Por Ana Lúcia Moura, da UnB Agência
As valquírias eram corajosas mulheres louras de olhos azuis. Montadas em cavalos alados e armadas com elmos e lanças, cavalgavam nos céus e ajudavam a determinar o curso das guerras. Zélia Leal Adghirni tem os cabelos louros, os olhos azuis e a valentia das valquírias. Mas foi a consistência e a relevância histórica de suas pesquisas que lhe garantiram o título concedido por um dos maiores teóricos da comunicação do país, o jornalista, professor e pesquisador José Marques de Melo.
Em seu mais recente livro, ele descreve a vida e a obra de sete pesquisadoras consideradas por ele como ícones da vanguarda brasileira no campo acadêmico da comunicação. Zélia Leal, professora da Faculdade de Comunicação da UnB há 20 anos, é uma delas. As outras seis são Adísia Sá, da Universidade Federal do Ceará, Lucia Santaella, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Sônia Virgínia Moreira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Anamaria Fadul, Maria Immacolata e Cremilda Medina, da Universidade de São Paulo (USP). O livro será lançado nesta quinta-feira, 20 de maio, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.
Antes de receber o título de valquíria, Zélia foi acompanhada durante quase dois anos pelo professor Francisco de Assis, um dos orientandos de José Marques de Melo na Universidade Metodista de São Paulo. Seu trabalho foi dissecado e sua história repassada. “A ideia inicial do pesquisador era avaliar o trabalho de vários estudiosos da comunicação, homens e mulheres em igualdade de participação. Nem se pensava ainda em livro”, conta Francisco. “Mas, no processo de realização dos perfis, os textos que demonstraram consistência metodológica e relevância histórica focalizavam exclusivamente as mulheres”, explica José Marques na introdução da obra.
Zélia reclamou do título. Achou por demais exagerado. Outras valquírias também. José Marques não cedeu. “As valquírias eram mensageiras. E todas as pesquisadoras também foram. Mais que isso, são guerrilheiras da profissão”, afirma Francisco.
PESQUISAS - Professora da UnB desde 1991, Zélia lecionou as disciplinas “Edição Jornalística”, “Análise e Opinião”, “Notícia e Mercadologia”, “Jornalismo e Sociedade”, “Teorias da Comunicação” e “Realidade Regional”. Foi diretora da Faculdade de Comunicação, chefe de departamento por duas vezes, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e criadora do grupo “Jornalismo e Sociedade”, versão brasileira da rede de estudos de comunicação, com sede na França, que envolve 27 pesquisadores de vários países.
De 1994 para cá, formou 12 mestres e quatro doutores. Além do mestrado, doutorado e pós-doutorado, sua produção acadêmica inclui nove artigos publicados em revistas científicas, dez capítulos de coletâneas e 14 trabalhos apresentados em eventos.
O trabalho de Zélia na academia se concentra nas diferentes manifestações do jornalismo na sociedade, como as relações entre imprensa e poder, comunicação e instituições e assessorias de imprensa. O jornalismo on-line e os blogs são atualmente seus principais temas de pesquisa. Ela foi uma das primeiras a estudar a migração das redações dos jornais para a internet. O tema foi objeto de pós-doutorado em 2000 na Universidade de Rennes 1, na França.
Fora da universidade, Zélia foi uma das fundadoras da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo e coordenou o Grupo de Trabalho de Jornalismo da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Em 2007, foi indicada pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação para compor júri que selecionou os candidatos às bolsas de pesquisa oferecidas pelo Instituto Itaú. É também uma das grandes defensoras da obrigatoriedade do diploma de jornalista.
PAIXÃO - O trabalho de Zélia é resultado não apenas dos 20 anos na UnB, mas de uma vida dedicada ao jornalismo. Foi em Colônia Nova, no interior do Rio Grande do Sul, em 1954, aos cinco anos, que ela se apaixonou pelo jornalismo. Embolada entre o pai, a mãe e os irmãos em torno de um rádio, ouviu o Repórter Esso anunciar que o então presidente Getúlio Vargas cometera suicídio. Ficou fascinada com a possibilidade de existir alguém que contava histórias reais e imediatas para as pessoas. “Naquela manhã fria, tornei-me jornalista”, lembra.
A mensagem do rádio não foi a única influência. Comerciante e transportador de cargas, o pai de Zélia trazia das viagens que fazia jornais, livros e revistas. Zélia lia tudo. O empurrão que falta aconteceu anos mais tarde, em Camaquã, outra cidade do interior gaúcho. Foi lá que Zélia conheceu Cremilda Medina, outra valquíria eleita por José Marques. “Digo sempre que minha mãe me deu à luz. A Cremilda me deu a luz. Sem crase”, brinca Zélia.
Cremilda foi professora de Zélia na escola normal. Ali influenciaria a discípula não só na paixão pelo jornalismo, mas na defesa de ideias de esquerda. Escondida dos pais, Zélia se tornou militante do movimento estudantil e quase foi presa. Ameaçada pelos militares, deixou o Brasil em 1974, depois de estagiar na Folha da Tarde e se formar em jornalismo. Foi para a França, onde estudou Ciências Sociais no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas de Lyon.
Em 1974, voltou ao Brasil, período em que trabalhou na Folha da Manhã e ajudou a fundar o Coojornal, marco na trajetória da imprensa brasileira. Colaborou também com o Correio do Povo e com a Rádio Guaíba. De volta à França, diante do cenário brasileiro ainda conturbado, foi correspondente do Estado de S. Paulo, Folha da Tarde e, novamente, do Coojornal.
Em 1983, quatro anos depois de se casar em Lyon com o arquiteto marroquino Ali Adghirni, mudou para Rabat, capital do Marrocos. Por sete anos, atuou na imprensa marroquina de expressão francesa. Foi repórter da revista Lê message de la nation e trabalhou em vários jornais, entre eles Le Matin du Sahara e L’Opinion. Além do trabalho na imprensa, foi convidada a lecionar na Escola Superior de Jornalismo de Rabat. “Já tinha o doutorado, mas tinha a impressão de que eu nunca iria me tornar uma professora”, contou a Francisco. Não só virou professora, como valquíria midiática, na expressão de José Marques. E também mãe, de dois filhos, um deles jornalista, que criou sozinha depois da morte do marido.
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