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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Governos se mobilizam contra o download ilegal na internet

Maija Palmer, Salamander Davoudi e Joseph Menn, do Financial Times

Piratas condenados no Reino Unido do século 18 eram enforcados à beira-mar na maré baixa e abandonados até três marés cobrirem seus cadáveres.
Os piratas digitais atuais enfrentam medidas menos draconianas, mas as propostas apresentadas nesta semana pelo governo britânico, de cortar o acesso à internet dos suspeitos de baixar ilegalmente material com direito autoral, criaram alvoroço. A medida representa uma grande mudança de posição, enviando a mensagem de uma postura mais punitiva
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Dowmload ilegal é um dos grandes desafios da indústria do entretenimento em todo o mundo.

Em junho, o governo tinha esboçado um plano mais gradual, sob o qual os provedores de internet escreveriam para os acusados de infringir direitos autorais. Se essas medidas não funcionassem em um ano, a Ofcom, o órgão regulador das comunicações, receberia poderes para cortar o acesso à web. Agora parece que o governo não está disposto a ver se a abordagem branda funcionará e quer imediatamente o poder de desconectar.
A mudança de política é relevante para mais de 1,5 bilhão de usuários de internet em todo o mundo, que cada vez mais têm acesso a músicas e filmes online. A legalidade de compartilhar arquivos de música e vídeo online continua sendo uma área cinzenta, onde muitas pessoas estão deliberadamente, e muitas outras sem saber, violando a lei. Estima-se que mais de 7 milhões de pessoas apenas no Reino Unido utilizem sites ilegais de compartilhamento de arquivos.
Mas após 10 anos de lobby persistente, as indústrias fonográfica e cinematográfica finalmente parecem ter conquistado um poderoso aliado no governo. Lorde Mandelson, o secretário dos Negócios do Reino Unido, está liderando o esforço para regulamentação da troca de arquivos. Importantes figuras da indústria, como Lucian Grainge, chefe da Universal Music International, foram influentes em fazer como que o governo agisse. Ele é um dos embaixadores das indústrias de entretenimento junto ao governo. Ele também integra o grupo de indústrias de entretenimento do partido Conservador, de oposição, que as pesquisas de opinião sugerem que vencerá a próxima eleição geral.
Há um crescente senso de que os executivos das indústrias fonográfica e cinematográfica estão começando a atrair a atenção de políticos de todo o mundo - um senso refletido na especulação em torno do encontro entre lorde Mandelson e David Geffen, o magnata da mídia de Hollywood e crítico do compartilhamento de arquivos online, em férias em Corfu neste mês. O gabinete de lorde Mandelson diz que eles não discutiram o assunto.
O presidente Nicolas Sarkozy - casado com Carla Bruni, uma cantora - deu forte apoio pessoal à lei proposta francesa de direitos autorais pela internet, que incluiria um artigo de "três faltas e está excluído", que cortaria o acesso à web de suspeitos de pirataria.
Uma lei semelhante está sendo discutida na Nova Zelândia. Taiwan, Coreia do Sul e Itália já implantaram penas duras para o compartilhamento de arquivos. A Suécia adotou uma lei neste ano que permite a desconexão daqueles que persistem no download ilegal. Estudos iniciais indicam que a prática caiu 40% no primeiro mês após a adoção da lei.
O fato da indústria cinematográfica e da indústria fonográfica estarem perdendo para os piratas também pode estar influenciando a política do governo. A ameaça ficou clara neste ano, quando o lançamento de "Wolverine", da 20th Century Fox, foi sabotado pela circulação de uma cópia ilegal na internet, um mês antes do filme chegar aos cinemas. "A indústria cinematográfica tem feito um lobby pesado. Ela é muito maior do que a indústria fonográfica e tem muito mais a perder. É muito mais barato produzir um álbum do que produzir um filme", disse Gregor Pryor, sócio da Reed Smith, um escritório de advocacia. Mas pode ser que o realismo econômico, mais do que o charme dos magnatas da música, tenha levado os políticos a agir. "Pode ter sido a percepção de que o Reino Unido é uma nação pós-industrial e que sua única vantagem competitiva está na propriedade intelectual", disse Iain Connor, sócio do escritório de advocacia Pinsent Masons. "O Reino Unido está tendo seus recursos drenados." "A base manufatureira britânica se foi", concordou Cliff Fluet, sócio da Lewis Silkin. "Veja onde ganhamos nosso dinheiro. Os formatos são um grande negócio. Veja (o empresário de talentos) Simon Cowell. Se não tivermos proteção, então não teremos nada." As indústrias de entretenimento contribuem com 112,5 bilhões de libras em receita para a economia britânica, o equivalente a 8% do produto interno bruto, e empregam 1,9 milhão de pessoas. A pirataria custa à indústria cinematográfica 268 milhões de libras por ano, segundo a Respect for Film. Ela custou à indústria fonográfica 180 milhões de libras em 2008, segundo a British Phonographic Industry. Em todo o mundo, estima-se que o número de arquivos baixados ilegalmente no ano passado tenha sido de 40 bilhões. Para cada faixa comprada online, 20 foram baixadas ilegalmente no ano passado, segundo a IFPI, o lobby internacional da indústria fonográfica. Mas não se sabe se a nova vontade política se traduzirá em uma lei