Caros leitores e leitoras.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A TV e os animais estereotipados – parte 1


Por Josiele Souza, publicado anteriormente pela Anda 

No mundo há vários tipos de cultura e costumes. A televisão minimiza estas diferenças construindo modelos que não causem grande estranhamento ao telespectador. Esses modelos são os chamados estereótipos. Para transmitir uma mensagem, o veículo utiliza o estilo de esquemas. “Por exemplo, há certas características na aparência de um homem que personifica o herói de TV. Esses traços típicos são então construídos pelos idealizadores de tipos e apresentados na tela de forma acentuada”. (MARCONDES FILHO*, 1988, p. 43).
Vai-se acentuando dessa forma uma representação da realidade característica da TV. Esses traços acentuados são os chamados estereótipos. A mocinha do filme geralmente é bela e delicada; o vilão de uma novela é tão malvado e desumano que faz os telespectadores odiarem o personagem e, muitas vezes, o próprio ator.
Programas dominicais como Domingão do Faustão (exibido semanalmente pela Rede Globo) geralmente apresentam quadros que estereotipam os animais. O quadro Se vira nos 30, por exemplo, frequentemente mostra animais realizando ações humanas para entretenimento. Um exemplo apresentado no dia 1° de agosto de 2010 é o caso de um cão da raça São Bernardo “cantor” (ilustração 1). É bom lembrar também que o vencedor do Se Vira… ganha 15 mil reais, ou seja, o animal está sendo exposto e utilizado como entretenimento para concorrer a um prêmio para os seus tutores. Vale ressaltar que a definição de cantar no sentido que é conhecido no mundo humano não é transferida literalmente para o animal. Neste caso o cachorro não canta, mas uiva. Ultimamente, diversos vídeos neste estilo estão disponíveis na internet ou até mesmo na TV, mostrando animais que realizam essa tal cantoria. No quadro apresentado é fácil perceber o desconforto do animal quando a sirene do tempo esgotado toca. Até o próprio apresentador comenta sobre o barulho. Por ser um local estranho, com muitas luzes e pessoas diferentes do seu convívio, o cão mostra-se algumas vezes inquieto. Outro fato a ser comentado é o acessório utilizado pelo animal. Cães não usam gravatas, pois não possuem esta necessidade. Este acessório é mais um exemplo da humanização imposta ao animal. Neste quadro percebe-se o estereótipo utilizado. Para os telespectadores se identificarem e assistirem aquele programa é mostrado um cão que canta e usa gravata. É fácil perceber que mesmo sendo domesticados os cachorros não cantam e não possuem a necessidade de usarem acessórios. A necessidade humana é transferida ao animal para que aquele conteúdo transmitido seja captado pelo público de maneira mais simples. O telespectador ao receber estas informações não demonstra estranhamentos já que esses elementos (impostos ao cão) são naturais do dia a dia dos humanos. Programas e vídeos deste tipo reforçam a ideia de que os animais podem ser usados no entretenimento dos homens realizando ações humanas.
Cachorro “canta” no Domingão do Faustão. Exemplo clássico da utilização de animais como entretenimento
Os programas televisivos possuem o ritmo da vida dos trabalhadores. A televisão prolonga essa continuidade do trabalho, mesmo as pessoas estando em repouso. Para Marcondes Filho (1988, p. 24), “enquanto assiste à TV, o sujeito mantém seu ritmo de produção [...] Ansiedade e sensação de estar sempre funcionando são as neuroses permanentes que garantem ao trabalhador a impressão de ‘estar vivo’. Viver significa produzir e apresentar resultados em todos os sentidos”.
Entretanto, ao assistir um programa televisivo não há essa percepção de que o veículo transmite a ideia desta continuação de ritmo de trabalho. Isso acontece devido à linguagem utilizada. A televisão tende a reduzir as mensagens para que o telespectador receba aquele conteúdo e compreenda instantaneamente. Dessa forma, a TV tende a transmitir as mensagens e os telespectadores as recebem como reais, pois as ideias transmitidas vêm num formato definido que facilita a decodificação. Os estereótipos dão uma falsa sensação de conforto, pois não apresentam surpresas, não exigem grandes reflexões.
