COMO A TV PODE SE TRANSFORMAR NA VANGUARDA DO ATRASO
“O Brasil não é um país sério”, disse um ex-presidente da França, há 50 anos. De lá para cá, o Brasil teve recaídas. Vivemos uma ditadura, durante 20 anos, símbolo do atraso de nossas instituições políticas.
Desse período negro na nossa história, desembarcarmos na democracia, com uma inflação de mais de 50% ao mês. Os jovens devem achar que estamos falando de alguma obra de ficção. Mas não. Já passamos por isso.
Felizmente, o país mudou nestes últimos 20 anos. Consolidou a democracia, se abriu para o exterior, controlou a inflação e estabilizou a moeda, milhões de jovens tiveram acesso à universidade, transformou a agricultura em agribusiness e começou a dar sinais de país grande, respeitado pelas potências internacionais. Embora tenhamos ainda cara de terceiro mundo, na maioria dos indicativos de desenvolvimento humano, esnobamos o Reino Unido ao emplacar a sexta economia global.
Pena. Porque na semana passada, como se não houvesse nada mais sério para tratar, o país interrompeu as férias de muita gente para discutir um dos temas mais simplórios e inúteis dos últimos tempos: as cenas levadas ao ar na madrugada de sábado, 14, no Big Brother, da Rede Globo, um dos programas mais pobres da televisão brasileira, se não o pior.
Lamentável Ministério Público, Polícia Civil, Secretaria de Políticas para Mulheres, peritos, especialistas e até alguns parlamentares gastarem tempo e energia com o episódio. Como se o esfrega-esfrega de um casal, embaixo do edredom, na casa construída pela Globo, fosse o maior problema do país.
Pouco se lixando para as milhares de pessoas desabrigadas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro; para agricultores gaúchos atordoados com os prejuízos causados pela seca; ou com os milhares de estudantes concentrados nos vestibulares pelo Brasil afora, televisão, rádios, redes sociais e blogs perdiam tempo com a absurda polêmica.
Houve ou não estupro na nau dos insensatos criada pela Globo para enjaular desocupados, em festas regadas a sexo e bebida, como forma de preencher a programação e faturar? Qual a importância disso para o Brasil que trabalha, estuda, produz, sofre e se diverte? Absolutamente nenhuma.
O canal de maior audiência, como a se justificar pelas travessuras de seus meninos, interrompe o Jornal Nacional para dar explicações. O ar compungido de William Bonner parece prestes a anunciar algo sério. Até porque o caso saiu da esfera do entretenimento e do voyeurismo para se tornar um caso de polícia. Especulou-se até ser uma grande armação da Globo, para aumentar o Ibope do programa. Pelo menos para isso, o imbróglio serviu.
Tudo que se diga sobre o episódio, que monopolizou canais de fofocas, blogs, Facebook, Twitter, e até mesmo os concorrentes, não tem a mínima importância para o país. Especialistas em comunicação deram entrevistas; advogados opinaram sobre o pseudocrime; políticos de plantão pregaram mais restrições à televisão. Entidades clamaram contra a discriminação racial. Todo brasileiro virou comentarista de reality show.
Até parece que não temos problemas sérios para discutir. Como gerar empregos para a massa de jovens que ingressa no mercado de trabalho; como aumentar o número de mestres e doutores ou qualificar mão-de-obra. Pelo menos 16 milhões de brasileiros precisam sair da linha de pobreza. A área de saúde pública continua muito doente e o MEC não aprendeu a fazer o exame do Enem até hoje. Nas grandes cidades, não há transporte decente para o trabalhador. Como nos darmos ao luxo de ficar vários dias discutindo a consumação de uma relação, numa noite de bebedeira?
A figura de Pedro Bial anunciando a expulsão do participante, por ter violado as regras da casa, foi patética. O jornalista, que anunciou a Queda do Muro de Berlim, nos bons tempos de repórter, se transformou numa caricatura. Só faltou a música do Plantão do Jornal Nacional. O interesse dessa notícia para o país não passa de zero ao quadrado.
Não estamos aqui falando de entretenimento. Até porque o lazer, que encontra na televisão um dos seus meios mais democráticos e mágicos, faz parte da nossa vida. O nível cada vez mais baixo do programa, tratado na TV Globo como coisa séria, afronta o Brasil que constrói o futuro. Faz apologia à bebedeira, quando o país vive uma epidemia de motoristas alcoolizados. Tenta transformar arroubos sexuais dos participantes, em agenda nacional.
A alcova, tantas vezes consagrada como um lugar especial e único na arte literária, não merecia ser vulgarizada embaixo do edredom do Big Brother. Lamentável. Foi uma semana em que a televisão brasileira afundou junto com o Costa Concordia.
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