Embora mais da metade dos jornalistas no Brasil sejam do sexo feminino, na hora de definir as fontes de informações, a mídia “esquece” as mulheres. Elas representaram apenas 24% das pessoas ouvidas, lidas ou vistas em jornais, televisão e rádio
Publicado anteriormente no Misto Brasília
O jornalista especializado em temas científicos Ed Yong percebeu há dois anos que suas reportagens continham uma distorção. Inspirado pela autora Adrienne LaFrance, sua colega na revista The Atlantic, que examinou o desequilíbrio de gênero em seus textos, ele analisou seu próprio trabalho e descobriu que, nas 23 reportagens que havia escrito desde janeiro, apenas 24% das pessoas citadas eram mulheres. Era preciso mudar sua forma de trabalhar.
"Eu acho que a tarefa dos jornalistas não é apenas refletir sobre o que está acontecendo na sociedade. Eles também têm a responsabilidade de se manifestar sobre essas questões", diz Yong à Agência DW.
"Nós criamos um mundo ao nosso redor por meio das histórias que escrevemos, além de informar sobre esse mundo. Adrienne expressou isso muito bem em seu texto quando constatou que estava contribuindo ativamente para um mundo em que as vozes das mulheres eram subestimadas. E suas contribuições, minimizadas. Esse não é um mundo no qual eu quero viver e com o qual quero contribuir."
Embora mais de metade da população mundial seja do sexo feminino, mulheres e meninas são sub-representadas na mídia. Os homens não apenas dominam o setor de imprensa, estabelecendo os objetivos editoriais, produzindo reportagens e expressando suas opiniões como especialistas: eles também são os protagonistas das histórias contadas.
As conclusões de Yong sobre seu próprio trabalho refletem a situação nos meios de comunicação em todo o mundo.
As mulheres também representaram apenas 24% das pessoas ouvidas, lidas ou vistas em notícias de jornais, televisão e rádio em 2015, de acordo com um relatório do Projeto de Monitoramento Global de Mídia (GMMP, na sigla em inglês) que abordou a desigualdade de gênero no noticiário.
A proporção se manteve a mesma de um relatório anterior do GMMP publicado em 2010. Ela também é comparável com outros estudos sobre a representação das mulheres na mídia. As estatísticas são semelhantes na própria Deutsche Welle.
Faltam realmente especialistas? - A jornalista americana Lauren Bohn enfrenta o desequilíbrio de gênero na mídia desde que se mudou para o Egito e começou a cobrir o Oriente Médio. Enquanto a Primavera Árabe varria a região, ela ficou impressionada com a falta de mulheres nas reportagens sobre as revoltas.
"Embora existissem tantas mulheres que pudessem opinar na Praça Tahrir ou na Síria ou na Tunísia, por algum motivo em minhas próprias reportagens – mesmo eu sendo tão consciente –, a maioria das pessoas citadas eram homens. E a maioria desses homens citados não eram apenas homens brancos, mas geralmente estavam em Washington ou em Nova York”, diz.
A partir daí ela começou a se esforçar para incluir mais mulheres em seu trabalho. Mas logo descobriu que buscar mulheres como fontes simplesmente não era suficiente.
"Lembro-me de perguntar a opinião de uma mulher egípcia, que tinha um doutorado de uma escola de elite ocidental e que tinha feito pesquisas de campo em toda a região, e ela me disse: ‘Esta não é minha área de especialização'. Lembro-me de responder: ‘Se essa não é sua área de especialização, não sei de quem então é essa área de especialização'.”
"Por outro lado, sempre que eu recorria a um homem, ele se prontificava não apenas a me fornecer opiniões, mas também para dar um ponto de vista condescendente, como se estivesse pronto para escrever um livro sobre um assunto que havia surgido apenas uma hora antes”.
Essas ideias levaram Bohn e o pesquisador turco-americano Elmira Bayrasli a iniciar o Foreign Policy Interrupted, um programa de bolsas de estudo e uma plataforma educacional que busca mudar a proporção de homens para mulheres falando sobre questões de política externa na mídia.
O programa reúne jornalistas e especialistas, editores, produtores, grupos de reflexão e organizadores de conferências e oferece treinamento de mídia e workshops sobre escrita e publicação de reportagens. O boletim semanal do grupo coloca em destaque o trabalho feito por mulheres e dissipa argumentos como, por exemplo, que não há especialistas em Coreia do Norte.
Quinze minutos a mais - Yong decidiu corrigir a relação homem-mulher em seu trabalho acompanhando seu progresso em uma planilha, enquanto buscava as pessoas certas, as mulheres certas, para incluir em suas reportagens. Isso acabou demandando um pouco mais de tempo, contou ele, foram mais ou menos 15 minutos extras para procurar especificamente por mulheres a serem incluídas nas reportagens. Mas, segundo Yong, isso não foi difícil. Após quatro meses de esforço extra, ele conseguiu aumentar a proporção de vozes femininas para 50%.
"Eu acho que os homens deveriam assumir a responsabilidade por coisas como esta de forma séria. Se você considera que os homens superam em número as mulheres nas redações e contam com todos os tipos de vantagens estruturais na mídia, assim como o fato de que as fontes masculinas são mais numerosas que as femininas, parece lógico apontar que os homens têm uma responsabilidade maior de corrigir esse desequilíbrio”.
Além da responsabilidade, o tema também deveria ser de interesse dos homens, afirma Lauren Bohn.
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