Por Camila Rodrigues, Bruno Fonseca, Luiza Bodenmüller e
Natalia Viana, no sítio Pública:
O maior orgulho de Vera Saavedra Durão foi ver a filha virar
jornalista. Isso porque ela própria, Vera, dedicou 35 anos à profissão, com a
garra de quem cumpre uma missão. “Você quer que as informações sejam publicadas
da melhor forma possível, que aquilo ali venha a público. A gente se entrega”,
diz Vera. “Se minha filha seguiu o mesmo caminho é sinal de que ela viu valor
nisso”.
A jornalista, hoje com 65 anos, abraçou a reportagem com a
mesma paixão que lutou contra a ditadura, como militante da Vanguarda
Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), onde foi companheira de Dilma Rousseff.
Ficou dois anos na prisão; quando saiu, atuou como repórter de Economia nos
então principais jornais do país – O Globo, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil,
Folha de S. Paulo.
Em 2000, fez parte da equipe que fundou o jornal Valor Econômico, onde ficou
por 13 anos. “No início eu cobria muito tudo, o empenho era muito grande para
manter o jornal, com furos, afinal ele precisava se firmar. A gente fazia muita
coisa”, lembra Vera, que traz dessa época a lembrança de uma úlcera duodenal
sangrante, que surgiu quando fazia uma cobertura particularmente tensa para o
Valor. “Perdi dois litros de sangue, e eu nem sabia, até que caí desmaiada. Eu
me alienei tanto naquela cobertura, me estressei muito”, conta a jornalista,
respeitada por sua competência e dedicação pelos colegas e fontes.
No dia 24 de maio passado, Vera foi demitida sumariamente, junto com mais de 20
colegas do Valor, jornal que pertence ao Grupo Folha e às Organizações Globo.
“Fui apanhada de surpresa, não podia imaginar que eu podia entrar numa lista
negra, para ser cortada de uma maneira tão brusca”. A surpresa foi ainda maior
porque acabara de vir à tona que ela fora alvo de espionagem da empresa Vale
S.A., segundo denúncia de um ex-gerente de segurança, caso ainda investigado
pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Mas Vera, que estava de férias, nem
chegou conversar com a direção do jornal sobre a denúncia. “O jornal não teve
contato comigo sobre isso. Mandei email para a chefia para conversar sobre
isso, mas acabou a gente não conversando porque eu fui demitida”, conta.
“Depois de 13 anos trabalhando para engrandecer o jornal achei que teria
direito a um período sabático e não a uma demissão”, diz ela. “O meu raciocínio
sobre os meus direitos era o da minha classe, que é a dos jornalistas, dos que
‘carregam o piano’, e não dos acionistas, donos do jornal, que querem ver o
resultado imediato do nosso trabalho”. Vera lembra de uma fonte empresarial que
lhe dissera, em 2005, que merecia um bônus já que por causa de uma série de
reportagens suas, o Valor passou a ser lido no Japão. “Eu disse que jornalista
não tinha bônus, só ônus”.
Enquanto Vera ainda tenta digerir a demissão na sua casa do Rio de Janeiro, a
mil quilômetros dali Flávio José Cardoso, de 51 anos, atende clientes de um
belo restaurante à beira mar na ponta de Sambaqui, em Florianópolis. Há quatro
anos, ele escrevia os editoriais do jornal mais lido de Santa Catarina, o
“Diário Catarinense”, com 40 mil exemplares diários. Hoje, é garçom.
A guinada em sua vida começou em 2010, quando mudou o editor-chefe do jornal.
Ele deixou de ser editor de Opinião e foi “promovido” a subeditor de Geral,
seção que inclui de polícia a comportamento. “Passei a editar também o caderno
Mundo, sozinho. Depois de um tempo, me colocaram para escrever matérias
especiais todos os dias”. Além das reportagens e da edição, ele passou a fazer
a diagramação, montar tabelas, procurar fotos. Se antes trabalhava das 13h às
19h, passou a ficar no mínimo 12 horas dentro do jornal, todos os dias – e
estava sempre atrasado. “O trabalho que estava fazendo era para ser resolvido
por oito ou dez pessoas. Entrava às 13h e saía a 1h, 2h da manhã, todos os
dias. Não parava para comer; comia um salgado, enquanto digitava”. Isso quando
o editor não falava, em alto e bom som para todo mundo ouvir, coisas como “Eu
já te expliquei isso. Uma pessoa com um neurônio entende”.
