Por José Dirceu,publicado anteriormente no jornal Brasil Econômico
Apesar da insistência da grande mídia em negar a urgência de um marco regulatório para o nosso setor de comunicação, a verdade é que, sem isso, a democracia brasileira não avançará. As reformas que temos experimentado na última década precisam passar também por esta área, sob o risco de direitos fundamentais como a liberdade de expressão e o acesso à informação continuarem sendo negados ao conjunto da população.
Enquanto vários países do mundo adotam medidas para tornar suas comunicações mais plurais, no Brasil, o debate continua sendo distorcido pelos barões da mídia, interessados em manter seus oligopólios e em ditar, eles mesmos, as regras do jogo. Em países como França, Canadá, Portugal e EUA há anos existem instrumentos de regulação de meios eletrônicos e impressos, desmentindo a tese defendida por aqui, de que a adoção de regras contraria o princípio da liberdade de expressão. Na América Latina, depois da Argentina, que aprovou uma das legislações mais modernas do mundo para o setor, e do Uruguai, foi a vez do governo do México propor mudanças para desconcentrar o setor no país e quebrar o oligopólio de conglomerados como América Móvil e a Televisa.
Não há como continuar negando a regulamentação de um setor que passa por mudanças profundas - tanto do ponto de vista tecnológico quanto econômico - o que, por si só, inspira a necessidade de atualização de suas regras de funcionamento. Hoje, telefonia, televisão, rádio, transmissão de dados, cinema e música se apoiam cada vez mais em plataformas comuns, podendo ser captados por um smartphone, algo muito distante da realidade do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962. Provedores de internet produzem e transmitem conteúdos de e para qualquer lugar do mundo.
Do ponto de vista econômico, a abertura dos países do sul do mundo à globalização também resultou em novas situações -ampliação da liberdade de capitais, compra de empresas e fusões de toda ordem - que tornaram ultrapassadas políticas de comunicação estabelecidas décadas atrás.
Aqui no Brasil, apesar da vigência de novas normas - como a Lei do Cabo (1994) e da Lei da TV Paga (2011) - as empresas de telefonia, privatizadas e desnacionalizadas, encontram-se também no mercado de internet, TV a cabo e produção de conteúdo, em flagrante descompasso com leis antigas que impedem a participação de grupos estrangeiros no segmento de mídia.
Isso sem falar no avanço da internet sobre as telecomunicações. Nos EUA, a disputa entre web e emissoras já deixa dúvidas sobre a sobrevivência da TV aberta. Recentemente, o YouTube confirmou o lançamento de seus primeiros canais pagos, estreando em dez países, incluindo o Brasil.
Na Europa, órgãos de regulação já começam a enfrentar a política predatória de grandes empresas como o Google e a Microsoft, obrigando-as a dar explicações e a solucionar supostas violações das regras de privacidade de seus usuários.
Como se vê, nem mesmo o boicote permanente da mídia tradicional à discussão é capaz de esconder que o Brasil está atrasado - e muito - nesta agenda. A regulação é uma questão-chave do avanço democrático e somente através dela poderemos conceber um sistema de radiodifusão plural, qualificado e capaz de representar a grandeza do nosso país e do nosso povo.
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