Apenas três das nove candidaturas à Presidência da República abordam as políticas públicas de comunicação em seus programas, e de modo tímido. Na opinião do professor Murilo Ramos* , apesar da existência de propostas para o setor, especialmente as originárias da Conferência Nacional de Comunicação, os candidatos evitam confrontá-las com os interesses dos meios de comunicação dominantes. Ele alerta que esse embate, em algum momento, “mais do que necessário, será inevitável”.
Em entrevista ao e-Fórum (por e-mail), o professor Murilo observa que a proposta essencial para a comunicação não consta da plataforma de nenhuma candidatura: a revisão constitucional, no capítulo referente à Comunicação Social. Essa medida poderia dar fim à separação normativa entre telecomunicações e radiodifusão. A situação atual da lei anda na contramão do processo de convergência, sustenta.
Além disso, destaca que o capítulo dedicado à Comunicação na Constituição Federal brasileira traz dispositivos restritivos ao rito das outorgas de rádio e televisão a ponto de torná-las sem sentido. “O serviço público, na prática, funciona como uma atividade essencialmente privada”, afirma. Por isso, propor políticas públicas nesse sentido ainda é difícil às candidaturas, que evitam o confronto mencionado, garante Murilo. Leia a seguir.
e-Fórum - Das nove candidaturas concorrentes à Presidência da República, três apresentam o tema comunicação em suas propostas. Nestas menções, as ênfases são para a revisão das concessões em radiodifusão, combate ao monopólio dos meios de comunicação e o restabelecimento ou criação do Conselho Nacional de Comunicação com caráter deliberativo. As propostas apresentadas são pertinentes?
Murilo Ramos - Sem dúvida, à parte seus graus de generalidade, as propostas até agora são pertinentes. E é saudável que a campanha comece com a comunicação já aparecendo como um tema de interesse, principalmente da candidatura da situação.
A praxe é não se tocar nesse tema durante as eleições presidenciais, pelo potencial de atrito que ele acarreta na relação com as empresas privadas de comunicação hoje dominantes no mercado brasileiro. Aliás, bastou que a candidata Dilma Rousseff tornasse públicas as suas propostas, independentemente da polêmica em torno do programa de governo registrado no TSE, e o bombardeio midiático contra as propostas de comunicação imediatamente começou.
e-Fórum - Faltam propostas nesses programas que poderíamos considerar essenciais para as políticas de comunicação?
Murilo Ramos - Do meu ponto de vista, falta uma proposta, a mais polêmica, aquela que dificilmente alguma candidatura encampará: a proposta de uma revisão constitucional que, no artigo 21, dê fim à separação normativa entre telecomunicações e radiodifusão; separação que foi introduzida na Constituição em 1995, na esteira do processo que levou à privatização do sistema Telebrás; separação que não faz sentido nem técnico nem regulamentar, e que está na contramão do processo que conhecemos por convergência.
Tão importante quanto, é a revisão de todo o capítulo da Da Comunicação Social da Constituição, artigos 220 a 224, a colcha de retalhos mal costurada nos idos de 1987 e 1988, dada a imensa pressão do lobby da radiodifusão.
Há coisas no capítulo, em especial no que toca ao rito das outorgas, que são absurdas, que tornam sem sentido a figura da outorga de concessão para um serviço público, que na prática funciona como uma atividade essencialmente privada. Refiro-me à virtual impossibilidade de se aprovar a renovação de concessões, ou, de cassar uma concessão, dados os dispositivos restritivos que a Constituição contém. Pior: até os prazos de outorga são constitucionais. Isto chega a ser patético, pois se trata de um instrumento básico de política pública que precisa estar na mão do administrador público.
Pensar uma nova lei geral para as comunicações convergentes no Brasil, em cima de tal alicerce constitucional, é tomar o caminho de um labirinto, e ver a sociedade e o governo sem direção é tudo o que o mercado quer.
e-Fórum - Como o senhor avalia as propostas apresentadas pela candidatura Dilma/Temer, que representa a continuidade do atual governo, que realizou a Conferência Nacional de Comunicação. Tímidas, satisfatórias, genéricas ou pontuais?
Murilo Ramos - Por ora genéricas, como, aliás, costumam ser as propostas de programas de governo, ainda mais aquelas que resultam de amplas coalisões, e que, no caso, pouco refletem a riqueza dos debates e resoluções da 1ª Confecom. Há que se esperar para ver o que surge durante os debates eleitorais.
e-Fórum - O que a sociedade pode fazer para que as propostas tenham consequência?
