Do Ópera Mundi
Em tempos de manifestações - as tão desejadas saídas às ruas dos brasileiros, sempre acusados de ser passivos, para lutar pelos seus direitos -, é grave o que anda acontecendo com a imprensa no Brasil. Há uma clara e extensa manipulação da informação e, para piorar, um risco crescente à vida de jornalistas que se expõem em nome de suas coberturas.
Qualquer pessoa que se limite a ler títulos de notícias em redes sociais e a assistir ao Jornal Nacional sabe disso, ainda que possa se informar muito melhor do que anda fazendo. O que não se sabe, ou não se vê na exata medida, é que o país anda chamando a atenção de organismos extragovernamentais que observam riscos à liberdade de imprensa e à atuação de jornalistas no mundo, como faz o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ).
Pois a CPJ, organização independente e sem fins lucrativos, publicou em dezembro do ano passado um relatório que dá um panorama do que significa ser jornalista hoje no mundo. Segundo o documento, Síria, Iraque e Egito são os países mais letais para se exercer essa profissão.
Atrás deles, aparecem vários países latino-americanos, entre eles o Brasil, que exibe os seguintes números: três jornalistas mortos em 2013, outro que morreu de causa ainda não claramente relacionada ao exercício do jornalismo, 10° lugar no ranking de impunidade (que indica o índice de criminalidade impune contra jornalistas) e 98 casos de abuso à liberdade de imprensa.
Em 1999, o jornalista colombiano César Augusto Londoño encerrava um telejornal dizendo "País de merda!" |
Para uma breve comparação que ilustre essas estatísticas, usemos dois países que, aqui pra nós, têm fama de violentos na região: o México e a Colômbia. O primeiro, com toda a violência ao redor do narcotráfico que vive atualmente, não teve jornalistas assassinados (mas sim um desaparecido), está no 7° lugar no ranking de impunidade e registrou três casos de profissionais que foram obrigados a deixar o país.
Já a Colômbia teve um morto, dois ataques não fatais a jornalistas, 44% dos casos de assassinato foram arquivados e está no 5° lugar no ranking de impunidade. Atualmente somos, como se vê, um lugar mais perigoso que esses dois. Talvez pratiquemos um pouco menos a impunidade, mas a verdade é que temos muito que aprender, especialmente com a Colômbia e seu negro passado de morte de pessoas das áreas de comunicação, arte e cultura - algumas delas, eminentemente públicas, e outras tantas trabalhadores anônimos.
Se a Colômbia luta hoje para ser menos impune em relação às suas histórias de violência, no passado o esforço era para que elas não se tornassem mera rotina, a que todos os cidadãos terminam acostumados.
Era 13 de agosto de 1999, e quem concluiu o programa dessa maneira foi o jornalista César Augusto Londoño, colega de Jaime Garzón, responsável por um quadro de humor político no mesmo noticiário, mas que neste dia tinha sido brutalmente assassinado às 5h da manhã a mando de um importante paramilitar envolvido com o governo. O crime permanece sem culpados, à exceção de Carlos Castaño, ex-chefe das Autodefensas Unidas de Colombia, acusado de ser o autor intelectual (mas já preso na época).
Jaime Garzón foi um advogado, jornalista, pacifista e humorista nascido em Bogotá, onde viveu até os 39 anos, quando morreu. Ocupou cargos públicos, participou de diálogos de paz entre os agentes do conflito colombiano, intermediou entregas de sequestrados pela guerrilha e foi pioneiro do humor político na Colômbia. Era famoso por imitar personalidades políticas do país, tinha personagens fictícios que assumia para fazer entrevistas reais e era uma unanimidade nacional. Foi com esse “violento” poder de tocar em temas da realidade colombiana e de fazer rir que ele gerou a ira daqueles que mandaram matá-lo e também os que facilitaram sua morte.
Além de jornalista, é certo que Garzón era uma figura pública que se envolveu nos bastidores de um grave conflito. E o Brasil não é a Colômbia, mas não custa lembrar que os tempos são outros e que a violência antes explícita hoje veste a máscara de controle silencioso e de falta de respeito à profissão e à liberdade de imprensa também aqui, entre nós. Que de pacatos não passemos a violentos e que nenhum noticiário nacional tenha que por em palavras o pensamento funesto de toda uma nação com um dramático “país de merda” é o que já passei a desejar. O que virá depois?
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