Em funcionamento desde 2009, a Rádio Livre é transmitida em seis unidades e atinge mais de 6 mil pessoas diariamente
Hoje a equipe da rádio conta com um jornalista responsável e dois egressos. P(FOTO:
Publicado originalmente na Tribuna do Ceará.
Liberdade é, segundo o dicionário, o estado de pessoa livre e isenta de restrição externa ou condição do ser que não vive em cativeiro. Para mais de 21 mil pessoas no Ceará, tal conceito não se aplica mais. Envolvidas em algum tipo de delito, essas pessoas foram destituídas de sua liberdade.
Longe do convívio social, muitos detentos perdem o contato com familiares e amigos. E foi justamente pensando em aproximar a população carcerária não apenas da família e amigos, mas, também, de conteúdos voltados para educação e cidadania, que a surgiu a Rádio Livre.
O projeto, idealizado pela Secretaria da Justiça, é o único no país a levar conteúdos como direito, educação, cultura, esporte, religião, psicologia, capacitação e entretenimento para quase 6 mil presos das Casas de Privação Provisória de Liberdade II, III, IV e de Caucaia, da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo (Pacatuba) e do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPF).
“A rádio foi apadrinhada pela Secretaria da Justiça em 2009 e começou pela CPPL2. Naquela época só transmitia música religiosa ou clássica. Além disso, o familiar podia passar uma mensagem, ou o diretor poderia falar com os detentos, chamá-los para fazer algum procedimento, por exemplo. Em 2012 foi criado um estúdio profissional com mesa de som, todo equipado para transmitir uma programação e também para ampliar esse sinal para outras unidades”, explica Felipe Sampaio, jornalista responsável pela rádio.
Atualmente o projeto pioneiro conta com 18 programas funcionando de segunda a sexta, das 8 às 17 horas. Enviando simultaneamente o sinal via internet, a rádio atinge não apenas a população carcerária, que escuta a rádio por meio das caixas de som instaladas em vivências e corredores das unidades penitenciárias, mas, também, os servidores que podem escutar a rádio via intranet (rede interna de comunicação).
Além de fonte de conteúdos importantes e meio de comunicação entre a direção das penitenciárias e os internos, a Rádio Livre também funciona como meio de comunicação entre os presos e suas famílias. “Funciona assim: vamos até o presídio e os internos entregam bilhetes com recados. Em um dia, em apenas uma vivência do presídio, recebemos em média 200 bilhetinhos com mensagens. Para você ter ideia, um único presídio tem, em média, seis vivências. Então são muitos recados, a gente às vezes não consegue dar conta”, aponta Felipe.
Como um serviço de tele mensagem, os três responsáveis pela rádio ligam para o familiar do detento e entregam o recado. Há, ainda, a possibilidade de o destinatário responder a mensagem, de forma que sua resposta é transmitida no ar, dentro da programação da rádio.
“Outro meio de comunicação usando a rádio é a caixa de recados que cada presídio tem na portaria. Nessas caixas o familiar deposita o recado, nós passamos recolhendo e depois lemos as mensagens para os detentos. Outro modo de se comunicar é o telefone da rádio, o nosso e-mail e, agora, o nosso whatsapp. Com essa nova ferramenta o familiar pode enviar uma mensagem toda pronta, gravada em áudio, inclusive, o que permite o detento escutar a voz do remetente”, destaca.
Restaurando vidas
A história do primeiro programa da Rádio Livre e do seu realizador ajuda a entender a trajetória do meio de comunicação. O pastor Nelson Massambani conta, com orgulho, que o programa Celebrando Restauração nasceu da iniciativa de um único membro da igreja onde ele é líder de ministério.
“A igreja Batista Central tinha naquela época um projeto chamado Pontes para a Liberdade e entre os muitos ponto de interesses do projeto estava justamente a rádio via web, que, naquele momento era a única coisa que poderíamos colocar em prática”, conta.
E foi assim que nasceu a muda que daria, algumas anos depois, origem à rádio apadrinhada pela Secretaria da Justiça. “O nosso programa foi o primeiro a ir ao ar e o único por muito tempo. Lembro que no começo a rádio funcionava em um estúdio pequenininho, lá no colégio Kerigma, no bairro São João do Tauape. Naquela época Rodrigo Moraes ia nas unidades carcerárias e deixava os computadores funcionando para então voltar para o colégio e gravar o programa”, relembra.
Mesmo sem nunca ter sido locutor ou ter tido qualquer contato com rádio anteriormente, o pastor encarou a responsabilidade de ser participante ativo do projeto. “E com o envolvimento da Secretaria que as portas se abriram de fato para a rádio. A Rádio Livre ganhou audiência e um status muito lindo. Tornou-se, de fato, uma política pública como imaginávamos”, exclama o religioso.
Hoje o pastor é envolvido não apenas com o programa Celebrando Restauração, no qual desenvolve o programa de 12 passos para a reabilitação da população carcerária, mas, também, na realização de mutirões e ações dentro dos presídios.
Os frutos do trabalho realizado podem se encontrados no discurso de Nelson e Felipe. Enquanto o religioso assiste egressos procurarem a igreja após cumprirem suas penas, o jornalista assiste presos encontrarem a paz e o carinho da família por meio das ondas do rádio.
“Em 2014 nós fizemos uma ação que eu nunca mais vou esquecer. Foi a ação Rádio Livre. Naquela época tinha um rapaz que estava preso na tranca, que geralmente é aplicada para aqueles detentos com mau comportamento. E a mãe desse rapaz mandava recado para ele pela rádio todos os dias. E no dia da ação nós decidimos fazer uma homenagem para ela. Realizamos o encontro desse preso com a mãe após 4 meses sem sequer ouvirem a voz um do outro”, conta.
O resultado veio poucos dias depois, conta Felipe. “Dias depois essa mãe ligou para a rádio e disse que o filho tinha saído da tranca, tinha melhorado o comportamento, que passou a ser reconhecido pelo nome lá dentro e não mais por interno. Além de ter transformado o modo como ele passou a tratar a mãe e os amigos. Esse é um dos exemplos que a gente confere todos os dias na Rádio Livre e que é muito gratificante”, encerra.
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