Flávio aguentou a situação por um ano. “Isso leva o indivíduo a um nível de
estresse que ele começa a se achar incompetente para executar as tarefas que
faz há 20 anos”. Durante esse período, teve lesões nos tendões das mãos e na
córnea, porque usa lentes de contato e ficava muito tempo exposto ao computador
e ao ar condicionado. “Quando voltei de licença por causa da lesão, o
editor-chefe teve a cara de pau de dizer que eu inventei a doença!”. Entrou com
um processo contra o Diário. Hoje, embora seja garçom, colabora com uma revista
especializada em economia. E não largou o jornalismo – ainda.
As histórias de Vera e Flávio não são exceção entre os jornalistas brasileiros;
o que é raro é algum deles vir a público denunciar essa situação. Acúmulo de
tarefas, assédio moral, hora extra não-remunerada, insegurança sobre o próprio
futuro são males que infestam a indústria das notícias no Brasil. Embora sejam
fruto de decisões empresariais que já duram alguns anos, nos últimos meses a
situação se agravou com diversos grandes cortes de pessoal – os chamados
“passaralhos”.
Uma ave que acaba com tudo
Passaralho é um jargão agressivo para as demissões em massa nos meios de
comunicação. Remete a pássaros, revoadas de algo que destrói tudo por onde
passa. De março a maio de 2013, eles passaram sobre redações grandes como
Estadão, Valor Econômico, Folha de S. Paulo e já sobrevoam a editora Abril, a
maior do país, além de atingir a maioria dos jornalistas em redações menores,
como Brasil Econômico e Caros Amigos. Isso, somente dentre as empresas sediadas
na cidade de São Paulo. No estado inteiro houve demissões no jornal A Tribuna,
o maior da região da Baixada Santista, e na Rede Anhanguera de Comunicações
(RAC), que domina as regiões ao redor de Campinas, Ribeirão Preto e Piracicaba.
Considerando apenas os jornalistas registrados em carteira e somente na cidade
de São Paulo, foram registradas 280 demissões homologadas de janeiro a abril
desse ano, 37,9% a mais que no mesmo período de 2012, quando foram registradas
203 homologações por conta de demissões. Ou seja, tudo indica que 2013 será
pior que o ano passado, quando mais de 1.230 jornalistas foram demitidos de
redações no Brasil. Os motivos, em geral, foram “reestruturações”, que nada
mais são que novas formas de organizar o trabalho usando menos pessoas e mais
tecnologia.
“É um ponto fora da curva”, diz Paulo Totti, que, com quase 60 anos de
jornalismo, também foi vítima do corte no Valor. Totti usa a expressão para
explicar que, na indústria do jornalismo, os trabalhadores mais experientes são
descartados facilmente e substituído por recém-formados – o oposto do que
acontece em outras áreas. “Em nenhum outro ramo da economia se vê atitudes
semelhantes. Os administradores têm a preocupação de manter a sua mão-de-obra
qualificada”, diz Paulo, que sempre cobriu economia, e com excelência. Em 2006
foi vencedor Prêmio Esso, o mais respeitado do jornalismo brasileiro, com uma
série sobre a economia chinesa. Meses antes de ser demitido, havia se oferecido
para fazer oficinas com cada uma das editorias do Valor, para ajudá-las a
melhorar a qualidade dos textos. “Há, claro, uma certa surpresa, já que a
demissão não decorre de uma maior ou menor dedicação ao trabalho. Mesmo um
jovem fica meio intranquilo quanto ao seu futuro. Pior: se o cara desempenhar
bem suas funções, ele pode ter um aumento de salário, e esse aumento causa a
sua demissão”.
Aonde os donos de jornais querem chegar?
Paulo Totti, que no momento considera a única opção que lhe foi dada pelo
jornal – virar colaborador freelancer – compartilha um receio que se espalha
nas redações com a mesma rapidez que o voo dos passaralhos. “Temo que isso
esvazie o conteúdo do jornal. E esse é o sentimento de todo corpo de gente que
integra o setor redação em todos os jornais brasileiros”, explica ele. “Não
sabemos bem aonde os donos dos jornais querem chegar. A decisão no Valor, por
exemplo, partiu da pressão de pessoas que integram o conselho administrativo do
jornal, representantes dos acionistas. Nenhum deles tem no seu currículo alguma
passagem pelo jornalismo”.
