Crédito : Secom Uruguay
A Lei dos Meios na Argentina teve seu modelo seguido pelo Uruguai, que decidiu colocar um freio dos monopólios de comunicação do país. A Secretaria de Comunicação da Presidência governo de José Mujica editou um decreto nesta quarta (02) e limitou a quantidade de afiliadas que podem ter as empresas privadas de televisão. Por La diversidad, evitando oligopolios, diz a Secretaria de comunicação em seu site oficial.
O decreto limita a 25% o total de domicílios que uma empresa pode alcançar em todo o país e a 35% em cada território. “Sem afetar direitos adquiridos, se entende necessário limitar a participação no mercado de operadores de televisão para afiliadas, evitando a geração de monopólios e oligopólios”, pontua.
O decreto recorda que, no início, o mercado de serviços de televisão para afiliados se constituiu com base no princípio de territorialidade. Mas, atualmente, esse mercado está dominado por operadores que, em sua maioria, prestam serviços em todo território nacional e as empresas tem influído no desenvolvimento de produções locais de televisão, acrescenta o texto.
O documento sustenta que isso pode produzir “uma grande concentração não desejada, atendendo ao princípio de diversidade, e afetar o desenvolvimento de operadores que se encontram limitados a uma área territorial determinada”. Clique aqui para ler o decreto na íntegra.
Brasil – Enquanto isso no Brasil, segundo informou o jornalista Ilimar Franco do jornal O Globo, a presidente Dilma Rousseff “avisou ao PT que não apoiará em hipótese alguma o projeto que regula os meios de comunicação e que não aceita propostas que restrinjam a liberdade de imprensa”. Ainda segundo o jornalista, é o PMDB de Michel Temer que encabeça uma campanha contra o texto.
Lei dos Meios: dois dezembros depois, nenhum avanço
Por Marcos Dantas. publicado anteriormente em Carta Maior
Numa reunião em Brasília, em abril de 2011, diante de quase 20 lideranças do movimento pela democratização das comunicações, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, garantiu que “até dezembro” submeteria a consulta pública, o ante-projeto de uma nova Lei Geral de Comunicações, a nossa “Lei dos Meios”. Dezembro de 2011 passou – e nada. Dezembro de 2012 acabou de passar, e nem se fala mais nisso.
É verdade que, com o tempo, o que seria um ante-projeto de Lei Geral, transformou-se em “perguntas” para um debate público. Não seria uma má solução. Politicamente, seria uma tentativa de obrigar os “his mater’s voice” do oligopólio mediático a discutir conceitos, no lugar de tocarem o samba de uma nota só sobre uma fantasmagórica “censura”. Mas nem isto aconteceu. Ao cabo de dois anos de governo Dilma e ministério Bernardo, o Brasil, ao contrário de seus vizinhos sul-americanos, não avançou num um único mísero passo no caminho da democratização das comunicações.
O atual sistema de comunicações que temos é um entulho autoritário que sobrevive após mais de 25 anos de vigência da atual Constituição democrática. Até 1964, nas grandes cidades brasileiras, um bom número de jornais de circulação e influência política similares disputavam os corações e mentes dos leitores. Se alguém fizer uma pesquisa na imprensa brasileira pré-64, perceberá sem dificuldade como ela era numerosa mas, sobretudo, diversificada: cada jornal, cada dia, trazia manchetes diferentes, destacava temas distintos, competia efetivamente pela preferên-cia do leitor através do que poderíamos denominar, hoje em dia, “diferenciação do produto”.
Tínhamos no Rio, um grande jornal nacional-populista (“Última Hora”), jornais de direita (“O Glo-bo”), jornais de centro liberal (“Jornal do Brasil”, “Correio da Manhã”), jornais popularescos (“O Dia”), jornais de esquerda, de menor tiragem mas bem visíveis e influentes (“Novos Rumos”, “Semanário”), assim como um jornal de extrema direita, também de menor tiragem mas muito visível e influente (“Tribuna da Imprensa”). Tudo isso desapareceu. Sobrou “O Globo”.
