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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Croniqueta - O raio que produz jornalista - parte 2


Por Tão Gomes Pinto 
Dizia eu: estava no bar, tomando um cafezinho, levanto os olhos e quem vejo? O próprio Almir ao vivo e a cores, diante da Telefônica, na Sete de Abril. O Almir que, naquela altura do championship, deveria estar sendo procurado por todos os repórteres esportivos de São Paulo, Santos, e adjacências.


Leia aqui:

Croniqueta - O raio que produz jornalista - parte 1


Devo esclarecer que somos temperamentos opostos, ele e eu. 
Sou tímido de nascença. Tenho vergonha de tudo, especialmente de me meter na vida dos outros, que é basicamente o que faz um repórter. Num certo sentido, sou um anti-repórter. 
Detesto perguntar. Prefiro prestar atenção. 
O Almir era o contrário. Voluntarioso seria pouco para ele. 
Tempos depois, o Augusto Saraiva, diretor do Santo F.C., me contaria que naquela final contra o Milan, o Almir estava tão dopado que saiam faíscas da sua chuteira. 
Antes do jogo, ele insistia em subir pelas paredes ladrilhadas do vestiário do Maracanã. 
Noutra ocasião, jogando no Flamengo, numa final contra o Bangu, que dava um baile no pessoal do Mengão, um diretor perguntou ao Almir: Eles não vão dar a volta olímpica, não é? 
Faltavam poucos minutos para terminar o jogo, o Almir dá uma tesoura voadora num adversário e provoca um dos maiores sururus (termo técnico) da história do Maracanã. Claro. Não havia clima para voltas olímpicas. 
Eu, atingido pela maldição do raio, teria que abordar esse indivíduo ali, descendo a calçada da Rua Marconi, dizer a ele boa tarde, sou jornalista, e gostaria de... 
Almir parou, me olhou debaixo para cima (era baixinho, a fera) e perguntou: Gostaria do que? De saber se você vai para o Santos. Ele: olha cara, no momento estou indo no alfaiate. E dá o fora rápido antes que eu me irrite. E saiu em direção da Barão de Itapetininga. 
Se um gari passasse por ali naquela hora, e me varresse para o bueiro mais próximo, eu diria obrigado, gentileza sua. Me sentia um lixo. Tivera nas mãos um tesouro e deixara ele escapar. Estava ali na esquina, paralisado, quando o raio voltou.
Porra, esse cara tem que ser jornalista, já pus ele na relação. Esse imbecil, covarde, cagão não vai me escapar assim. 
Dito o que, eu respirei fundo, atravessei a Barão e fui, de prédio em prédio, indagando na portaria: tem alfaiate nesse prédio? Não. 
Tem. Qual o andar. Sétimo. Subia. Não era ali. Talvez no vizinho. Meu Vulcabrás espantado com a minha determinação.
Até que, no edifício da Galeria Guatapará, no quarto andar, abre a porta do elevador e eu vejo, faiscante como um luminoso de Las Vegas, o letreiro Lamback Alfaiate. Abro a porta e com quem eu topo?
Com o Mauro Ramos de Oliveira, meu ídolo no São Paulo, que por desleixo da diretoria fora negociado com o Santos. 
Pronto. O Almir estava, de novo, ao meu alcance. Eu sabia que, atrás daquela cortina, tirando as medidas para um terno novo, estaria o meu personagem... 
Mauro Ramos de Oliveira, com quem eu aprendera o que é ser elegante no campo ou fora dele (é simples, basta não fazer gestos inúteis). O homem que levantou a Taça do Mundo 1982 com um movimento que eu definiria como sublime, e que estava ali para , junto com o maldito raio, me
fazer um jornalista pelo resto da vida.

(final da parte 2 - amanhã, se calhar, conto a 3)

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