Além de
criar a figura do jornalista de nível médio, edital estabelece regras gerais
pelas quais seis meses de estágio supervisionado valem mais do que quatro anos
de faculdade e a mesma coisa que um mestrado lato senso
O edital
nº 01/2012, lançado em 06 de junho de 2012 pelo Instituto de Pesquisa da Amazônia
– INPA, órgão ligado ao ministério de Ciências e Tecnologia, chama a atenção
pelo seu inusitado. O organismo privilegia em sua seleção pessoas com pouca ou
nenhuma formação acadêmica, mas com experiência prática em detrimentos de
diplomados. Pelo menos, é isso que está acontecendo na seleção de jornalistas
que atuarão no órgão divulgando a Ciência e Tecnologia desenvolvida na
Amazônia.
O edital
seleciona 91 profissionais de diversas áreas. Duas delas são para a contratação
de Técnico de Comunicação Social. São duas vagas: sendo uma para deficiente
físico. O salário é de R$ 2.546,13.
Até ai
tudo bem.
Mas,
talvez influenciado pela decisão do Supremo Tribunal Federal em tornar
inconstitucional a exigência de curso superior em Jornalismo para o exercício
da profissão de jornalista, o instituto pretende selecionar algo que não
existe: jornalista de nível médio. E contrariamente ao que decidiu o STF ele
exige do candidato nível médio completo ou diploma de técnico de Comunicação
Social.
Vejam as exigências
de formação profissional:
"Pré-requisitos:
Ensino médio completo e mínimo de 1 (um) ano atuando na área de comunicação social
ou ensino médio completo e curso Técnico na área de Comunicação Social.
Pela
decisão do STF, a exigência de qualquer formação acadêmica é considerada
inconstitucional, pois ela fere, na visão da Corte, a liberdade de expressão.
Além disso, inexiste curso técnico de Comunicação Social reconhecido no Brasil.
Outra curiosidade: ao contrário das normas tradicionais dos editais de
concursos, não há exigência que o diploma do candidato seja reconhecido pela
autoridade competente, nem é exigido o registro profissional, que não foi
afetado pela decisão do STF.
Numa
área tão especializada, como é o campo da divulgação científica, seria
altamente temerário optar por alguém que apenas completou o secundário. O
edital do INPA traz distorções altamente negativas para o próprio poder público
e, conseqüentemente, para a sociedade, que fica privada de informações de boa
qualidade. Como delegar a divulgação de temas tão complexos como biodiversidade
a quem possui apenas o nível médio? O concurso, ao contrário, deveria exigir
jornalistas com especialização em jornalismo científico ou ambiental.
Embora
aceite “profissionais” que só acabaram o secundário, o INPA exigirá deles
conhecimentos que só são ministrados nas escolas superiores de Jornalismo e, em
alguns casos, nas de Relações Públicas, profissão regulamentada em lei que
exige formação universitária.
Confira
as exigências para a prova do concurso:
"Articulação
dos códigos comunicacionais nas novas mídias. As diversas formas de jornalismo
(on-line, rádiojornalismo, telejornalismo, comunitário, documentário) e seu papel
no mundo global. Perfil do jornalismo com o advento das novas tecnologias.
Tipos de reportagem e de entrevista. Titulação. Edição: sistemas de fechamento,
possibilidades técnicas (selos, tarjas, infografia, fios, olhos, olhos-legenda,
textos-legenda, ilhas, boxes, quadros, inserts fotográficos, retículas). O
texto jornalístico - características: a estrutura da notícia. Números e siglas.
Uso correto da língua portuguesa. Jornalismo Institucional: 1) A produção da
notícia e as rotinas da assessoria de imprensa. O papel do assessor.
Atendimento à imprensa. Técnicas de redação. Sugestões de pauta, releases e
artigos. Organização de entrevistas. Produtos de uma assessoria de imprensa.
Mecanismos de controle da informação.
2) Pauta
institucional.
3) Canais e
estratégias de comunicação interna.
4) Métodos
e técnicas de pesquisa.
5)
Comunicação pública.
6) Jornalismo
público.
7) Veículos
de comunicação internos e externos.
8)
Clipping, clipping eletrônico.
9) Produção
de releases, comunicados e notas oficiais."
É possível que as regras
definidas pelo edital sejam fruto de alguma política simplista de economia de
recursos. Como dito anteriormente, o salário oferecido é de R$ 2.546,13. Se optasse pelo certo, selecionar jornalistas
com formação de nível superior, o salário a ser pago pelo INPA seria quase três
vezes maior, chegando a R$ 7.017,92. Estará o governo federal inventando uma subcategoria
de jornalista, de nível médio, apenas para gastar menos? Pagar salários menores
em detrimento da eficiência profissional? Estamos falando de servidor
que vai entrar para os quadros permanentes da instituição com a missão de
divulgar os avanços científicos do Brasil.
A
confusão do edital ainda vai mais longe, ao misturar tarefas de profissionais
de comunicação com as de técnico em computação. Diz o texto que os selecionados
serão responsáveis por:
"Elaborar
conteúdos jornalísticos; realizar entrevistas; usar mídias de interesse para
projeção de informação; preparar textos e planilhas em ambientes computacionais;
auxiliar usuários."
Num momento em que o governo federal busca
romper as fronteiras da ciência, não será avaliado o conhecimento de nenhuma
língua estrangeira. Nem Inglês, Francês ou Espanhol. Nada, os secundaristas nem
precisarão dominar as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, já em
vigor. O edital informa que elas não serão consideradas.
Outra lambança do
edital do INPA se refere à prova de títulos. Se o candidato possuir uma
graduação universitária na área da vaga – e esta deve ser a maioria dos cargos
dos jornalistas formados que desejarem entrar no concurso – ganhará pelos seus
quatro anos de faculdade 3 pontos. Agora se o candidato for ainda um estudante
de Jornalismo ou mesmo um secundarista e já tiver realizado um estágio de
apenas seis meses de duração em qualquer atividade de comunicação social,
ganhará de 5 a
10 pontos.
Estas regras são
iguais para todas as vagas de Técnico, não apenas de Comunicação. Por elas,
pode se concluir que na visão do INPA, seis meses de estágio valem mais do que
quatro anos de graduação.
Pior!
Para o INPA, um estágio vale a mesma coisa em
termos de pontos do que um mestrado lato senso. Em outras palavras, um
comunicador formado e com mestrado em jornalismo científico ou ambiental terá as
mesmas vantagens de um candidato que abandonou os estudos após o ensino médio e
que freqüentou uma redação ou uma emissora de rádio durante seis meses.
Como se vê o edital
nº 01/2012, lançado em 06 de junho de 2012, prioriza o prático em detrimento da
formação acadêmica. Ter critérios seletivos assim no setor privado já seria uma
insensatez. No setor público e num espaço onde o objetivo é apoiar a ciência no
Brasil, chega-se até a levantar suspeitas, se tal edital, cheio de descalabros,
não teria sido elaborado na medida de beneficiar algum amigo do rei. Tarefa de
investigação para o Sindicato dos Jornalistas do Amazonas e para a Federação
Nacional dos Jornalistas – Fenaj, bem como para o Ministério Público.
Se você Jornalista,
e deseja saber mais sobre este concurso, o edital está disponível aqui.
Um comentário:
Chico, pelo jeito o pessoal do INPA não quer saber de profissionais com formação e especialização na área. Preferem contratar semi-profissionais, com metade da formação, pagando metade do salário. Certamente, o resultado de tudo isso também será pela metade.
Luiz Carlos Padilha
MBA em Gestão de Comunicação Pública e Empresarial (SC)
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