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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Croniqueta - O raio que produz jornalista - parte 1


Por Tão Gomes Pinto 

Ninguém nasce jornalista. Acho que ninguém merece. E também não se fabricam jornalistas. Faculdades são uteis no geral. No particular, atrapalham. A teoria do lide invertido, por exemplo. Prefiro a do lide divertido. Eu acho que um raio cai e alguém diz. Este infeliz vai ser jornalista. No meu caso, o raio caiu na esquina das ruas 7 de abril e Marconi, numa tarde de setembro de algum século que já passou há décadas.


Estava pronto para realizar um ideal da adolescência: ser juiz. E já definira: juiz do trabalho. Objetivo: lutar contra as injustiças que - eu não sofria, mas percebia, os patrões praticavam. Mas precisava de um emprego.  O João Zicardi Navajas, então meu colega no Largo de São Francisco - hoje embaixador aposentado, eu espero, me falou de uma vaga na seção de esportes da Ultima Hora. Ficava ali, nos baixios, (palavra em desuso) do Viaduto Santa Efigênia.

Era um teste. Dois candidatos iriam disputar, durante 15 dias, uma única vaga. O Navajas, grande malandro, indicara os dois. Eu teria de enfrentar ninguém menos do que um certo Vital Bataglia para uma vaga de repórter de esporte. Era um combate desleal.
  
Roberto Bataglia, primo do Vital, jogava bola na ponta-direita titular do Corinthians. O Vital propriamente dito era atacante num time de várzea no Butantã. 

Minhas credenciais para o cargo? Bem, já descobrira - e na época isso era uma proeza notável, um poeta português de quem ninguém por aqui sabia muita coisa. Um tal de Fernando Pessoa. Outra credencial: lera e relera Guerra e Paz, do Tolstoi e decidira, num ímpeto quase juvenil, que não seria necessário ler mais nada.  

Continuo achando Guerra e Paz, o romance. Se quiser, pode ler outro,mas não precisa. Imaginem a precariedade das minhas credenciais - ah sim, era São Paulo F.C., claro e até, quando rapazinho assistira uma partida do grande Diamante Negro. 

Com uma bola nos pés, no entanto, eu era, com muita boa vontade, um desastre.

Primeira missão, entregue ao foca em teste: localizar o Almir, o Pernambuquinho, aquele que tinha um temperamento, digamos, forte (morreu baleado numa briga na célebre Galeria Alaska, no Rio). 

Motivo: Almir estava jogando no Boca Juniors, mas alguém na redação já sabia que ele viria para o Santos F.C. 

Interrompo para um recado àqueles que insistem na trágica profissão. Quando alguém da chefia disser a vocês que está para acontecer alguma coisa, acreditem. 

Timidamente indaguei se alguém teria por acaso o endereço do Almir. Meu chefe, Celso Eduardo Brandão - do primeiro chefe a gente nunca esquece, passou-me um endereço num pedacinho de papel. Ele está aqui, e voltou-se para a árdua missão de fechar mais uma UH-São Paulo. 

Li. Rua Martins Fontes, número tal. Claro, a empresa não iria me dar um de seus jipes chacoalhantes para eu ir atrás do Almir. Sai pela tarde ensolarada apoiado na solidariedade do meu Vulcabrás.  

E como eu andei naquela tarde graças ao bom e velho Vulca. Na Martins Fontes descobri que morava uma senhora muito gentil.  

O apartamento era de fato do Almir, mas ela sequer o conhecia. Pagava os aluguéis para o advogado dele, um certo dr. Nelson Bocatte. Escritório do doutor Nelson? Não sei. Eu só sei que ele trabalha na Caixa. 

Lá vou eu e meu Vulcabrás da Martins Fontes em direção à Praça da Sé. 
Chego e subo ao Jurídico da Caixa. Por favor, o dr. Nelson Bocatte?
Ele não está? Mas vem? Costuma vir, mas não é certo. Posso esperar? Claro.
O tempo que passei esperando não se mede em horas, minutos ou segundos. Eu estava ali, plantado, pronto para receber a maldição do raio. Eis que, do nada, de repente surge o dr. Bocatte. 

Também muito gentil, me diz que o Almir estava realmente em negociações com um clube brasileiro (não falou no Santos F.C), mas continuava em Buenos Aires. Qualquer novidade eu te ligo, combinado?
Dei o telefone de casa. O do jornal eu não sabia.  

Combinado? Claro. Sabe quando ele me ligaria: NUNCA... 

Saímos eu e meu valente Vulcabrás, desolados. Ele, o Vulcabrás, ainda tinha ânimo para chutar umas tampinhas de cerveja. Eu já imaginava a vergonha. Voltar, enfrentar o Celso Brandão e dizer...Dizer o que... 

Foi aí que tomei a decisão mais correta da minha vida. Não iria voltar coisa nenhuma, não iria passar pelo vexame de ter de justificar o fracasso. 

Jornalismo era mesmo uma idiotice, bom é continuar na Faculdade, fazer o exame - aliás marcado para o dia seguinte, para Auxiliar da Justiça do Trabalho. E chegar um dia a ser desembargador aposentado, uma vida sem tensões e pretensões. 

Enquanto o Vulcabrás seguia chutando as tampinhas de cerveja, eu mastigava essa decisão. Irreversível. Atravessei a Rua Direita, a Praça do Patriarca, peguei a Sete de Abril. Andava sem rumo, sem objetivo. Apenas andava por andar andei, como diz a música. Parei para um cafezinho no balcão do bar na esquina da Sete de Abril com a Marconi. 

De repente, olho para o outro lado, e quem eu vejo, atravessando a rua
ali, em frente ao antigo prédio da Telefônica? O Almir, em pessoa, ao vivo e a cores. 

O maldito raio que transforma pessoas normais em jornalistas me perseguira durante todo o trajeto. O meu personagem estava ali. 
Separados por 20, 30 metros, no máximo. A maldição estava decidida a ir até o final. 

(segue na próxima croniqueta)

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