Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo e Pátria Latina:
Até 25 de janeiro de 2011 os usuários do Facebook em todo o mundo tinham postado 90 bilhões de fotos. O ritmo era, então, de 6 bilhões de fotos mensais. Estimativa mais recente fala em 150 bilhões de fotos.No Instagram, serviço que permite postar fotos em mídias sociais a partir de celulares e Ipads, 60 fotos sobem por segundo.
O Flickr, hospedeiro de imagens, tem 6 bilhões de fotos em seus servidores. O número de blogs hospedados no Tumblr, que muitos usam para exibir fotos, é de 40 milhões. O YouTube atingiu 1 trilhão de vídeos assistidos. Mais do que nunca, a imagem se sobrepõe ao conteúdo. A impressão à reflexão. Zapeamos nossa atenção entre milhares de mensagens, todos os dias.
Vi em ação, nos Estados Unidos, um dos gurus da imagem do ex-presidente Ronald Reagan. Ele ajeitava todos os cenários das aparições públicas do presidente. Quando Reagan ia ao Oeste, por exemplo, aparecia de chapéu e roupa de caubói, ao lado de fardos de feno. O marqueteiro argumentava, então, que não se importava com o conteúdo do texto narrado por repórteres na TV. Mesmo que o texto fosse crítico, as imagens se sobrepunham. Os repórteres de TV eventualmente falavam mal de Reagan, mas lá estava o presidente, sorridente, bem iluminado, esbanjando confiança.
Desde então, o poder da imagem se multiplicou. Há um exército disponível para disseminar as imagens com as quais concorda ou não concorda: os usuários das redes sociais. Não foi por acaso que os jornais repetiram sem parar a imagem de Lula, Fernando Haddad e Paulo Maluf, na casa deste. Fizeram isso e depois a Folha foi medir a rejeição à aliança PT-PP. Entre eleitores do PT, teria sido de 64%.
Pronto, o círculo completo: a impressão da imagem confirmada pela pesquisa. Não é de hoje que imagem e pesquisas governam nossa política. Aprendemos com o Reagan.
O PT terá agora 1m43s diários, proporcionados pela aliança com Maluf, para desfazer a imagem. José Serra esteve duas vezes na casa de Maluf para costurar a mesma aliança que acabou fechada com o PT. Aparentemente, não se deixou fotografar. O que me lembra de outro episódio, este durante a crise da dívida externa brasileira.
No governo Sarney, Bresser Pereira foi ministro da Fazenda. O Brasil vinha da moratória e tentava obter condições melhores para pagamento da dívida. Bresser foi a Washington conversar com o secretário do Tesouro, James Baker. Em geral, as autoridades norte-americanas abriam as reuniões com uma photo opportunity, ou seja, uma oportunidade para que fotógrafos e cinegrafistas registrassem o encontro. A proposta de Bresser era de que os bancos dessem ao Brasil um desconto no principal da dívida (ideia mais tarde incorporada ao Plano Brady).
Eu esperava Bresser do lado de fora do prédio. Chovia em Washington. Baker não só não permitiu o registro do encontro, como divulgou uma nota quando Bresser ainda descia as escadarias do prédio do Tesouro. A proposta brasileira, dizia a nota, era “non-starter”, ou seja, não dava nem para conversar a respeito.
Testemunhei isso em muitas outras ocasiões, especialmente envolvendo autoridades dos Estados Unidos em reuniões bilaterais nas Nações Unidas. O controle da imagem como forma de mandar um recado. Quem “estava bem na foto” saia sorridente com o presidente ou com o (a) secretário (a) de Estado. Quem não estava, ficava sem a imagem para poder mostrar ao público, em casa.
A edição mais recente da New York Review of Books tem uma foto muito interessante de Slavoj Zizek, deitado no quarto de seu apartamento, na Eslovênia. Atrás dele, um daqueles cartazes clássicos de Josef Stalin, com o uniforme branco de marechal. Considerando que ninguém faria a foto no quarto de uma casa sem autorização do dono, ou seja, de Zizek, achei a escolha intrigante. Vamos combinar que ninguém quer sair na foto com Stalin.
Zizek é um pensador de grande produção intelectual, parte dela disseminada via Facebook. O texto que acompanha a foto, de John Gray, basicamente diz que as ideias de Zizek não trazem um conteúdo definitivo, como se o movimento fosse mais importante que as ideias em si.
Diz a crítica:
“Com a ordem capitalista prevalente consciente de que enfrenta problemas mas é incapaz de conceber alternativas práticas, o radicalismo sem forma de Zizek é idealmente adequado para uma cultura paralisada pelo espetáculo de sua própria fragilidade. Que exista isomorfismo entre o pensamento de Zizek e o capitalismo contemporâneo não é surpreendente. Afinal, apenas uma economia como a que existe hoje poderia produzir um pensador como Zizek. O papel de pensador público global que Zizek assume emergiu junto com o aparato da mídia e a cultura da celebridade que é integral ao atual modo de expansão capitalista”.
E mais:
“Em um estupendo feito de superprodução intelectual, Zizek criou uma crítica fantasmática da ordem atual, uma crítica que alega repudiar praticamente tudo o que existe e de certa forma repudia, mas que ao mesmo tempo reproduz o dinamismo compulsivo e sem propósito que ele identifica nas operações do capitalismo. Alcançando uma substância enganosa pela reiteração sem fim de uma visão essencialmente vazia, o trabalho de Zizek — que bem ilustra os princípios da lógica paraconsistente — no fim representa menos que nada”.
É mais ou menos a reprise de Che, o revolucionário, como mercadoria. Com o advento das mídias sociais, de certa forma, somos todos Che. Temos nossos 15 minutos de fama, para alegria — e fortuna — do Mark Zuckerberg.
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