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domingo, 11 de dezembro de 2011

Opinião: Mídia - com a prioridade da guerra, a função do jornalismo torna-se tabu

Por John Pilger, publicado anteriormente em Pátria Latina

Em 22 de Maio de 2007, a primeira página do Guardian anunciava um "Plano secreto do Irã para ofensiva de Verão a fim de expulsar os EUA do Iraque". O seu redator, Simon Tisdall, afirmava que o Irã tinha planos secretos para derrotar tropas americanas no Iraque, os quais incluíam "forjar laços com elementos do al-Qaida". O "confronto" próximo seria uma trama iraniana para influenciar uma votação no Congresso dos EUA. A matéria "exclusiva" de Tisdall era redigida inteiramente com base em briefings de anônimos responsáveis estado-unidenses e acenava com contos ridículos de "células assassinas" do Irã e "atos diários de guerra contra forças estado-unidenses e britânicas". Suas 1200 palavras incluíram apenas 20 para o categórico desmentido do Irã.

Aquilo era uma carga de lixo: era realmente um comunicado de imprensa do Pentágono apresentado como jornalismo, tal como a ficção que justificou a sangrenta invasão do Iraque em 2003. Dentre as fontes de Tisdall estavam "conselheiros seniores" do general David Petraeus, o comandante militar dos EUA que em 2006 descreveu sua estratégia de travar uma "guerra de percepções... conduzida continuamente através do noticiário da mídia".

A guerra da mídia contra o Irã começou em 1979 quando o protegido do ocidente, o tirano Mohammad Reza Shah Pahlavi, foi derrubado numa revolução popular islâmica. A "perda" do Irã, o qual sob o xá era encarado como o "quarto pilar" do controle ocidental do Médio Oriente, nunca foi esquecida em Washington e Londres.

No mês passado, a primeira página do Guardian apresentou mais uma notícia "exclusiva": "O Ministério da Defesa [britânico] prepara-se para tomar parte em ataques dos EUA contra o Irã". Também desta vez, os responsáveis citados eram anônimos. Desta vez o tema era a "ameaça" apresentada pela perspectiva de uma arma nuclear iraniana. A "prova" mais recente eram documentos requentados de 2004, obtidos de um laptop em pela inteligência dos EUA e passado à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Numerosas autoridades lançaram dúvidas sobre estas suspeitas falsificações, incluindo um antigo inspetor chefe de armas da AIEA. Um telegrama diplomático dos EUA divulgado pelo WikiLeaks descreve o chefe da AIEA, Yukiuya Amano, como "solidamente no lado americano" e "pronto para o horário nobre" [da TV].

O "exclusivo" do Guardian de 3 de Novembro e a velocidade com a qual a sua propaganda foi difundida através da mídia foram um recorde. Isto é chamado de "dominância da informação" pelos treinadores de mídia no estabelecimento de psyops (guerra psicológica) do Ministério da Defesa, em Chicksands, Bedforshire. Este estabelecimento partilha instalações com os instrutores dos métodos de interrogatório que levaram a um inquérito público acerca da tortura militar britânica no Iraque. Historicamente, a desinformação e a barbaridade da guerra colonial têm andado lado a lado.

Tendo apelado a um assalto criminoso ao Irã, o Guardian opinou que isto "naturalmente seria loucura". Uma cobertura das nádegas semelhante foi utilizada quando Tony Blair, outrora um herói "místico" em polidos círculos liberais, conspirou com George W. Bush e provocou um banho de sangue no Iraque. Com a Líbia tratada recentemente ("Funcionou", disse o Guardian ), o Irã parece que é o próximo.

O papel do jornalismo respeitável nos crimes de estado ocidentais – desde o Iraque ao Irã, ao Afeganistão e à Líbia – permanece tabu. Atualmente é obscurecido pelo teatro da mídia acerca do inquérito Leveson quanto a escutas telefônica, as quais Benedict Brogan do Daily Telegraph descreve como "um teste de tensão útil". Culpem Rupert Murdoch e os tablóides por tudo e os negócios podem continuam como habitualmente. Por perturbador que sejam os testemunhos de Lord Leveson, eles não se comparam ao sofrimento das incontáveis vítimas do jornalismo instigador da guerra.

O advogado Phil Shiner, que obrigou a um inquérito público acerca do comportamento criminoso de militares britânicos no Iraque, afirma que o jornalismo incorporado (embedded) proporcionou cobertura para a matança das “centenas de civis mortos pelas forças britânicas enquanto estavam sob a sua custódia, [muitas vezes sujeitando-os] às coisas mais extraordinárias e brutais, envolvendo atos sexuais... o jornalismo incorporado nunca poderá relatar tais notícias". Não é nada surpreendente que o Ministério da Defesa, num documento de 2000 páginas revelados pelo WikiLeaks, descreva os jornalistas de investigação – ou seja, jornalistas que fazem o seu trabalho – como uma "ameaça" maior do que o terrorismo.

Na semana em que o Guardian publicou a sua matéria "exclusiva" acerca do planejamento do Ministério da Defesa para um ataque ao Irã, o general sir David Richards, chefe militar britânico, prosseguia uma visita secreta a Israel, o qual é um genuíno fora da lei em armas nucleares e isento de insultos dos meios de comunicação. Richard é um general altamente político que, como Petraeus, tem trabalhado a mídia com considerável benefício. Nenhum jornalista na Grã-Bretanha revelou que ele foi a Israel discutir um ataque ao Irã.

Honrosas exceções à parte – tal como o trabalho tenaz de Ian Cobain e Richard Norton-Taylos, do Guardian – nossa sociedade cada vez mais militarizada é refletida em grande parte da nossa cultura da mídia. Dois dos mais importantes funcionários de Blair na sua desonesta aventura encharcada de sangue do Iraque, Alistair Campbell e Jonathn Powell, desfrutam um cômodo relacionamento com os meios de comunicação liberais, suas opiniões sobre assuntos dignos são procuradas enquanto no Iraque o sangue nunca seca. Para os seus admiradores, como dizia Harold Pinter, as pavorosas conseqüências das suas ações "nunca aconteceram".

Em 24 de Novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, as acadêmicas feministas Cynthia Cockburn e Ann Oakleys, atacaram aquilo a que chamaram "certos traços e comportamentos masculinos generalizados". Elas pediam que a "cultura da masculinidade fosse tratada como uma questão política". A testosterona era o problema. Elas não fizeram qualquer menção ao sistema de violência de estado desenfreada que o império reabilitou, criando 740 mil viúvas no Iraque e ameaçando sociedades inteiras, desde o Irã até a China. Não será isto uma "cultura" também? O seu pensamento limitado não é atípico. Ele diz muito acerca de como estes meios de comunicação amigos das questões de identidade distraem da exploração sistêmica e da guerra, que permanece a fonte primária de violência contra homens e mulheres.


O original encontra-se em johnpilger.com/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info

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