar petista defendem uma espécie de lei da mordaça aos tribunais superiores e algo que poderíamos chamar de lei do tampão nos ouvidos e de venda nos olhos para a sociedade.
A postura dos dois, condena uma ferramenta de construção de cidadania que proporciona maior aproximação entre o cidadão e os poderes constituídos, ao assegurar transparência nas ações dos magistrados. Em tempos de rede social, o que o jurista defende é uma espécie de segredo de justiça a todas as ações do Poder Judiciário. A Justiça no Brasil sempre foi uma instância fechada, hermética, sem janelas ao cidadão. A implantação da TV Justiça, assim como foi a criação das TVs Senado e Câmara, foi um esforço de consolidação do processo democrático.
Na França, onde não existe TV Justiça, instituições corporativas ligadas ao mundo da Justiça e do Direito tentaram coibir, em 2005, a transmissão de uma CPI que investigava irregularidades no mundo judicial. Rotulavam as transmissões da CPI de “licnhamento midiático”.
Como pesquisador acadêmico, tive a oportunidade de escrever, sobre este caso,o artigo Visibilidade e espetacularização nos canais parlamentares Um olhar sobre as transmissões de CPIs no Brasil e na França.
Se a censura às transmissões ao vivo se concretizar, como defendem Dalmo Dalari e Vicente Cândido, o Brasil estará vivenciando um grande retrocesso democrático e derepercussões inimagináveis.
Iniciativa desta grandeza pode levar o Legislativo a fazer o mesmo, deixando de transmitir votações deprojetos-de-lei, sessões de CPI e até mesmo de Conselhos de Ética das duas casas do Congresso e das diversas Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais que possuem mídias legislativas, neste páis.
Estaráimaos, assim, retornando a uma realidade sombria de distanciamento entre a sociedade e os poderes constituídos, situação que o Brasil de hoje, que vai as ruas lutar pelos seus direitos, não aceitaria.
Leia abaixo o artigo do jurista Dalmo Dalari.
STF NA TV
Publicidade, vedetismo e deslumbramento
Por Dalmo de Abreu Dallari, publicado originalmente, em 21/01/2013 na edição 782, do Observatório da Imprensa
A experiência que já se tem da transmissão ao vivo – ou, segundo
a gíria dos meios de comunicação, da transmissão em tempo real – das sessões do
Supremo Tribunal Federal deixa mais do que evidente que essa prática deve ser
imediatamente eliminada, em benefício da prestação jurisdicional equilibrada,
racional, sóbria, inspirada nos princípios jurídicos fundamentais e na busca da
Justiça, sem a interferência nefasta de atrativos e desvios emocionais, ou de
pressões de qualquer espécie, fatores que prejudicam ou anulam a independência,
a serenidade e a imparcialidade do julgador.
A par disso, a suspensão da transmissão
direta das sessões contribuirá para a preservação da autoridade do Supremo
Tribunal Federal, livrando-o da louvação primária aos rompantes e destemperos
emocionais e verbais de alguns ministros. A recreação proporcionada pela
transmissão ao vivo das sessões do Supremo Tribunal equipara o acompanhamento
das ações da Corte Suprema às manifestações de entusiasmo ou desagrado
características das reações do grande público às exibições dos programas de
televisão que buscam o envolvimento emocional dos telespectadores e a captação
de consumidores para determinados produtos, recorrendo ao pitoresco ou à
promoção de competições entre pessoas ou segmentos sociais sem maior preparo
intelectual para a avaliação racional e crítica de disputas de qualquer
natureza.
Como tem sido observado por estudiosos e
conhecedores do Judiciário, o Brasil é o único país do mundo em que as sessões
do Tribunal Superior são transmitidas ao vivo, proporcionando recreação aos que
as assistem, pessoas que, na quase totalidade, não têm conhecimentos jurídicos
e são incapazes de compreender e avaliar os argumentos dos julgadores e o real
sentido das divergências que muitas vezes se manifestam durante o julgamento e
que, em inúmeros casos, já descambaram para ofensas grosseiras e trocas de
acusações absolutamente desrespeitosas entre os ministros do Supremo Tribunal
Federal.