eficiente. Grupos de pressão já estão analisando como desafiar as medidas propostas pelo Reino Unido. O Partido Pirata, que defende o compartilhamento de arquivos e faz lobby por uma lei de direitos autorais menos restritiva, já se estabeleceu em nove países - incluindo a Suécia, onde já conquistou uma cadeira no Parlamento. A lei francesa proposta das "três faltas" também foi descartada pelo conselho constitucional em junho, com base na liberdade de expressão e pressuposição de inocência. As propostas de corte da conexão de banda larga também podem ser consideradas ilegais segundo a lei da União Europeia. A legislação proposta de telecomunicações da UE inclui uma cláusula que declara que o acesso à internet é um direito humano fundamental. A decisão de cortar o acesso, portanto, pode não ser tomada por um provedor de internet. Há confusão em torno de quanto a lei pode exigir de um provedor de internet, disse Innocenzo Genna, um membro do conselho da EuroIspa, grupo que representa os provedores de serviço de internet europeus. Segundo a lei europeia, as empresas de internet só seriam responsabilizadas por hospedar conteúdo ilegal, e não por permitir que seus clientes o vejam. "Os detentores de direitos estão confusos em relação às duas responsabilidades, e estão tentando obter mais dos provedores de internet do que as diretrizes europeias permitem", disse Genna. Charles Dunstone, presidente-executivo da Carphone Warehouse, um dos maiores provedores britânicos, disse: "Nós vamos lutar (contra sermos forçados a desconectar os clientes) o máximo que pudermos. Nosso dever fundamental é proteger os direitos de nossos assinantes".A indústria fonográfica considera esses argumentos um modo de evitar a responsabilidade. John Kennedy, presidente-executivo da IFPI, a organização que representa a indústria em todo o mundo, disse: "Não está santificado em qualquer lei em qualquer parte que alguém tem o direito de roubar músicas, filmes e livros. Há uma crise na economia, e além do respeito aos direitos, nós temos que pensar na economia e nos empregos". De fato, as propostas de telecomunicações em Bruxelas ainda não foram adotadas e ainda podem sofrer mudanças. "Nós estamos em um estado de fluxo sobre o que cabe aos regimes nacionais e o que cabe a Bruxelas. Setembro e outubro (quando os parlamentares retornarão ao trabalho) serão meses interessantes para ver como isso se desdobrará", disse Young.Nos Estados Unidos, a questão tem um perfil político menor, com a indústria fonográfica concentrada em obter a cooperação voluntária dos provedores de internet. Ela deixou de processar indivíduos que compartilham arquivos em agosto de 2008, no que disse ser um "ato de boa fé" visando estimular as negociações com os provedores. As grandes gravadoras pediram aos grandes provedores que imponham uma sobretaxa mensal obrigatória aos clientes para acesso a acervos de música aprovados e transmitam alertas aos piratas antes de cortar o acesso dos infratores reincidentes. Nenhum plano foi finalizado, levando alguns na indústria a concluírem que nunca conseguirão botá-lo em prática. Um punhado de provedores, entretanto, como a AT&T e Verizon, concordou em transmitir os alertas. Mas nenhum provedor está cortando o acesso. "Nós não afastaremos clientes por causa disso", disse o porta-voz da AT&T, Fletcher Cook. Vários casos na Justiça podem ajudar a esclarecer a posição legal a respeito da pirataria na Europa. Na Irlanda, os provedores UPC e BT Ireland se recusaram a atender aos pedidos das gravadoras de cortar o acesso dos suspeitos de pirataria. Eles argumentam que a lei irlandesa não exige que eles façam isso, de forma que cabe aos juízes decidirem. O processo da L'Oréal contra o eBay, por não fazer o bastante para impedir que produtos de beleza falsificados fossem oferecidos no site, foi encaminhado ao Tribunal Europeu de Justiça. Definir quanto o site de leilão online deve fazer para combater a oferta de produtos ilegais teria implicações para os sites de compartilhamento de arquivos e provedores de Internet. Os avanços na tecnologia significam que piratas determinados sempre encontrarão uma forma de evitar a detecção. Redes privadas virtuais, por exemplo, permitem que as pessoas mascarem sua identidade, e a assinatura destes sites pode custar apenas 4 euros por mês. Há também uma nova geração de "dark nets" - redes privadas de computadores usadas para compartilhamento de arquivos. Alguns argumentam que a chegada de mais sites legais de download de filmes e música reduzirá a longo prazo a pirataria com mais eficácia do que leis draconianas. "A pirataria é um sinal de um mercado que não está sendo atendido, mas agora há abundância de sites legais entre os quais escolher, o que remove o argumento moral dos piratas", disse Fluet. O alto perfil político da questão também pode ajudar. Os executivos da indústria dizem que está ficando claro para o público em geral que essas práticas são ilegais. Entretanto, a mudança de comportamento pode levar tempo. A era dourada da pirataria marítima chegou ao fim no início do século 18, após a Marinha Real ter fortalecido seus poderes - mas a batalha levou várias décadas. Apesar de seus aliados políticos poderosos, as indústrias de entretenimento poderão enfrentar uma batalha igualmente longa. Reportagem adicional de Tim Bradshaw e Jim Pickard Tradução: George El Khouri Andolfato

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