Por Chico Sant’Anna*
Nos ensinam os bons manuais de Jornalismo, que notícia boa é
aquela que traz um fato inusitado, de grande interesse na sociedade e que chega
rápido aos cidadãos consumidores de informação – preferencialmente em tempo
real. Também é sabido que o que potencializa os meios de comunicação é a
amplitude da audiência. Quanto maior, melhor, pois isso gera prestigio e
retorno publicitário. Entretanto, a maioria dos canais de televisão aberta do país
ignorou o que acontecia na tarde de 8 de janeiro de 2023, quando uma turba de
terrorista decidiu ocupar e depredar as sedes dos Três Poderes na Capital da
República.
Jornais, revistas, agências de notícias nacionais e estrangeiras, portais informativos, prontamente enviaram seus profissionais para o front da notícia. Vários deles, em especial foto e cine jornalistas, foram alvo de agressões físicas perpetradas pelos terroristas. Os canais all news, como a Globo News, BandNews e CNN Brasil, suspenderam suas programações rotineiras de domingo e passaram a transmitir em tempo real, com reportagens e análises, o que ocorria na Capital Federal.
Este não foi, contudo, o comportamento dos canais abertos, que por serem gratuitos, possuem uma audiência muito maior. Deixar de noticiar em tempo real sobre esse delicado tema é uma ação de desinformação. Milhões de brasileiros que não possuiam tv paga ficaram sem saber o que se passava em Brasília.
Portanto, levar a informação sobre aquele
fato inusitado, de interesse de todos os cidadãos brasileiros, mais do que
cumprir com a missão social do Jornalismo, era fazer jus às concessões que tais
grupos econômicos receberam da sociedade.
Importantes emissoras privadas de canal aberto ignoraram em suas programações o ato terrorista que se desenrolava na Praça dos 3 Poderes. |
Canais abertos
Às 17 horas, quando o quebra-quebra terrorista já se
desenrolava há pelo menos umas duas horas. As redes sociais estavam plenas de
vídeos de autoria dos próprios terroristas e também das forças de segurança.
Esse material foi usado por alguns meios de comunicação como forma de superar a
impossibilidade de ter equipes no palco dos acontecimentos. Na telinha, a TV
Bandeirantes exibia Mastechef, no SBT,
o programa no ar era o da Eliana; e a Record difundia Hora do Faro. Mesmo a TV Globo, em seu canal aberto, demorou a
priorizar esse conteúdo. Somente às 17h19 a emissora deixou de veicular o
Domingão do Luciano Huck e decidiu transmitir simultaneamente o conteúdo de sua
coirmã Globo News. Buscamos saber os motivos de tal comportamento editorial com
os responsáveis sobre o comando dos departamentos de Jornalismo de cada uma
dessas emissoras. Indagamos se foi uma opção editorial, compromissos
publicitários ou dificuldades técnico-operacionais, mas reinou o silêncio como
resposta.
Emissoras do Senado e da Justiça não alteraram suas programações de fim de semana. TV Brasil manteve a programação, mas inseriu boletins informativos. |
Canais públicos
As três casas de Poder invadida por terroristas são detentoras
de canais próprios de rádio e TV: TV Brasil, TVs Senado e Câmara, TV Justiça.
Não tivemos a oportunidade de avaliar a programação da TV Câmara, mas no Senado
e na Justiça é como se nada estivesse acontecendo lá fora. Numa Irônica
coincidência, a TV Senado exibia o programa Que
Brasil é esse? Na tela, não era nenhuma reportagem ou análise dos fatos que
se desenrolavam. No lugar de comentários dos parlamentares, ação que poderia
ser enviada por celulares, era exibida uma entrevista com Fafá de Belém. A
ironia involuntária também se fez presente na programação da TV Justiça: estava
no ar uma entrevista com o Procurador Geral da República, Augusto Aras, no
programa "Interesse Público".
Apenas a TV Brasil, canal público da Empresa Brasileira de Comunicação
– EBC, alterou o conteúdo pré-programado para o fim de semana. As alterações se
deram por meio da inserção de flashes (boletins informativos). Não houve uma
interrupção total, como o ocorrido na TV Globo. Entre 16 e 18 horas, a TV
Brasil veiculava o filme Insônia. Mais
uma ironia do destino.
Os canais públicos foram igualmente procurados. O
departamento de Jornalismo da TV Brasil informou que está elaborando um
relatório completo sobre a programação veiculada. Não explicou ainda a opção
editorial adotada. A secretaria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal não
retornou nossos questionamentos sobre o comportamento editorial da TV Justiça.
Já a diretora da secretaria de Comunicação do Senado, Érica Ceolin, informou
que chegou a mobilizar equipes de jornalistas para cobrirem em tempo real o que
ocorria no Senado Federal, mas que ao chegarem na sede do Senado, a polícia
legislativa da Casa, por questões de segurança, não autorizou que os
profissionais entrassem para pegar os equipamentos. Até mesmo o supervisor
técnico de plantão teve que se retirar. O Senado possui um amplo sistema de
câmeras, algumas robôs, instaladas nas salas de Comissões, e outras de
segurança, internas e externas – inclusive uma no topo do Anexo 1 – que
poderiam ser operadas à distância e ter suas imagens transmitidas. Entretanto,
segundo Erica Ceolin, não foi possível, sequer adentrar as instalações da
emissora que fica no subsolo do Anexo 2 e a opção foi informar a sociedade pelo
site da Agência Senado de Notícias.
Questionamentos
Os canais de televisão são concessões públicas. O
concessionário privado tem a obrigação de bem informar a sociedade. A não
transmissão em tempo real dos acontecimentos terroristas na Esplanada dos
Ministérios, obriga-nos ao questionamento semelhante ao que é feito sobre a
ação das forças de segurança do governo do Distrito Federal. Houve
incompetência ou foi conivência? Por que as emissoras detentoras de tecnologia
de ponta, helicópteros, drones, antenas de micro-ondas, câmeras instaladas em
motos, ignoraram o ocorrido, talvez o fato mais importante do país desde a
redemocratização? A pandemia da Covid mostrou que até mesmo com celulares é
possível prover uma cobertura dos fatos.
Para a coordenadora do sindicato dos Jornalistas
Profissionais do DF, Juliana Nunes, os episódios desse domingo evidenciaram a
importância de se fortalecer a comunicação pública e governamental, bem como
legislativa e judiciária. “Tudo para que a população seja devidamente informada
e o patrimônio público, protegido. A sociedade brasileira precisa ter a correta
dimensão dos crimes cometidos neste domingo” – complementa.
A história nos mostra que em vários momentos politicamente importantes do Brasil, as emissoras de televisão em transmissão aberta pecaram. Maior exemplo foi a campanha das Diretas Já e a reedição dos debates presidenciais entre Collor de Melo e Luís Inácio Lula da Silva. Algumas emissoras fizeram o mea culpa. Esperamos que o comportamento editorial adotado por diversos canais no fim de semana de 8 de janeiro não seja uma retomada do mau jornalismo.
*Jornalista, documentarista, Doutor em
Ciências da Informação e Comunicação, pela Universidade de Rennes 1, na França.
Pesquisador associado ao Núcleo de Mídia e Política – Nemp, da Universidade de
Brasília.
Um comentário:
As seguranças do Legislativo é mto bem treinada e aparelhada precisam dá explicações da sua não atuação. É sabido que se tornaram um quadro de bolsonaristas.
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