Contávamos também com uma grande rádio estatal, a Nacional, audível em todo território brasileiro e fundamental para a construção de um sentido de identidade brasileira que, apesar dos pesares, ainda sobrevive até hoje; bem como dezenas de rádios, de diferentes estilos, em nossas principais cidades. A televisão, dominada pelo Conglomerado Associado, ainda era incipiente, pouco influenciava as nossas práticas culturais e as nossas referências informativas.
Em 1962, o Congresso brasileiro aprovou o nosso primeiro Código de Comunicações, um tipo de lei que em países como Estados Unidos, Reino Unido, França, Japão, tantos outros já existia desde os anos 20 do século XX, quando não antes. O Código não tinha nada a ver com imprensa. Tratava de comunicações eletro-eletrônicas: telefonia, rádio, televisão.
Entendia, como o mundo (capitalista liberal) sempre entendeu, que esse tipo de comunicação envolve emprego de recursos públicos (a começar pelo espectro eletro-magnético) e exerce uma enorme influência cultural e educativa no conjunto da sociedade, por isto não podendo ficar à margem de mínimas regras normativas. O Código de 1962, no entanto, buscou essencialmente tornar claras e menos discricionárias as regras de concessão ou cassação de concessão, poderes estes deste então atribu-ídos exclusivamente à União (até então, Estados e até municípios podiam permitir serviços de telefonia e radiodifusão). Não tratou do “conteúdo”.
Infelizmente, o Código foi posto em prática pela ditadura civil-militar instalada dois anos depois. Uma de suas primeiras decisões foi substituir, via decreto-lei, o mais transparente Conselho Nacional de Comunicações (Contel) pelo mais vertical Ministério das Comunicações. E se, por um lado, é inegável que tenha feito uma autêntica revolução nas comunicações brasileiras, tirando-a de um atraso secular, através da Embratel e da Telebrás, por outro, conduziu esse processo nos termos de suas políticas autoritárias, elitistas, concentradoras de renda.
Será então, no contexto de um cenário maior de desenvolvimentismo elitista e consumista, que as comunicações brasileiras caminharão para adquirir o perfil que atualmente exibem. A ditadura privilegiará, com políticas e recursos, a formação e consolidação de grandes conglomerados midiáticos nacionais. Eles eram necessários ao capitalismo monopolista que então se consolidava, exigindo a expansão, no Brasil, de um mercado de consumo conspícuo, marqueteiro. Um punhado de grandes marcas (automóveis, eletro-eletrônicos, alimentos e bebidas, bancos, estes também em acelerado processo de concentração e verticalização) impunha, através de um conjunto também concentrado de grandes agências publicitárias, um regime publicitário que exigia poucos veículos para atingir uma enorme população, em todo o país.
De Manaus a Porto Alegre, de Recife a Rio Branco, onde havia classe média consumista, esta precisaria ser conquistada pela mesma mensagem publicitária, mirar-se nos mesmos comportamentos exibidos nas novelas e programas de auditório, mover-se pelos mesmos impulsos para comprar os mesmos bens de uma indústria concentrada econômica e até espacialmente (em São Paulo).
Será então que, sobre a infraestrutura construída pela estatal Embratel, avançarão as redes nacionais de televisão, Rede Globo à frente. O grupo Abril, fundado, nos anos 1950, por um imigrante ítalo-americano que, antes de chegar ao Brasil trabalhara com Walt Disney na Flórida, lançará sua revista Veja para convencer a nossa classe média urbana, como já fazia antes com Pato Donald e Claudia, das delícias do consumismo estilo american way of life. Em poucos anos, nas pequenas e médias cidades brasileiras, Veja vai se transformar na segunda fonte de informação, além do Jornal Nacional da Rede Globo, das famílias com renda e status para assinar uma revista cujas matérias não lhes causassem incômodos em uma época quando eram muitos os assuntos que poderiam incomodar uma classe média emergente e satisfeita.
Nenhuma regra foi sequer estatuída para limitar o poder desses conglomerados, como aquelas que existiam até nos Estados Unidos: obrigatoriedade das emissoras locais transmitirem ao menos 25% de programação local; proibição de um mesmo grupo controlar radiodifusão e imprensa escrita; etc.