Murilo Ramos - Pressionar sempre, por meio de suas entidades e movimentos voltados à democratização da comunicação.
e-Fórum - Por que a comunicação ainda não surge nas propostas da maioria das candidaturas?
Murilo Ramos - Creio que me referi a isso há pouco. Discutir comunicação em programa de governo é entrar em confronto direto com os meios de comunicação dominantes. Espero que os exemplos latino-americanos de hoje, guardadas as devidas proporções, na Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela e, agora no Uruguai, ensinem nossos governantes que, em algum momento, esse confronto, mais do que necessário, é inevitável.
- Resumo dos programas das candidaturas ao governo federal – recorte relativo às propostas em comunicação
PT - Dilma Rousseff - vice Michel Temer (PMDB)
Coligação (PT/PMDB/PSB/PCdoB/PDT/PR/PRB/PTN/PSC/PTC)
.......
Acesso à comunicação, socialização dos bens culturais, valorização da produção cultural e estímulo ao debate de ideias.
42. A imensa maioria da sociedade brasileira está privada do acesso aos meios de produção e fruição dos bens culturais da humanidade. Noventa por cento das cidades não possuem salas de cinema. Muitas não têm bibliotecas, teatros ou centros culturais. Apesar dos avanços dos últimos anos, a maioria da população brasileira conta, como único veículo cultural e de informação, com as cadeias de rádio e de televisão, em geral, pouco afeitas à qualidade, ao pluralismo, ao debate democrático. É preciso fortalecer políticas de indução às indústrias criativas e suas cadeias produtivas que integram o conjunto da economia da cultura.
43. Modernas tecnologias, como aquelas ligadas à Internet, além das TVs públicas, têm permitido um arejamento cultural e político que pode compensar o monopólio e concentração dos meios de comunicação.
44. O aprofundamento da democracia brasileira passa por uma forte circulação de idéias, pelo livre acesso aos bens culturais de toda a humanidade e pela possibilidade de expressão de nossa diversidade cultural, das manifestações populares às de vanguarda.
45. Para tanto, será necessário:
e) iniciativas que estimulem o debate de idéias, com o fortalecimento das redes públicas de comunicação e o uso intensivo da blogosfera;
(Acesse aqui o programa na íntegra)
PSOL: Plínio de Arruda Sampaio - vice Hamilton Moreira de Assis
Proposta 21.
Pela democratização dos meios de comunicação; auditoria de todas as concessões das emissoras de rádio e TV; fim da criminalização das rádios comunitárias; anistia aos comunicadores populares; proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação; banda larga universal operada em regime público; criação do Conselho Nacional de Comunicação como instância deliberativa de definição, das políticas de comunicação com participação popular; políticas públicas de incentivo à implementação de softwares públicos e livres, ampliando o acesso e a democratização.
(Acesse aqui o programa na íntegra)
PCB: Ivan Pinheiro - vice Edmilson Costa
Proposta g.
Pleno direito dos trabalhadores organizados e da sociedade em geral à divulgação e ao acesso à informação, à livre circulação das ideias, à ampla divulgação dos debates políticos e à produção cultural; fortalecimento do Estado e organização de fóruns participativos e decisórios no âmbito do Poder Popular para definição das políticas públicas de comunicação; criação de rede estatal de televisão e rádio, com programação voltada para a cultura e a livre circulação de informações; _revisão das concessões atuais das emissoras de rádio e TV, para a garantia de mais densidade cultural na programação e de não interferência política dos interesses econômicos na geração e difusão de informações.
(Acesse aqui o programa na íntegra)
As outras seis candidaturas à Presidência da República, que não apresentaram propostas relativas à Comunicação Social, são: - PV - Marina Silva - vice, Guilherme Leal
- PSDB - José Serra - vice, Índio da Costa (DEM) - coligação PSDB, DEM, PPS, PTB e PT do B
- PSTU - José Maria de Almeida - vice, Cláudia Alves Durans
- PSDC - José Maria Eymael - vice, José Paulo da Silva Neto
- PCO - Rui Pimenta - vice, Edson Dorta Silva
- PRTB - Levy Fidelix - vice, Luiz Eduardo Ayres Duarte
*Sua principal atuação profissional e acadêmica é em políticas de comunicação. Murilo Ramos é doutor em Comunicação pela University of Missouri-Columbia (EUA) e pós-doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É professor na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), pesquisador (e um dos fundadores) do Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) da UnB, onde atua ainda como diretor do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações (CCOM). Também é membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e sócio da ECCO - Estudos e Consultoria de Comunicações Ltda.
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