Diálogo áspero
A prática dessas transmissões teve
início com a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 10.461, de 17 de maio
de 2002, que introduziu um dispositivo na Lei n° 8.977, de 6 de janeiro de
1995, que dispõe sobre o serviço da TV a cabo. Foi, então, acrescentada uma
inovação, que passou a ser o inciso “h” do artigo 23, estabelecendo que haverá
“um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para divulgação dos atos do
Poder Judiciário e dos Serviços essenciais à Justiça”.
A utilização desse veículo de comunicação
ganhou enorme ênfase, com absoluto desvirtuamento da idéia de serviço, quando
assumiu a presidência do Supremo Tribunal o ministro Gilmar Mendes, que dirigiu
a Suprema Corte de 2008 a 2010. Basta assinalar que no orçamento do STF para o
ano de 2010 foram destinados 59 milhões de reais a “Comunicações Sociais”,
quantia essa equivalente a 11% do orçamento total da Suprema Corte. Essa
dotação superou em quase cinco vezes o orçamento anual do Tribunal Superior
Eleitoral – e isso num ano eleitoral no Brasil, em que houve eleições de âmbito
nacional.
Tem início, então, uma fase
verdadeiramente degradante para a imagem da mais alta Corte do país, com o mais
deslavado exibicionismo de alguns ministros e a transmissão, ao vivo de trocas
de ofensas e de acusações grosseiras entre membros do Supremo Tribunal. Assim,
em abril de 2010 ocorreu um diálogo extremamente áspero entre os ministros
Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. No debate transmitido para todo o Brasil, este
acusou Gilmar Mendes de ser um deslumbrado, um praticante do vedetismo,
dizendo, textualmente: “Vossa Excelência está diariamente na mídia, dirigindo
palavras ofensivas aos demais ministros e destruindo a credibilidade do
Judiciário brasileiro”.
Dois anos depois, coube ao ministro
Joaquim Barbosa presidir o Supremo Tribunal Federal e o que se tem observado,
desde então, é que o vedetismo e o deslumbramento pelo prestígio entre os
telespectadores, descaminhos que antes ele condenara, continuaram a marcar o
desempenho do ocupante da direção da Suprema Corte e a ser a tônica na
utilização do canal de televisão reservado ao Supremo Tribunal.
Linguagem elevada
Por tudo isso é merecedor do mais
veemente apoio o Projeto de Lei nº 7.004, de 2013, proposto pelo deputado
Vicente Cândido (PT-SP). De acordo com esse projeto, o referido inciso “h” do
artigo 23 da Lei nº 8.977 passará a ter a seguinte redação: “Um canal reservado
ao Supremo Tribunal Federal para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e
dos seus trabalhos, sem transmissão ao vivo e sem edição de imagens sonoras das
suas sessões e dos demais Tribunais Superiores”.
O projeto poderia ser mais veemente,
dispondo textualmente: “Vedada a transmissão ao vivo”, mas esse é um pormenor.
O que é de fundamental importância é a eliminação das degradantes e desmoralizadoras
transmissões ao vivo das sessões do Supremo Tribunal Federal, restaurando-se na
mais alta Corte brasileira uma atitude de sobriedade, de respeito recíproco
entre seus integrantes, sem os desníveis estimulados pelo exibicionismo. E isso
não trará o mínimo prejuízo para a prática da publicidade inerente ao Estado
Democrático de Direito, que deverá ser ética, em linguagem elevada e
respeitosa, transmitindo o essencial das decisões e dos argumentos dos
ministros, inclusive das divergências, a fim de que prevaleçam os interesses da
Justiça.
***
Dalmo de Abreu Dallari é jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
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