Durante a mesa redonda “Crise e oportunidades”, realizada nesta sexta-feira em Salvador, Joaquim Palhares, diretor da Carta Maior, destacou a necessidade de se incluir o tema democratização das comunicações nos diagnósticos sobre a crise. As grandes corporações sempre defenderam o modelo que ruiu a partir de 2008. Segundo ele, “A propaganda foi fraudulenta. Quando veio o vendaval, nenhum desses meios veio a público assumir sua responsabilidade”.
Em 2004, durante o Encontro Internacional pela Paz e Contra à Guerra, realizado em Porto Alegre, o jornalista francês Bernard Cassen fez uma advertência sobre o atraso do movimento altermundista no que diz respeito à crítica dos meios de comunicação. Cassen fez a seguinte pergunta para provocar o debate: Por que a crítica ao sistema midiático teve um atraso em relação à crítica da globalização neoliberal? Os proprietários dos grandes sistemas midiáticos são empresários transnacionais que, na imensa maioria dos casos, têm negócios diversificados em outros setores para além da mídia. Ou seja, eles estão conectados ao mercado global e são atores centrais do processo de globalização. Enquanto tal, acrescentou o jornalista, esse sistema é um vetor ideológico estratégico da globalização do capital.
Qual o corolário desse diagnóstico do ponto de vista da luta política de quem quer mudar esse modelo? A resposta é: se a crítica à globalização é pra valer, a crítica à atuação da mídia também precisa ser a valer e deve levar em conta a perspectiva do poder político e econômico (que é a perspectiva das grandes empresas de comunicação).
Dito de outro modo, os grandes grupos midiáticos integram e sustentam o grande poder econômico, são braços operativos do grande capital e seu comportamento editorial está subordinado a isso. Neste sentido, não cabe falar em uma democratização da mídia, mais do que caberia falar da democratização da indústria automobilística ou da indústria petrolífera. Essa comparação, por outro lado, nos ajuda a entender o tamanho da dificuldade que enfrentamos.
Mídia defendeu Estado mínimo
O comportamento dessas empresas de comunicação no processo de colapso do sistema financeiro internacional, em 2008, é exemplar para ilustrar o que estamos falando aqui. Durante pelo menos duas décadas, os veículos dessas empresas repetiram à exaustão a mesma ladainha de exaltação do Estado mínimo, do livre mercado, das privatizações, da desregulamentação dos mercados, da necessidade de flexibilizar as relações trabalhistas e a legislação ambiental. Quando esse modelo afundou, saíram todos correndo bater às portas daquele que era, até então, o grande vilão: o Estado. Os lucros milionários destas décadas foram apropriados por alguns poucos afortunados. Já os prejuízos foram socializados com o conjunto da população. E a mídia fez de conta que não havia dito o que disse durante décadas.
Neste processo os meios de comunicação, com seus altíssimos níveis de audiência, trataram de estruturar diariamente uma determinada realidade dos fatos, gerando sentidos e interpretações e definindo as “verdades” sobre atores sociais, econômicos e políticos. Segundo essa realidade e essas verdades, o Estado deveria parar de atrapalhar os mercados para que a prosperidade econômica pudesse chegar a todos. Nunca chegou, como se sabe. Nunca chegará neste modelo excludente e concentrador de renda. A propaganda foi fraudulenta. Mentiras e discursos puramente ideológicos foram repetidos dia e noite, difundindo distorções e preconceitos. Quando veio o vendaval, nenhum desses meios veio a público assumir sua parcela de responsabilidade.
Barbárie diária
Os mais audaciosos chegaram a criticar o Estado por ter fracassado em fazer o que deveria: fiscalizar os mercados. É claro que se o Estado tentasse fazer isso, imediatamente soariam os editoriais cidadãos denunciando o autoritarismo iminente e a ameaça à liberdade individual. E agora já vemos em ritmo crescente uma espantosa campanha midiática que utiliza alguns sinais isolados para dizer que o pior da crise econômica mundial já passou. O renascimento das bolhas financeiras nas bolsas de valores é apresentado como o sintoma de uma melhoria geral.
Na verdade, os socorros (públicos) globais de 2008-2009 desaceleraram a queda econômica, mas geraram enormes déficits fiscais em diversos países (EUA, entre eles), trazendo graves ameaças inflacionárias. Ou seja, há preocupações de sobra no horizonte.
No entanto, prossegue a prática de uma autêntica barbárie política diária, de desinformação e gestação permanente de mensagens formadoras de uma consciência coletiva reacionária, conservadora e desinformada. Uma consciência que procura alimentar uma opinião pública de perfil anti-político, que desacredita a existência de um Estado democraticamente interventor na luta de interesses sociais, que apresenta os políticos como seres que oscilam do ridículo ao monstruoso. Qualquer menção a um debate sobre a atuação desses agentes midiáticos é imediata e violentamente rechaçada como vimos acontecer mais uma vez agora em dezembro, no Brasil, por ocasião da Conferência Nacional de Comunicação. Essa reação mostra claramente um desprezo fundamental pelo debate público e pela efetiva liberdade de informação. É contra isso que estamos lutando e esse é o adversário que enfrentamos.
*Universidade Estadual Paulista - UNESP/Bauru
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC
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