Por Cristiano Castilho, da Gazeta do Povo, em 24/10/2009
Criação de conselhos curadores pode limitar intervenção dos governos na gestão das estações de rádio públicas.
“As rádios públicas brasileiras hoje enfrentam hoje um dilema. Porque não está muito bem definido o que é público e o que é estatal.” A afirmação de Orlando Guilhon, presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub), revela o ponto em que comunicadores, estudiosos da área e mesmo ouvintes de rádio encontram maior discordância.
Mantidas com recursos de governo – federal, estadual ou municipal –, as rádios públicas podem ser classificadas como educativas, culturais e universitárias. E o fato de estarem atrelados ao poder estatal é, ao mesmo tempo e sob diferentes perspectivas, positivo e negativo.
De acordo com Orlando Guilhon, presidente da Associação de Rádios Públicas do Brasil, alguns bons exemplos de emissoras de caráter público podem ser encontrados no país.
Confira também a programação cultural da Rádio Paraná Educativa
Fundação Piratininga (Rio Grande do Sul) e Fundação Padre Anchieta (São Paulo)
As duas entidades desenvolvem trabalhos radiofônicos e televisivos de caráter educativo. Instituídas pelo governo de seus estados, gozam de autonomia intelectual, política e administrativa. Os programas valorizam o conteúco cultural e de interesse público, sem maiores comprometimentos comerciais. Além disso, têm conselhos curadores, formados por integrantes vitalícios e eletivos.
“As emissoras públicas são juridicamente vinculadas a algum poder público e dependem fundamentalmente desses recursos. Esse vínculo ainda é muito forte no Brasil, ao contrário do que acontece na experiência europeia e norte-americana”, explica Guilhon.
A Arpub foi fundada em 2004 por dez rádios públicas brasileiras. Hoje são 24 empresas filiadas – um total de 63 emissoras. A Rádio Educativa do Paraná, segundo Guilhon, foi uma das primeiras a demonstrar interesse em entrar para a associação.
Desvincular o poder político da linha editorial de rádios públicas e fazer com que sua missão seja “difundir, irradiar e produzir cultura, educação, cidadania, entretenimento, informação e prestação de serviços, buscando atingir um público cada vez mais amplo da sociedade” é o objetivo da Arpub.
“O governo tem o direito de ter uma comunicação própria, mas isso não pode se confundir com comunicação pública. Esse é o centro do nosso debate hoje”, diz Guilhon, também superintendente de rádio da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Para Sandra de Deus, jornalista e professora de Radiojornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o panorama das rádios públicas brasileiras ainda não é satisfatório. “Há muita teoria e pouca prática. Se observarmos a programação dessas emissoras vamos verificar que aquelas que pertencem aos governos são verdadeiras assessorias de imprensa e as das universidades, mesmo as mais antigas, ainda não encontraram seu caminho. Além disso, a audiência é pequena”, declara Sandra.
Uma mudança benéfica, ainda segundo a professora, seria separar definitivamente – ou criar, em alguns casos – rádios públicas e estatais, estas com função exclusiva de atender ao setor de comunicação de seu governo gestor. “Não vejo qual a saída para isso se a cada quatro anos se troca a forma de fazer rádio ‘pública’. Se reinventa a roda. Uma emissora pública deveria ser entendida como rádio capaz de cumprir a sua função já definida pela associação [Arpub]. Outras seriam estações que se constituissem como órgãos de divulgação de governo e possuíssem uma programação para atender o partido de plantão.”
As rádios públicas seguiriam também a tendência da evolução tecnológica e se modificariam, sempre em função da demanda da sociedade. “Elas têm um papel fundamental porque as sociedades modernas querem emissoras públicas. Mas nós ainda não chegamos à metade do caminho. Na verdade não iniciamos o caminho”, lamenta Sandra.
Pós-Doutora em Comunicação pela Maison des Sciences de l’Homme – Paris Nord (França) e mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná, a professora Rosa Maria Dalla Costa relembra a importância das rádios públicas na democratização da informação. Segundo Rosa, com uma visão mais otimista, as rádios, mesmo as comerciais, já cumprem importante papel na prestação de serviços públicos.
“Acredito que os meios contribuem para a democracia e para um maior acesso às informações. Claro que esses meios têm problemas, interesses, não falam sobre tudo... mas garantem maior acesso à informação ainda assim. Por isso, penso que se temos problemas, eles não estão apenas nos meios, estão também em outras instituições, como na escola e no poder público.”
O ponto de convergência das opiniões dos entrevistados se dá quando surgem as possíveis soluções para que a rádio pública exerça seu papel integralmente. Seria necessária a criação de conselhos gestores, de uma equipe de curadores [como o conselho da TV Cultura, de São Paulo] e até a inserção de um ombudsman – o que já existe em rádios (e tevês) públicas dos Estados Unidos, por exemplo.
“Estamos em um país em que leis não funcionam. Elas modificam um papel e não modificam a cultura do povo nem sua forma de pensar. Por isso é preciso que a população se apropie das rádios. Que diga e pense: essa rádio é minha e eu tenho que fazer cobranças e exigências”, diz Orlando Guilhon.
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