O jornalista e radialista Victor Hugo Morales afirma ter sido demitido por pressão do presidente argentino, Mauricio Macri. |
Por Bruno Cirillo, do Ópera Mundi
'Estamos presenciando uma adulteração feroz da democracia' na Argentina, diz Victor Hugo Morales, demitido da rádio onde trabalhou por 30 anos após posse de Macri.
O jornalista e radialista Victor
Hugo Morales foi demitido numa segunda-feira, 11 de janeiro, um mês após
Mauricio Macri assumir a presidência da Argentina. Voz crítica do atual
governo, que considera “o rosto do grupo Clarín”, Morales foi dispensado pela
Rádio Continental, a terceira mais ouvida do país, pouco antes do início do seu
programa matinal. Ele teve alguns minutos para se despedir da audiência que
liderava, após 30 anos de trabalho. No dia seguinte, milhares de
pessoas protestaram contra sua demissão na Praça de Maio, no centro de
Buenos Aires.
Victor Hugo Morales (centro, ao microfone) durante protesto contra sua demissão em Buenos Aires. |
O locutor recebeu Opera
Mundi em seu apartamento na avenida do Libertador, zona nobre da
capital, localizado a duas quadras de onde vive Macri. Por coincidência,
naquele dia (21 de janeiro), o vizinho presidencial estava em Davos, na Suíça,
buscando potenciais investidores e uma aproximação com o premiê britânico,
David Cameron, durante o Fórum Econômico Mundial. “Mais uma vez, a Argentina
está do lado do Fundo Monetário Internacional”, lamentou Morales. “O país está
recuperando a proteção do FMI e sua credibilidade com a bancada internacional,
em uma nova relação com o poder financeiro. Ao mesmo tempo, aqui, há uma falta
de respeito brutal com os valores da república e da democracia.”
Para criar um ambiente propício a
investimentos estrangeiros, Macri está se valendo de velhas receitas
neoliberais: redução das taxas para a exportação de produtos agropecuários; fim
da restrição à compra de moeda estrangeira (o que já derrubou o peso argentino
ante o dólar); abertura para as importações, que eram restritas até então; e a
retirada dos limites para grandes operações de crédito e para a entrada de
capital especulativo no país.
No entanto, a população está
presenciando o que Morales considera “um panorama político bastante pobre”, com
a demissão em massa de funcionários públicos; a prisão arbitrária da líder política Milagro Sala;
repressões violentas a protestos (o que não acontecia no governo anterior); a
nomeação de dois magistrados para a Corte Suprema de Justiça, sem o aval do
Legislativo; e o cerceamento da Lei dos Meios com a assinatura de cinco
decretos presidenciais – no total, foram 260 canetadas do presidente somente no
primeiro mês de sua gestão.
O que sucede, segundo o jornalista,
“é um claro entorpecimento das funções do Estado, com 12 ou 14 empresas
importantes designando suas funções, a partir de lobbies”. Sua principal
crítica na área econômica vai contra a abertura comercial. Segundo ele, a
ex-presidente Cristina Kirchner conseguiu manter estável o nível de emprego ao
fortalecer do mercado interno, restringindo as importações – de fato, nas ruas
de Buenos Aires, o desemprego não parece ser uma preocupação maior do que a
inflação, que se mantém em 30% ao ano. “Abrir as portas para as importações vai
ser completamente devastador para a economia argentina”, acredita Morales.
“Para os macristas, há uma
recuperação da forma de desenvolvimento que eles conhecem, em que o impulsor é
o FMI. Tudo o que está acontecendo com a Europa, na Espanha por exemplo, tem a
ver com o FMI; o que já viveu a economia da América Latina [entre as décadas de
1980 e 1990] tem a ver com o FMI. É a reaparição de um modelo que trabalha à
revelia do povo”, observa Morales, considerado “peronista” por uma colega da
rádio onde trabalhava – o peronismo é uma corrente política da esquerda dos
anos 1940 e 1950 à qual parte significativa da população argentina é fiel até
hoje. “É a chegada da direita ao poder por via democrática, algo que nunca
havia ocorrido na Argentina. A direita sempre teve que apelar para as
ditaduras. Estamos presenciando uma adulteração feroz da democracia”, afirma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário