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sexta-feira, 6 de abril de 2012

“A imagem do Irã apresentada pela imprensa ocidental não nos deixa contentes”, diz embaixador


Por Eduardo Sá, no blog Fazendo Media e no Iran News

Para dar voz aos iranianos e quebrar estereótipos fabricados pela mídia ocidental, entidades da sociedade civil convidaram o embaixador do Irã no Brasil, Mohammad Ali GhanezadegEzavladi, para conversar com intelectuais, artistas e jornalistas na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro. O auditório ficou lotado durante o evento, que ocorreu na última quinta-feira (29) e contou com a presença da cantora Beth Carvalho.
Ezabadi fez um pequeno discurso e em seguida respondeu a todas as perguntas do público presente que, em sua maioria, era simpatizante do Irã. Bomba nuclear, holocausto, repressão às mulheres, relação do Irã com o Brasil, cobertura da mídia, dentre outros temas, foram analisados pelo diplomata. O Fazendo Media reproduz a seguir, com pequenos cortes para facilitar a leitura, os principais assuntos abordados durante a palestra.

Discurso de Mohammad Ali Ezayladi antes das perguntas

É importante que nós iranianos consigamos nos apresentar, porque infelizmente as notícias que são divulgadas sobre o Irã são tão escuras que às vezes escondem o país. Somos um país com 70 milhões de habitantes, um dos criadores de uma das três civilizações mundiais. Quero falar sobre a atualidade e de um país que há 33 anos a população fez uma revolução com o objetivo de não servir aos poderesos e grandes potências. Preciso anunciar essa independência, a soberania desse país, pois assim que começamos a mostrar isso apareceram problemas. Foi um caminho escolhido por nós, e à luz dessa determinação iraniana avançamos e conquistamos muitos espaços e desenvolvimento. Pelos dados das instituições internacionais, sobre atividades científicas no mundo, o Irã registrou grande média em nível mundial. Em estudos de nanotecnologia ficamos em 12º lugar no mundo, células tronco 6º país, e somos o único país islâmico que conseguiu lançar um satélite para órbita. Criamos boas condições para nossa população em diversos níveis, e a educação se tornou prioridade em nosso país. O nível da população estudantil era de 150 mil, e hoje depois da revolução é de 4 milhões estudantes universitários. Não era permitido estudar eletrônica e física nuclear, e até campos específicos da medicina, mas hoje podemos criar e educar doutorados da física atômica. Hoje é grande honra para nosso país. Apesar da propaganda contra o programa nuclear iraniano, nunca direcionamos nosso estudo para fins que não sejam pacíficos. A história mostra que países que produziam 10 mil bombas atômicas tiveram colapso e não conseguiram avançar. O nosso poder atual e a nossa vontade política e científica é para o desenvolvimento do país. Essa determinação é mais forte que mil bombas atômicas. Paralelamente, enfatizo que não existe doutrina iraniana para fabricar bombas atômicas. Quem tem uma noção sobre as doutrinas, sabe que há um decreto de nossos líderes proibindo o uso e produção atômica.
Hoje em dia fabricamos medicamentos com novas composições, e nossas mulheres estão presentes em diversos campos sociais. Seria interessante ouvir isso, 67% da população estudantil são mulheres. Elas estão em campos diferentes das universidades, no parlamento e em campos diferentes da socieade, como mortoristas de ônibus, por exemplo. Mas somos acusados de não respeitarmos os direitos das mulheres. Nós estamos determinados no caminho que escolhemos para o desenvolvimento e nossa soberania, e não privar ou abandonar o que é nosso direito. Nesse ponto de vista temos um parceiro sincero, que é o Brasil. São muitas semelhanças entre nós, certamente nosso papel a desempenhar no mundo será muito grande e essencial. Para além dos campos políticos e econômicos, eu acho que no de petróleo os dois países podem estabelecer e aumentar sua relação de contatos. A invasão do Iraque e problemas no Afeganistão, a presença americana nesses territórios tem a ver com o petróleo. O uso excessivo desse produto motiva os EUA e outros países a querer dominar o mundo e seus recursos. O Irã é o segundo país do mundo em gás natural e primeiro em petróleo, e somos o primeiro em nível de hidrocarbonetos. Haverá uma grande repercussão no mundo se conseguimos juntar esses recursos e tecnologias com o Brasil. No futuro certamente a energia será um ponto final das conversas.

Ter uma bomba significa poder, inclusive geopolítico. O país não precisa ter a bomba pronta, e sim todas as condições que fazem ela estar pronta em período muito reduzido. O Irã está nessa condição?

