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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

As novas obrigações da imprensa

Por Carlos Castilho do Observatório da Imprensa


O espaço político contemporâneo transferiu-se para os veículos de comunicação. Esta frase cunhada pelo sociólogo espanhol Manuel Castells já é quase um lugar comum entre os eleitores, mas a imprensa faz de conta que não tem nada a ver com a questão. Não há mais política sem os veículos de comunicação em massa, que foram transformados no ambiente preferencial para a definição do poder. As hegemonias não se decidem mais no Parlamento, mas nas manchetes de jornais e dos telejornais.

Esta constatação já é corrente entre os pesquisadores da política contemporânea, mas ainda questionada pelos parlamentares e pela imprensa por causa de interesses corporativos. Deputados e senadores resistem a admitir que as sessões do Parlamento deixaram de ser relevantes como ambiente para a produção de atos políticos para se transformarem em cenário para protagonismos cênicos voltados mais para as câmeras e microfones do que para o plenário. Já a imprensa acredita que continua sendo uma observadora isenta, quando de fato está fornecendo a matéria prima para que os marqueteiros formatem as mensagens que chegarão até nós, os consumidores de informações.

Mais diversidade

O tema parece complicado porque vai contra ideias, valores e comportamentos estabelecidos há tempos. Mas é quase óbvio. A midiatização da política, ou o que Castells chama de “política informacional”, é o resultado de um processo bem antigo e que no fundo está diretamente ligado a um fenômeno conhecido por todos nós – o crescimento demográfico e a democratização do acesso à informação. Quando poucas pessoas estavam habilitadas a participar da política, votando ou não, e quando os canais de comunicação eram escassos, a política acontecia de forma direta, sem a necessidade de intermediários com a imprensa.

Mas, na medida em que a população do planeta cresceu, os veículos de comunicação de massa foram se tornando cada vez mais necessários para intermediar a relação não apenas entre as pessoas comuns, mas entre elas e os tomadores de decisões e os governantes. O avanço da tecnologia também contribuiu, e muito, para que essa intermediação se tornasse cada vez mais complexa e generalizada. Como era inevitável, a intermediação gerou uma indústria altamente lucrativa no segmento da informação e do entretenimento. Não houve nenhum maquiavelismo premeditado no desenvolvimento da grande aldeia global prevista por Marshall McLuhan.

O problema surge quando os políticos e os executivos da indústria da comunicação ignoram ou minimizam as mudanças ocorridas na esfera da comunicação provocadas pelo surgimento da digitalização, da computação e da internet. Os políticos fazem de conta que a política ainda é decidida nos parlamentos e nas urnas porque este é o ambiente que eles conhecem e controlam. Por sua vez, os executivos da indústria da informação e entretenimento, hoje cada vez mais entrelaçadas (infotainment), agarram-se ao discurso construído em torno a uma imprensa que já não existe mais, aquela em que a notícia era isenta de interesses políticos e onde as empresas eram movidas pela mais genuína preocupação com o público.

A transformação da mídia em espaço político preferencial, como conseqüência das mudanças ocorridas na realidade social e econômica, altera irremediavelmente as bases sobre as quais se apóia o discurso tanto dos políticos como da indústria do infotainment. Os políticos sabem que hoje uma campanha eleitoral não depende mais de propostas e ideias, mas de um bom marqueteiro, de muito dinheiro e um ágil assessor de imprensa. Os eleitores sabem que, uma vez eleitos, a grande preocupação dos políticos é garantir recursos financeiros para a próxima eleição.

Por seu lado, a indústria da comunicação usa a relevância que lhe foi dada pela evolução social, econômica e tecnológica da sociedade para ganhar dinheiro, apoiando-se num discurso que poderia ter sido válido no início do século 20, mas que hoje perdeu seu significado. A imprensa não é mais uma observadora imparcial e distante, mas é parte essencial do jogo político. Sem ela, todo o modelo das eleições diretas, da transparência econômica e administrativa, da prestação de contas dos governos e da participação popular torna-se letra morta.

A indústria dos jornais nega-se a reconhecer esta mudança porque isso significaria reconhecer que é parte interessada, ou pelo menos beneficiada, no jogo político. Portanto teria que mudar seu discurso. Em vez de cada jornal se apresentar como o mais isento, fidedigno e objetivo – adjetivos que se tornaram inócuos diante do aumento da complexidade informativa –, teria que passar a defender a diversidade de veículos de informação e a transparência corporativa, já que são protagonistas efetivos do jogo político e o eleitor precisa conhecer quais os interesses que movem cada empresa jornalística.

Futuro modelo

A midiatização da política não implica a eliminação das indústrias da comunicação e da informação. As empresas jornalísticas continuarão sendo parte do sistema de comunicação pública. Não podemos cair na ilusão de que o governo, seja qual for o seu nível (federal, estadual, municipal ou local), é capaz de garantir a diversidade, transparência e contextualização (causas, conseqüências, beneficiados e prejudicados) das noticias e informações oferecidas ao eleitor. Atualmente, os governos são exercidos por políticos que como tal têm interesses, logo a instituição acaba contaminada por esses mesmos interesses.

Ainda é impossível vislumbrar qual será o modelo futuro da imprensa e da comunicação num ambiente onde a informação é a matéria prima mais valorizada. Mas uma coisa já sabemos. A imprensa precisa mudar o seu discurso, suas responsabilidades e comportamentos numa era em que a sua matéria prima, a informação, tornou-se uma espécie de DNA de nossa existência civil.
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