Ao mesmo tempo, a censura, o boicote econômico e até a violência política, vão forçando o desaparecimento de vários importantes veículos: “Última Hora” e “Novos Rumos”, por óbvio; mas também o “Correio da Manhã”, o “Diário de Notícias”, a revista “O Cruzeiro”… Mais à frente, até o “Jornal do Brasil” seria levado à decadência e morte, depois de acreditar que, por seus bons serviços, mereceria receber um canal de televisão, assim como o recebera o seu maior adversário, “O Globo”.
No Rio de Janeiro, São Paulo e, também, nas demais capitais e principais cidades brasileiras, o entretenimento e a notícia, tanto eletro-eletrônicos quanto impressos, tornaram-se propriedades de um pequeno grupo de grandes famílias midiáticas. Acabou a diversidade. Aliás, “Última Hora”, nos anos 1960, já demonstrara que a grande tiragem pode não ser suficiente para atrair grandes anunciantes. Sucesso de público nunca chegou a ser sucesso de anúncios. O “mercado” sabe punir muito bem quem não reza 100% pela sua cartilha…
Quando os militares se recolheram aos quartéis e voltaram às suas necessárias ocupações profissionais (apesar de alguns saudosistas de pijama), os civis que estavam com eles, já não precisavam deles: poderiam agora exercer plenamente, com ares e discursos de legitimidade demo-crática, sua ditadura midiática. Os meios de comunicação elegeram Collor de Melo, para evitar a eleição de Lula ou Brizola. Os meios derrubaram Collor de Melo porque estava cobrando muito caro por seus serviços.
Houve mobilização popular? Claro que houve. Na forma de um grande espetáculo nas primeiras páginas de jornais e nas telas da TV. Outras mobilizações populares aconteceram e seguem acontecendo por este país a fora, sem a mesma “cobertura”…
De um jornal para outro, as manchetes são as mesmas, de um telejornal para outro, as notícias importantes são semelhantes. O caso recente do “mensalão” está a merecer um estudo especial. Menos pela dimensão mediática que o assunto tomou, mais pela absoluta similitude de tratamento às questões, dada por egrégios juízes, diplomados jornalistas e doutos “especialistas”. Os “especialistas” então, são um caso à parte: sempre os mesmos e jamais transmitindo visões contraditórias. Leia-se a Folha ou O Globo e sairemos convencidos de que só cabe um enfoque para a notícia, só cabe uma análise para os fatos. Nenhum espaço à dúvida e à polêmica. Fabrica-se o consenso. Daqui a 100 anos, o historiador que quiser entender o Brasil de hoje pelas páginas dos jornais de hoje, não conseguirá responder a uma questão elementar: como podem governos tão ruins e tão corruptos terem sido seguidamente eleitos, terem recebido tanto respaldo popular?
Mas esse historiador também não conseguirá responder a outra pergunta: como pode um governo democrático e popular, diante do tratamento parcial e não raro injusto que recebe dos meios, não ter tomado medidas concretas para democratizar ou, no mínimo, tornar mais plural o sistema de comunicação do país?
Os princípios para regulamentar democraticamente as comunicações no Brasil estão fixados na Constituição. Basta obedecê-los. A Constituição diz que uma concessão de rádio ou TV não é uma mera licença para alguém fazer o que bem entender com o espectro lhe concedido, mas antes deverá privilegiar programas culturais e educativos, respeitar valores éticos da família, promover a produção independente e a regionalização da programação. A Constituição diz que deverá haver espaço para transmissão tanto de canais comerciais, quanto de público-estatais e públicos não-estatais. A Constituição também diz que os meios não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio, direta ou indiretamente. A Constituição diz, claramente, que nenhuma lei “conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística”.
Logo, qualquer regulamentação não poderá também ferir este princípio, com as ressalvas estabelecidas no seu artº 5º, dentre estas (item IV): “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato”. Isto vale também para a internet…
A Constituição é muito clara, no seu artigo 222, § 3º: “Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridades de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais”.
A Constituição, pois, em especial o seu artigo 221, será aplicada não apenas à rádio e televisão abertas, mas também à televisão por assinatura, à internet e talvez até mesmo, ao menos em alguns casos, às plataformas móveis. Mas dois anos depois de o ex-ministro Franklin Martins ter anunciado que legaria ao atual governo um ante-projeto de regulamentação, continua faltando a “lei específica”. Até quando? Dezembro de 2014?
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