Isso é um slogan dos EUA sobre o desenvolvimento da tecnologia no Irã. Nós desenvolvemos a energia nuclear para fins pacíficos. Não acreditamos que possuir uma bomba atômica ou fabricar a bomba atômica seja capaz de oferecer segurança para qualquer país. Vejam o caso da ex-URSS. O país possuía muitas bombas atômicas e isso não impediu o colapso do regime. A África do Sul, com todo o seu arsenal atômico, não conseguiu enfrentar as grandes manifestações que colocaram fim ao Apartheid. Nós acreditamos que a segurança de um país está assegurada pela justiça social, pela distribuição da riqueza para o povo, nas posições firmes da nação.

A mídia pouco se detém nos mercenários que geram a discórdia e guerra em países como Síria e Líbia, por exemplo.  O Irã faz parte da estratégia de longo prazo dos EUA para deter a expansão chinesa?

Aquilo que está acontecendo em nossa região, no Oriente Médio e norte da África, o desejo dos EUA foi nesse sentido mas hoje é uma coisa diferente.  O que está acontecendo não é uma primavera árabe, mas sim um despertar islâmico nessa região. O slogan e os movimentos começam pelos centros islâmicos, pelas mesquitas, é o lema dessas manifestações de rua. Até nas eleições foram eleitos movimentos islâmicos. Isso faz de certa forma os EUA se afastar cada vez mais dessa região, basta olhar para a situação do Egito. Eles queriam assegurar o [Hosni] Mubarak, mas não conseguiram. Tentaram segurar a estrutura do país seguida por ele e o exército que foi treinado e educado por eles, mas também não conseguiram chegar a esses objetivos. Quem tem a primeira palavra nesse país agora é o povo. Os EUA estão fracassados em várias situações na região, como no Iraque e Afeganistão. Eles gastaram mais de 4 trilhões de dólares no Iraque e Afeganistão, e qual foi a conquista nesse processo? Perderam mais de 6 mil soldados, deixaram mais de 70 mil feridos nessa presença. Essa é nossa visão: o futuro pertence à população, ao povo desses países.

A mídia corporativa coloca o Irã sempre no índex como um país que não quer a paz. Vários jornais o apresentam de formas estereotipadas e manipuladas. Como o país se preocupa com sua imagem que é passada, sobretudo na América Latina? E na questão do holocausto propagado pela mídia, gostaria que você falasse dos judeus que moram no Irã e, inclusive, praticam religião com liberdade e estão no parlamento.

Nada melhor do que a verdade para reparar estes danos causados pela campanha de difamação a qual meu país tem enfrentado, em nível mundial. A imagem do Irã, apresentada pela imprensa ocidental, não nos deixa contentes. Basta olhar para história contemporânea iraniana: nunca invadimos nenhum país, nunca tivemos um conflito sequer iniciado pelo Irã. Todos podem comprovar que nestes últimos 30 anos, não houve um atentado terrorista no qual o Irã estivesse por trás, nunca foi comprovado isso. Nos atentados de 11 de setembro, será que o Irã estava atrás de tudo isso? Alguém ouviu falar ou leu uma notícia de que um judeu, em qualquer parte do mundo, foi assassinado por um iraniano? Não temos nada contra os judeus. Historicamente o povo iraniano salvou o povo judeu e isso foi registrado na nossa história. O povo judeu está concentrado no Estado de Israel, mas há uma comunidade grande de judeus que vive no Irã. São mais de 20 mil judeus em nosso país, e é tão importante que tem representantes no nosso parlamento. Consideramos os judeus que convivem em nosso país como nossos irmãos, temos uma convivência muito pacífica com essas pessoas.

O Irã tem uma companhia iraniana estatal de petróleo. É a única empresa que atua em todos os campos de petróleo do país? Há algum país ocidental que deixou de comprar petróleo do Irã?

A companhia não é a única na área de petróleo no Irã, mas é a única estatal iraniana trabalhando na área de petróleo. Baseado pela legislação e nossa constituição, não é permitido passar operações up stream para empresas privadas. Mas as down stream estão com empresas privadas no Irã. Nós já vendemos o petróleo produzido no Irã para os próximos 6 meses, muitas empresas no mundo trabalham com petróleo iraniano. Dois países não recebem nosso petróleo, foi restrição por parte do Irã e não por parte deles. Aliás, a União Européia aprovou essas sanções do petróleo iraniano no início do mês de julho, mas antes disso decidimos não vender para a França e Inglaterra.
Existem algumas companhias estrangeiras trabalhando no Irã, inclusive a Petrobras. Um ponto delicado nessas sanções contra o petróleo iraniano, é que existe grande propaganda por parte dos EUA em avançar contra nosso país e verificamos que, em qualquer ponto enquanto o interesse deles estavam em causa, eles emitiam autorizações especificas para suas empresas trabalharem com o Irã. Foram emitidas mais de 10 autorizações de trabalhar empresas suas com parcerias iranianas, e muitas exigem que empresas abandonem o petróleo do Irã. Eles ainda acham que o mercado iraniano pertence a eles e não querem outras companhias em nosso território. A mensagem que podemos enviar à Petrobras é que o momento atual é o ideal para o Brasil trabalhar no Irã.

