Desde a última quarta-feira (26/01), os jornalistas do Egito e os correspondentes internacionais têm sofrido ataques - dezenas foram agredidos e ameaçados. O egípcio Ahmed Mahmud morreu atingido por franco-atiradores na varanda de seu prédio, próximo da Praça Tahrir.
Neste domingo (06/02), véspera do enterro simbólico de Ahmed, quando seus colegas jornalistas fariam uma marcha pelo centro do Cairo, o correspondente do jornal Opinião Socialista Luiz Gustavo Porfírio entrevistou três jornalistas egípcios, na Praça Tahrir.
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Participaram os jornalistas Karem Yehia, de 52 anos, do Al-Ahram, Hosni Abdel Lehim, e Ahya Kalaish, de 56 anos, do Al-Gomuahya (O Público). Ahya é ex-secretário-geral do Sindicato de Jornalistas do Egito e está na oposição, desde que o regime impôs a eleição de um agente no sindicato.
Em primeiro lugar, gostaria que vocês contassem a história do sindicato dos jornalistas do Egito
Ahya Kalaish: Antes da formação do sindicato, já existia uma tradição de lutas por democracia dos egípcios, que remonta a 50 anos antes da formação do sindicato, em 1941. Então, a história da fundação deve ser vista dentro da luta por democracia e participação pública. A ocupação britânica e a monarquia não queriam permitir que se criasse o sindicato, com receio que a sindicalização se opusesse a política antidemocrática dos que governavam.
Antes de 1952, da revolução liderada por Gamal Abdel Nasser, era proibido aos sindicatos atuar politicamente. O sindicato dos jornalistas foi o primeiro sindicato a poder atuar politicamente. O sindicato esteve na luta contra todos os regimes, antes e depois de 1952. Antes, para defender seu direito de se organizar e, depois, por todas as liberdades. Principalmente a liberdade de expressão.
Como tem sido o trabalho dos jornalistas no governo Mubarak?
Ahya Kalaish: As leis sob Mubarak foram muito duras com a liberdade, especialmente as da crise de 1994-1995, quando Mubarak e o Parlamento impuseram a lei que tornou mais rígida a punição e a prisão para jornalistas nas questões de interesse do Estado. Todos os sindicatos e uniões formaram uma coalizão com forças políticas democráticas e com a opinião pública, para se unir além dos interesses específicos. Não era uma coisa de categoria. Foi uma batalha que durou 14 meses, e criamos uma Assembleia Geral de Sindicatos. Fizemos uma pressão pacífica e Mubarak teve que recuar. Creio que foi a primeira e única luta que fez Mubarak recuar, como você vê, ele é um cabeça-dura. Mas neste caso, acabou tendo de ceder e a situação ficou como era antes da lei.
O Sindicato dos Jornalistas foi o único órgão da sociedade civil que reivindicou a demissão do general Habib el-Adly, ministro do Interior que promoveu o massacre nessa revolução agora.
Pedimos a sua saída em 2005, porque em maio daquele ano, as forças de segurança, o serviço secreto e membros do NDP [partido de Mubarak] atacaram a sede do nosso sindicato, batendo nos membros, inclusive nas mulheres. O ministro do Interior já era o general Habib el-Adly, o mesmo que agora, no 25 de janeiro desse ano, conduziu o massacre aqui em Tahrir, em Suez e em Alexandria. E só perdeu o cargo no dia 31.
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Como o governo de Mubarak age com o sindicato?
Karem Yehia: Na eleição de 2009 do sindicato, houve muita pressão do regime para reformular o Burô Executivo para que eles se aproximasse de Mubarak, e conseguiram trazer um membro do NDP para se candidatar, Makram Mahamed Ahmed.
Hosni Abdel Lehim: Ele é um agente antigo do serviço secreto. E foi eleito, por pressão dos regimes e corrupção. Habib el-Adly, ministro do Interior, avisou que só ia pagar os jovens jornalistas se ele fosse eleito. E acabou eleito.
Karem Yehia: Na eleição no sindicato, o ministro do Interior formulou uma espécie de força-tarefa para acompanhar a eleição e interferir. Inclusive usando alguns jornalistas.
Isso fazia parte da preparação para trazer o Gamal Mubarak, o filho, substituindo o pai no governo. Queriam garantir que o sindicato não criaria problemas. Por isso somos a oposição. Há mais de um ano, Ahya Kalaish suspendeu sua participação no Burô Executivo do sindicato.
Hosni Abdel Lehim: Os donos dos jornais apoiam o governo Mubarak. Nós precisamos tirar uma carteira no serviço secreto para poder trabalhar como jornalistas!
E como está o sindicato agora, em meio à crise?
Karem Yehia: Por causa dessa intervenção, nosso sindicato quase não está mais vivo. Na situação política atual, não faz nenhuma declaração política contra a opressão, nenhuma solidariedade com os manifestantes, nenhum apoio aos jornalistas, locais ou estrangeiros.
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Ahya Kalaiash: Depois do dia 25, o começo da revolução, eu estava no prédio do sindicato. Foi cercado por um monte de agentes de segurança, estavam controlando a entrada dos jornalistas. Eu mesmo tentava entrar e os policiais me impediam, eu xinguei porque me recusava a aceitar uma situação dessa, e por isso me prenderam por umas horas.
Mas a reação dos jornalistas conseguiu minha liberação. Eu fui espancado, e meu filho também. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 2003, quando houve a invasão do Iraque pelos EUA e Inglaterra, muitos jornalistas foram espancados na calçada na frente do sindicato.
A sede do sindicato dos jornalistas teve um papel nesses protestos, então?
Ahya Kalaiash: O sindicato fisicamente abrigou muitas atividades das organizações e sindicatos independentes que surgiram. A entrada do sindicato, as escadas, é aberta para a rua e tem servido como um espécie de Hyde Park para organizações políticas independentes, sindicatos e sociedade civil. Por causa disso, a primeira medida desse representante do governo no sindicato, Makram Mahamed Ahmed, foi tentar derrubar essa estrutura, esse local, mas não conseguiu.
Para vocês, o que explica tanta perseguição aos jornalistas neste momento?
Ahya Kalaiash: Se você ataca jornalistas e os espanca, viola sua integridade física, significa que você, como um regime, quer impedir os fatos de se tornarem públicos, de serem publicados. O regime tenta fazer as coisas às escuras, veladamente. E para isso, aterroriza especialmente os jornalistas. A responsabilidade dessa perseguição é dos agentes de segurança e dos elementos criminosos, que tem filiação ou conexão com o NDP, o partido do governo, e com as próprias forças de segurança.
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