Por Carlo Lopes, do Jornal Hora do Povo
Os produtores independentes de audiovisual têm muitos problemas a enfrentar. O primeiro deles, evidentemente, é o virtual monopólio estrangeiro na área, com canais de televisão que só veiculam audiovisuais de fora do país. No entanto, a Associação das Produtoras Brasileiras de Audiovisual (APBA) resolveu atacar o único canal nacional onde o audiovisual independente é divulgado, o Canal Brasil.
Segundo o presidente da entidade, Jorge Moreno, em carta ao ministro da Cultura, Juca Ferreira, ao presidente da Ancine, Manoel Rangel, e a alguns outros patriotas de mesma cepa, o Canal Brasil “durante os três últimos meses de 2009 cometeu duas diferentes infrações ao mesmo tempo, a exibição de produção própria e também de produção estrangeira”.
Em sua resposta, enviada ao Tele.Sintese, o Canal Brasil lembrou que há 11 anos vem “’empunhando a bandeira da produção brasileira independente, através de 24 horas diárias de programação’, exibiu mais de 2.800 filmes de curta, media e longa metragens e cerca de 7.500 horas de programação produzida por mais de 150 produtores brasileiros independentes, além de ter recuperado mais de 600 títulos, hoje, revitalizados e exibidos por outras televisões públicas e privadas do país”.
O que é inteiramente verdade. E, conclui a equipe do Canal Brasil:
“… gostaríamos de ressaltar que o Canal Brasil adquire e produz o seu conteúdo integralmente no país, sem gozar de nenhum dos incentivos fiscais que hoje privilegiam os diversos canais estrangeiros que ocupam a nossa televisão com uma programação produzida no exterior, com custos amortizados pela distribuição internacional intensiva”.
A “produção própria” que a APBA considera uma “infração” é constituída pelos filmes do produtor Luiz Carlos Barreto, um dos criadores do Canal Brasil (os outros são Roberto Farias, Paulo Mendonça e Anibal Massaíni Neto).
Barreto, que fotografou e co-produziu “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, e foi co-autor do roteiro de “Assalto ao Trem Pagador”, produziu, entre outros, “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, “A Grande Cidade”, “Bye, Bye, Brasil”, “Garrincha, Alegria do Povo”, “Memórias do Cárcere”, “Dona Flor e seus Dois Maridos”, “O Quatrilho”. Mas, segundo se depreende das palavras do presidente da APBA, estes filmes e outros dos 50 filmes de Barreto, deveriam ser proscritos do Canal, isto é, da TV por assinatura.
Quanto à exibição de “produção estrangeira”, isso se refere a alguns excelentes filmes argentinos e a “Estado de Sítio”, talvez o melhor filme de Costa Gavras, pelo Canal Brasil. Parece até que são os filmes argentinos que estão monopolizando o espaço na televisão... Sobre o filme de Costa Gavras, o Canal Brasil esclarece que foi uma promoção do próprio Ministério da Cultura, “na Mostra ‘Um Certo Olhar Francês no Brasil’, composta por 12 clássicos do cinema francês, em homenagem ao Ano da França no Brasil. A iniciativa foi custeada pelo canal, sem nenhum tipo de patrocínio”.
Moreno diz que, pela lei, “as operadoras de TV a cabo oferecerão, obrigatoriamente, pelo menos um canal exclusivo de programação (….) de produção independente”.
A lei, a que se refere o presidente da APBA, é a lei do cabo elaborada pelo governo Fernando Henrique (lei nº 8.977/95). No entanto, Moreno, quando era presidente do Congresso Brasileiro de Cinema, e a APBA apoiaram a substituição dessa lei, comemorando a aprovação na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara do Projeto de Lei nº 29/97 (PL 29), originalmente de autoria do deputado Paulo Bornhausen, que estabelece a propriedade irrestrita do capital estrangeiro sobre a TV por assinatura – basicamente legalizando a pilhagem da NET pela Embratel/Telmex e da TVA pela Telefónica. Segundo disse um representante da APBA na época da votação, o PL 29 “é o que é mais possível para viabilizar essa mudança de paradigma na televisão por assinatura, especialmente para a produção independente, que vai ter um espaço que até hoje não tinha garantido”.
Portanto, o capital estrangeiro é que vai garantir espaço para a produção nacional independente... Mas não sabíamos que essa “mudança de paradigma” implicava em atacar o único canal brasileiro onde há espaço para a produção nacional independente. Será que o novo “paradigma” proíbe a existência de canais brasileiros que veiculam a produção nacional, para que só os estrangeiros possam acolhê-la? E logo agora, que o PL 29 está sendo reduzido, com o fim de alguns adereços, ao que sempre foi - mera legalização de um assalto à propriedade da TV por assinatura?
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