Os cortes de pessoal se devem a um investimento milionário em um serviço de
informações financeiras em tempo real, o Valor Pro. Esse investimento começou a
ser feito há cerca de três anos, quando os funcionários foram avisados que a
redação seria unificada. “Fomos avisados de que nos dois anos seguintes ninguém
teria aumento salarial. Ao mesmo tempo, todos teriam que escrever para as três
plataformas: tempo real, site e impresso”, diz um jornalista que sobreviveu ao
último corte no jornal e que prefere não se identificar. Segundo o repórter, o
clima da redação está ruim; além do trauma provocado pelas demissões, sobrou
excesso de trabalho para todos. “O site, que antes era cuidado por cada
editoria, agora é alimentado por pessoas de um ‘mesão’ digital, que não tem
muita familiaridade com alguns assuntos. No impresso, a cada dia está uma briga
por espaço e o número de páginas está sendo reduzido”.
Também a Folha de S Paulo anunciou uma reestruturação na última semana, com o
fim do caderno “Equilíbrio” e o reagrupamento de outros cadernos em três núcleos
de produção. O número de jornalistas demitidos foi de 24. A direção comunicou à
ombundsman, Suzana Singer, que “as redações do futuro deverão ser cada vez mais
enxutas, assim como o produto impresso”. Entre os demitidos estão nomes do
porte de Andreza Matais, ganhadora do Prêmio Esso de jornalismo 2011 pela série
que demonstrou o enriquecimento do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
“Aos que acreditam que o jornalismo de qualidade faz bem à democracia resta
torcer para que a travessia dê certo”, resumiu Suzana Singer, em artigo na
Folha.
A Pública falou com um dos jornalistas cortados do Grupo Folha, da área de
cultura, que pediu para não ser identificado. “Ao chegar à redação um dos
colegas comentou que haveria corte e, cerca de 20 minutos depois, fui chamado
para ser avisado de que seria desligado da empresa. A justificativa? Corte de
gastos. Tinham de ter uma meta x de gastos, e a minha saída ajudaria a atingir
tal meta”.
“Eu tenho pena de quem ficou e de quem está entrando no jornalismo”, diz, com
certa serenidade, o repórter fotográfico Lula Marques, premiado jornalista da
sucursal de Brasília da Folha de S. Paulo. No dia 1º de abril, ele acordou
comemorando o aniversário de 26 anos de jornal. À tarde, foi comunicado que
estava demitido. “Me falaram que eu estava ganhando muito, mais que o editor de
fotografia de São Paulo, que meu nome estava na lista há dois anos e que não
dava mais para me segurar na empresa”. Desde novembro de 2011 – quando a
empresa cortou 10% dos seus jornalistas – os cortes, discretos e sem alardes,
são constantes na Folha. Tanto, que Lula diz que já estava preparado. “Saí com
um equilíbrio emocional bom, porque já estava me preparando para isso. Nos
últimos dois anos, as pessoas que estavam com o salário lá no alto foram todas
embora. Sabia que um dia ia chegar minha vez”.
Tensão na Abril
Era sexta-feira, dia 7 de junho, quase no final do expediente, e o clima no
prédio da editora Abril S.A, zona oeste de São Paulo, estava pesado por conta
dos rumores de um grande corte, previsto desde a morte do presidente do grupo,
Roberto Civita, em 26 de maio. “Olha, está muito tenso e é uma tensão
diferente. Eu já vivi outras demissões coletivas, mas antes era assim: os
diretores das redações estavam plenamente por dentro de quantas pessoas
deveriam ser cortadas de cada revista, enquanto os ‘peões’ estavam morrendo de
medo. Agora não, ninguém sabe de nada direito, nem os diretores”, disse à
Pública uma jornalista, que também pediu não ser identificada por medo de
represálias.
Pouco depois, seis executivos foram demitidos, junto ao anúncio de que o grupo
passaria por uma “reestruturação”, com agrupamento de unidades de negócios,
reduzidas de dez para cinco. O objetivo, segundo a empresa, era a
“racionalização dos recursos”. Há boatos de que 11 revistas deixarão de
circular – entre elas nomes lendários como Playboy, Capricho e Contigo. É a
senha para o passaralho. “Deve acontecer na próxima semana”, diz a mesma
jornalista. “Eu acho que, se na semana que vem já anunciarem qual revista vai
ser cortada, o clima vai melhorar. Não saber o que vai acontecer que é
estranho. A gente faz piada o tempo todo, tipo, estou me matando pra fazer esse
editorial de moda e se a revista acabar amanhã…”
“Entre os jornalistas, nesse momento o clima é de intranquilidade aguda”, diz
Paulo Zocchi, diretor jurídico do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e que
trabalha na redação da revista Quatro Rodas, da editora Abril. “Tá todo mundo
morrendo de medo. Na minha redação, que é de uma faixa etária um pouco mais
velha, tá todo mundo falando: ‘vamos ver se segunda-feira vamos estar aqui’”. A
jornada dupla de Paulo – na revista e no sindicato – está ainda mais atribulada
desde as últimas demissões. Toda vez que corre um boato de demissão, o
sindicato é acionado, e pede uma reunião de emergência na empresa, para
negociar.
Foi o que aconteceu em abril, na negociação com o Estado de São Paulo – de
desfecho inesperado. O Estadão anunciara a redução da quantidade de cadernos
diários para apenas 3, a
extinção do caderno Link, sobre tecnologia, e do caderno de Negócios. Ao mesmo
tempo, passou a privilegiar as plataformas digitais, com o lançamento do novo
aplicativo do Estadão, adaptável a qualquer dispositivo móvel. Segundo conta
Paulo Zocchi, na quinta-feira, dia 4 de abril, ele recebeu uma ligação avisando
sobre boatos de demissão em massa no Estadão. “Hoje, a redação tem 250
jornalistas. O boato era de que 100 seriam demitidos na segunda ou na
terça-feira da semana seguinte”. O sindicato solicitou uma reunião de emergência
com a direção do Estadão, mas o jornal não respondeu e começou a demitir já no
dia seguinte, sexta-feira. No total, foram 31 demitidos.
“Na sexta-feira, 12 de abril, fizemos uma assembleia na empresa, e desceram 90
pessoas. O objetivo era reverter todas as demissões. Até que uma das
trabalhadoras demitidas disse que não queria ser reintegrada”, lembra ele,
revelando sua surpresa. No fim da assembleia, em que estavam 14 dos 31
demitidos, nenhum deles queria voltar a trabalhar no Estadão. “As pessoas se sentiram
descartadas, afetadas emocionalmente de uma forma tal que elas não queriam
voltar”.
Um dos demitidos, repórter com cerca de cinco anos de profissão, não disfarça
sua revolta. Segundo ele, os rumores de cortes eram constantes no jornal,
espalhando um “clima de terrorismo”: “O jornal esperava que os jornalistas
continuassem a manter a quantidade e a qualidade de trabalho com menos pessoas,
impossível. Jornalistas acumularam funções e a qualidade, como os leitores
puderem observar, caiu”. Ao ser demitido, ele foi procurado por um dos
diretores, “para deixar claro que eu não estou sendo demitido pela sua falta de
competência, que é uma questão de corte de gastos”, lembra. “Querem que você
não se revolte e não sai baixo astral, que saia feliz e tranquilo. Te apoiam,
mas dizem: ‘vai lá’”.
Como a maioria dos jornalistas demitidos, ele prefere não se identificar
publicamente. Quase nenhum dos entrevistados, principalmente os mais novos,
quiseram se expor. “Sabe como é, o mercado é muito pequeno e eu posso ter
dificuldade para conseguir trabalho”, diz um deles.
Do Sul ao Norte do Brasil
Na ilha de Santa Catarina, o nome do passaralho é mais poético: chamam de
“barca”, como aquela, dirigida por Caronte, que levava as almas ao inferno, ou
Hades, na mitologia grega. A última barca do Diário Catarinense, o maior jornal
do Estado, aconteceu no dia 21 de março e levou cerca de 20 profissionais da
redação. Poucas pessoas souberam. A divulgação mais ruidosa do caso foi um
e-mail do jornalista Célio Klein anunciando, aliviado, sua demissão após 25
anos de casa. Nela, ele se diz alegre por ter saído do jornal, mas expressa
“profundo pesar pela situação”: “É muito grave e difícil não se ver outra saída
que não a de abrir mão do trabalho do qual se gosta e ao qual se dedicou a
maior parte da vida”. A carta prossegue: “Em uma empresa de comunicação,
questionar, alimento do jornalismo, não é permitido. Em uma empresa de
comunicação que tem a educação como bandeira, que implica justamente pensar de
forma autônoma, pensar não é permitido. Em uma empresa de comunicação que
exalta a democracia, vende a diversidade de opiniões, a participação dos
leitores como case de ação, de sucesso, divergir não é permitido”.
Semanas depois, em abril, o jornal “A Crítica”, no Amazonas – um veículo da RCC
(Rede Calderaro de Comunicação), que tem filiadas à Rede TV!, ao SBT e à
Record. – demitiu aproximadamente 15 pessoas, entre repórteres, editores e
fotógrafos do jornal impresso e do site. A repórter especial Elaíze Farias,
vencedora do prêmio Imprensa Embratel 2013, foi uma das cortadas. “A
justificativa oficial é de que o jornal acabou com esse cargo”, diz ela. “Não
sei quais foram os critérios”.