De acordo com Ferrés** (1998, p. 135), os estereótipos são representações sociais, institucionalizadas, reiteradas e reducionistas. São representações sociais porque pressupõem uma visão compartilhada que um coletivo social possui sobre outro coletivo social. São reiteradas porque são criadas com base na repetição. A palavra estereótipo provém, justamente, da tecnologia utilizada para a impressão jornalística, “na qual o texto é escrito em um molde rígido – na impressão em offset ou de estereótipo – que permite reproduzi-lo tantas vezes quanto se deseje” (E. Noelle Neumann, 1995, p.191). O estereótipo tem, pois, muito desse molde rígido que permite a repetição. A base da rigidez e de reiteração, os estereótipos acabam parecendo naturais; o seu objetivo é, na realidade, que não pareçam formas de discurso e sim formas da realidade. Finalmente, são reducionistas porque transformam uma realidade complexa em algo simples.
Ainda segundo Ferrés (1998), as representações audiovisuais utilizam o estereótipo como forma de amenizar a recepção das mensagens, tornando-as mais leves e seguras no momento da recepção:”Tanto nos noticiários como na ficção, o uso de estereótipos ajuda a reduzir a incerteza. Os estereótipos contribuem para potencializar a sensação de que se tem controle da realidade, de que esta pode ser conhecida, entendida, explicada, dominada. [...] A televisão ocupou o destaque, levando mais ao extremo as simplificações, porque pretende atingir audiências mais vastas. (FERRÉS, 1998, p. 137-138).
O estereótipo construído pela televisão reflete significativamente na vida dos telespectadores. Cria-se uma falsa sensação de proximidade, de intimidade com a realidade ali representada. A padronização das situações e das pessoas empobrece o cotidiano fazendo as pessoas reproduzirem aquela informação que recebem. Em matéria divulgada pela RBS TV de Santa Catarina – afiliada Rede Globo no Estado – (RBS Notícias, março/2010 – ilustração 3), por exemplo, sobre animais abandonados em Florianópolis, o conteúdo informativo falava sobre o problema do abandono de animais. Porém a matéria tinha o foco nos animais abandonados como risco para saúde humana (expressão usada pela repórter ao um minuto e trinta segundos na presente matéria).
Repórter fazendo sua passagem e mostrando ao fundo um cachorro que seria de rua e consequentemente um exemplo de “risco para a saúde humana” - Fonte: Rede Brasil Sul (2010)
Os canais de TV regionais quando abordam este tema caem sempre neste lugar comum: o problema do abandono de animais é secundário. A televisão tende a reduzir as informações para que a compreensão seja de maneira mais rápida pelo telespectador. A mídia, em geral, reflete o que a sociedade acredita. Entretanto, ela delimita um recorte perante aquele assunto que será abordado. No caso dos animais, por exemplo, nem todos da sociedade acreditam que o abandono é um problema de saúde pública. Porém, o recorte escolhido delimitou somente este enfoque.
A maioria das matérias veiculadas tende a mostrar o problema, achar um culpado e uma possível solução. Neste caso específico, os culpados são os animais e a possível solução é o extermínio. Este mesmo problema poderia ser falado de outra forma abordando, por exemplo, que o abandono é realizado por pessoas que jogam fora o próprio animal doméstico.
* Marcondes Filho, Ciro. Televisão: a vida pelo vídeo. SP. 1988.
** Ferrés, Joan. Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre. Artmed, 1998.
Trecho retirado do meu TCC: A televisão e os animais – a maneira como a mídia televisiva reforça a ideia de que os animais são objetos. Disponível em josielesouza.blogspot.com

Nenhum comentário: