Por Rafael Lapuente. Texto publicado
originalmente no blog O fato e a História.
Memória
gaúcha entre goteiras e farelos:
o
acervo do museu Hipólito da Costa pede socorro
O descaso do setor público com a
preservação da memória não é novidade no Brasil nem nos demais estados que
compõe a federação. Deste descaso, não escapa nem o Rio Grande do Sul, onde é
muito comum gaúchos propalarem aos quatro ventos o orgulho por sua história,
por seu passado e por sua cultura. O leitor mais atento a atuação dos grandes
meios de comunicação e as ações promovidas pelo Governo do Estado, certamente,
poderia me desmentir ao argumentar as comemorações que, anualmente, tomam o
estado para relembrar a guerra republicana de 1835, onde os membros do
tradicionalismo gaúcho explanam seu culto ao que chama de valores e tradições
do estado, ou outras ações nem sempre encabeçadas pelo governo estadual, como a
anual Feira do Livro de Porto Alegre promovida pela prefeitura municipal.
Todavia, se fizermos uma análise mais
profunda – que desconsidere a criação de novos memoriais como o dopinha e o de
Luiz Carlos Prestes, onde não sabemos como o estado atuará no longo prazo em
sua manutenção - é calamitosa a situação dos patrimônios já existentes que
deveriam preservar a memória gaúcha. Além de estarmos com a centenária
Biblioteca Pública estadual em reforma desde 2006 e sem previsão para
conclusão, com todo seu acervo deslocado em um atendimento improvisado na Casa
de Cultura Mário Quintana, o funcionamento arcaico e limitado do Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul sem nenhuma perspectiva de informatização dos
catálogos e com incapacidade para receber mais do que quatro pesquisadores por
turno, a venda do centenário Castelo de Pedras Altas com uma riquíssima
biblioteca e documentos pessoais importantes para conhecer a história econômica
e política regional, oferecido ao governo do estado e procrastinada uma posição
de compra e conservação dos materiais presentes no castelo, também o maior
acervo de jornais do Rio Grande do Sul, que possui periódicos de desde o início
do século XIX está em situação periclitante.
Goteiras
atingem o acervo
O Museu de Comunicação Social Hipólito
José da Costa, localizado bem no centro da cidade e antiga sede do jornal
republicano A Federação, vem passando por severas dificuldades em manter a
integridade do seu acervo e o funcionamento do setor, que atende pesquisadores
pertencentes desde o ensino médio ao doutorado, abarcando diversas áreas, como
direito, jornalismo, história, publicidade e propaganda, sociologia, marketing,
ciência política e muitos outros cursos.
A imensidão da tarefa de manter o acervo hoje é atendida com apenas um funcionário, encarregado de tomar conta da organização dos periódicos no arquivo e do atendimento ao público externo, sendo provavelmente o setor que mais recebe visitas no museu – vale lembrar que o museu tem outros setores importantíssimos, como de fotografia, cinema, rádio, exposições temporárias e permanentes e atendimento a comunidade em geral, recebendo atividades artísticas e culturais diversas durante todos os dias da semana.
Cupins
em cima de jornais, como este exemplar de 1989 do Pioneiro.
Além disso, a falta de estrutura é
particularmente a pior que este pesquisador já viu. Com umidade e nenhum
controle termostato, o prédio sofre fortes infiltrações nas paredes, que
acelera o processo de decomposição dos jornais. Não obstante, os pesquisadores
que frequentam o museu não recebem a estrutura adequada para realizar suas
atividades científicas: Hoje o Museu não dispõe de luvas descartáveis, máscaras
ou álcool em gel para os profissionais que acessam jornais com ácaros e fungos,
muitos deles com mais de 70, 80, 100 anos desde sua circulação.
Infiltrações tomam as paredes que abrigam os periódicos.
A situação estrutural do museu é tão preocupante que centenas de jornais estão expostos na sala de pesquisa, secando de goteiras advindas de um forte temporal que assolou Porto Alegre e atingiu periódicos como o Pasquim, Correio do Povo, Folha da Tarde, Diário de Notícias, A Ordem, O Pioneiro, Zero Hora, A Federação e outros jornais, sendo que muitos dos jornais atendidos, provavelmente, sejam os últimos exemplares disponíveis para a pesquisa, como possivelmente ocorreria se fossem destruídos os exemplares do periódico O Povo, jornal Farrapo raríssimo que compõe o estoque do Museu.
Sua extinção, assim como de outros jornais que tiveram duração extensa ou efêmera significaria a inacessibilidade para pesquisas futuras.
Jornais secando da chuva. Jornais esfarelados e tomados pela umidade.
Afora estes problemas, os jornais manuseados sofrem danificações naturais dos usos constantes. Muitos jornais estão se esfacelando sem nenhum projeto de restauro. Outros, esfarelados a ponto de serem retirados da disponibilidade dos pesquisadores, se encontram em separado para uma futura e imprevista restauração.
O Museu Hipólito ainda conta com alguns jornais microfilmados, porém, a máquina de microfilme se encontra com defeito.
Jornais esfarelados pelo excesso de uso, mas ainda em acesso. Sem previsão de restauro.
A realidade que passa o Museu de Comunicação é bastante preocupante. O desleixo do executivo estadual com a manutenção dos jornais – que não são apenas do Rio Grande do Sul.
Há jornais do centro do país e de diversos países nas mais variadas épocas – é enorme, o que demonstra também que o pouco interesse pela preservação da memória pelas instituições do estado. Até mesmo uma ação do Ministério Público que percorre contra o governo gaúcho se perlonga desde 2008.
Neste ponto, não há dúvidas que o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa pede socorro.
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