Com quase 20 anos de experiência, Elaíze dedicou metade deste período a
produções de reportagens sobre questões sociais e ambientais da região. Ela
lembra de uma das últimas reportagens que fez, sobre um casal de índios matis
que estava sendo acusado de tentar cometer ‘infanticídio’ contra seu filho
doente em Manaus – o que foi completamente desmentido por eles. “Para conseguir
entrevistar este casal, me desloquei de lancha pelo rio Solimões (uma hora) de
Tabatinga até outro município, Benjamin Constant, e dali peguei um táxi-lotação
(meia hora), viajando pela estrada até Atalaia do Norte, onde os índios matis
estavam. Fiz o retorno de carona, na moto de um indígena, porque não havia mais
táxi disponível entre Atalaia e Benjamin, até novamente voltar a Tabatinga. E
precisava chegar antes das cinco da tarde, pois as lanchas que fazem a
travessia do rio em Benjamin operam até neste horário. Ou seja, foi um gasto
extra que precisei utilizar. Depois de uma jornada de oito dias, voltei a
Manaus. Bom, é assim que se faz jornalismo na Amazônia”.
Para ela a maior preocupação é ter que deixar de realizar reportagens como
essa. “Fiquei muito frustrada por, após a minha saída, estes temas terem ficado
parados, na minha própria gaveta de pautas. Elas continuam guardadas, para
quando eu tiver algum espaço e logística para viabilizar”.
Sobre o silêncio que cerca as demissões, Elaíze diz: “No geral, a notícia das
demissões ficaram restritas ao boca-a-boca e às redes sociais – eu, por
exemplo, fiz um comunicado pelo Facebook e por e-mail aos meus amigos,
companheiros de luta, organizações sociais e fontes”, comenta. “Hoje se fala
muito nas crises dos jornais impressos e na sua dificuldade de se adaptar aos
novos tempos e às notícias publicadas nos portais de internet. O enigma é: a
mídia vai se conseguir se reinventar, se ressignificar, para continuar
sobrevivendo? Cabe a todos nós, os que estão dentro e os que estão fora das
redações, passar a refletir”, acredita.
Para o pesquisador José Roberto Heloani, da FGV, a esperança é a de que os
jornalistas comecem a ter maior consciência e maior interesse nessas questões.
“É isso que chamo de luz no fim do túnel. E isso vai fazer com que as pessoas
comecem a perceber que a saída não é individual. A saída é coletiva”. Neste
ano, em São Paulo, houve pelo menos quatro casos de organização de jornalistas
contra demissões: “O Vale” e “Bom Dia”, de São José dos Campos; do “Jornal da
Cidade de Jundiaí”; do “Brasil Econômico”; e a dramática greve da pequena
redação de “Caros Amigos”, que se autodenomina “a primeira à esquerda” que
terminou com demissões e ações na Justiça (veja box).
O jornalista Audálio Dantas, que presidiu o Sindicato dos Jornalistas de São
Paulo na época do assassinato de Vladimir Herzog e foi o primeiro presidente da
Federação Nacional dos Jornalistas, tem uma avaliação mais pessimista. “Por
mais que se lute, o panorama dos meios de comunicação concentrado em poucas mãos
contribui para que as lutas sejam enfraquecidas”, diz Audálio, que considera a
regulação da propriedade dos meios de comunicação essencial no debate sobre o
futuro da profissão: “Há a necessidade de se regular, porque nós temos esse
fenômeno: o sujeito faz o trabalho para o veículo impresso, a empresa faz uma
adaptação do mesmo texto e o trabalho de um profissional é aproveitado em
quatro meios”.
Nesse cenário, ele diz, não há mais distinção entre bons profissionais e
medianos. “Antes os grandes jornais tinham esses cuidados de preservar os bons
jornalistas. Hoje, não se distingue os profissionais e vão todos no mesmo
diapasão”, observa Dantas, que identifica um ciclo vicioso para a profissão:
para aproveitar o rendimento máximo – em termos quantitativos – as empresas
mantêm o jornalista dentro da redação, fazendo matérias por telefone e por
e-mail, o que resulta em um número maior de matérias, mas de pior qualidade. “A
grande vítima, depois do jornalista, é a apuração. A qualidade da informação,
que é o que garante historicamente a credibilidade, está prejudicada”.
Para os mais jovens, porém, a sensação é de que as mudanças são ainda mais
profundas, como diz o jovem profissional, recém demitido do Estadão: “A justificativa
[de cortes de papel e demissões] é a financeira. Se você acompanha o jornal,
deve ter percebido que as editorias enxugaram, algumas sumiram… O jornal
inteiro ficou menor. A sensação, dentro e fora da redação é de que o jornal
está apenas adiando o seu fim”.