A presença do Lula no Irã foi muito importante naquele momento.  E o Irã também se dispôs a ajudá-lo na sua saúde com a tecnologia que tem. A Dilma, por sua vez, diz que não se aceita nenhuma restrição ao Irã fazer energia nuclear. Como você enxerga isso?

Na minha opinião, foi um grande trabalho e corajoso ato político feito pelo ex presidente Lula da Silva entrar na questão nuclear iraniana. Porque os poderosos do mundo não têm interesse de deixar o Brasil entrar nessas questões mundiais. Mas eu acho que se o Brasil pretende demonstrar que é um país emergente e quer participar, ele tem que entrar. A atuação do Lula nesse momento foi muito inteligente, bem pensada. Nós estruturamos nossas relações bilaterais nesse momento, e assinamos muitos documentos em campos diferentes. Em três pontos podemos desenvolver nossas relações: científico e tecnológico, pode ser até na área de nano e biotecnologia, aeroespacial, medicina, estudos das células troncos, por exemplo. Até no campo nuclear pode ser motivo de aumentar nossas cooperações. Os campos de fabricação de medicamentos com novas composições ou na área de agricultura, que também são muito importantes para os dois países. O segundo campo é o de petróleo, o Irã tem uma história de mais de 110 anos na tecnologia dessa área e somos experientes nos estudos da terra. Sabemos da experiência brasileira no mar e áreas profundas, acho que nossas experiências podem se complementar e desenvolver outro campo de interação. Está previsto investimento de 48 bilhões na área de refinaria, 50 bilhões na petroquímica e 35 bilhões de dólares na de indústria de gás. Esses são os campos que podemos contar com a parceria brasileira. O teceiro campo que podemos aumentar nossas cooperações é na troca de técnicos e profissionais, muitos profissionais iranianos vão para países ocidentais. O programa da Dilma Ciências sem fronteiras é onde podemos aumentar nossa troca entre profissionais e estudantes dos dois países. No mês passado o Irã conseguiu desenvolver a produção de etanol no país, e também transformar o gás natural para uso industrial. Apenas três países, África do Sul, Noruega e EUA possuem essa tecnologia de tornar gás natural como gás líquido. Existe disposição do Irã de trocar essa experiência com nossos amigos brasileiros.

Como é a política iraniana em relação à Síria, pois parece um aspecto bastante delicado o que vem ocorrendo ali e não fica clara qual é a posição de vocês.

Primeiro quero explicar a diferença da Síria em relação aos outros países. Estão passando armamentos a alguns grupos que estão nesse país, que atacam fazendo com que a polícia ataque a população. Nos atos governamentais contra esses grupos terroristas foram pegos integrantes de 5 países estrangeiros, que eu não quero identificar mas estão atuando na Síria. O que está acontecendo lá não é um desejo da maioria da população desse país, é de alguns grupos que estão sendo apoiados por países ocidentais, principalmente os EUA. O exército e as forças armadas continuam apoiando o presidente, assim como suas agências de inteligência. Os diplomatas da Síria no estrangeiro apoiam o governo. No campo religioso e sua elite ainda continuam defendendo o presidente, e o governo conta ainda com grande apoio da maioria da população. Mas isso não significa que defendemos as reformas que estão acontecendo nesse país, nós defendemos que as reformas têm que aumentar a participação da população. Há certos exageros nos acontecimentos na Síria por parte da mídia.

Aqui no Brasil se valoriza muito a mulher, e lá recentemente uma mulher foi apedrejada. Gostaria que você explicasse como é feito isso? E quem manda no Irã, o Ahmadinejad ou o Conselho Islâmico?

Baseado na constituição iraniana, logo a seguir ao líder supremo religioso do país o segundo mais importante é o presidente da república. Em relação à condenação de apedrejamento no Irã, essa não é uma informação exata e precisa. Essa mulher não foi condenada a apedrejamento em nosso país, e ninguém nunca foi condenado a isso. Essa cidadã que você falou é uma senhora acusada de homicídio que praticou contra o seu marido, e por causa dessa acusação se encontra na prisão. Mas eu esperava que nosso irmão também falasse sobre o assassinato de 16 inocentes mortos por soldados americanos no Afeganistão. Ou, por exemplo, o ataque de forças americanas em festas de casamento, matando inocentes, pois temos que falar dessas pessoas também. Nós acreditamos que os povos da região têm que decidir sobre o seu destino, sobre o seu futuro. Estamos contra a intervenção dos poderosos nos assuntos internos de qualquer país.

Foi marcada a negociação entre o Irã e o chamado P5 + 1 (cinco potências do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha)? Há expectativa de acordo dessa vez que leve à suspensão das sanções? E você considera que a relação com o governo Dilma se manteve no mesmo nível? Porque o Ahmadinejad não veio ao Brasil quando veio na América Latina.

Nós achamos que o diálogo e as negociações são o único meio de resolver a questão nuclear iraniana, e estamos otimistas sobre o resultado dessas conversas. E, aliás, não devemos pensar de outra forma sobre essas negociações. Acho que fazer previsões antes de sair o resultado não é um ato correto, e sabemos também que até chegar ao objetivo final temos muito trabalho pela frente.
Uma comparação entre Lula e Dilma: nós registramos um aumento na relação com o Brasil com o governo Dilma. Não encontramos diferença nas posições do Brasil, e os dois países continuam trabalhando. O Ahmadinejad não visitou porque não estava na agenda visitar o Brasil quando veio, mas certamente vocês verão no futuro a sua visita.

Ao longo da história da civilização árabe islâmica se bem houve conflito entre os xiitas e sunitas, com o colonialismo uma das ferramentas de fomentar sua inserção e a dominação é provocar e instigar as diferenças sectárias. Fizeram isso com o império otomano e continuam a fazer. Até que ponto é possível restabelecer o tecido social entre esses setores?

Concordo na convivência das comunidades. Há várias facetas dentro do islamismo, nós também achamos que todos os acontecimentos no passado que aumentaram a diferenciação desses grupos foram propiciados pelo colonialismo. Achamos que as comunidades islâmicas estão no caminho de se integrarem melhor. Certamente o Egito do futuro vai se aproximar mais do Irã. E também temos que ter atenção que os instrumentos dos colonizadores se tornam cada vez mais complexos. Propagandas de imprensa, guerras de imprensa, são desenvolvidas por eles. Nossa comunidade não pode ficar nessa armadilha que eles querem criar.

Israel tem manifestado que está no plano do governo interferir no projeto nuclear iraniano. O governo iraniano acredita que essa manifestação é só pró forma ou existe a possibilidade de ataque como no passado?

Israel não tem coragem de atacar o Irã, e o nosso líder da revolução disse que qualquer ataque ao Irã a resposta vai ser no mesmo nível. Essas ameaças não são novas. Há 30 anos as ouvimos. De certa forma, chegamos ao limite de nossa paciência. Ameaças têm que ser respondidas com ameaças. Os israelitas não querem concretizar as palavras que dizem que nosso presidente está falando sobre eles [que Israel deve ser varrido do mapa]. Se formos atacados, nossos mísseis darão uma resposta forte.

Os EUA usaram o argumento que o Iraque tinha armas de destruição em massa para invadir esse país. O Irã tem investido muito na área de tecnologia, mas qual tem sido seu esforço na área da comunicação para mostrar ao mundo que essa imagem, principalmente que os EUA mostram, não corresponde à realidade?

Nosso inimigo usou muito bem os meios de comunicação, e de certa forma existem algumas debilidades de nossa parte de fazer com o mesmo instrumento. Mas estamos investindo para melhorar essa falha, atualmente nós temos 17 canais de TV e três deles são internacionais. Um transmite programas em inglês, outro em espanhol e mais um em árabe. Queria enfatizar também que na questão do holocausto, quando o nosso presidente falou nisso fez 3 perguntas: será que aconteceu o holocausto ou não aconteceu? Se é um fato histórico e aconteceu, por que é proibido estudá-lo? Porque estudiosos até na Europa quando falam nisso são condenados? Segunda pergunta: será que aconteceu holocausto na europa ou no Oriente Médio? Se isso aconteceu na Europa, por que os povos de outras regiões têm que pagar por isso? Será que essas perguntas não têm lógica? É irracional? Será que por causa dessas perguntas gerou tantas polêmicas? Nunca fomos contra o povo judeu. Historicamente, o povo iraniano é conhecido como defensor do povo judeu. Aqueles que dizem ser democratas nao podiam aceitar essas perguntas e respondê-las

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