Por José Carlos Sigmaringa*
O
boletim da associação que reúne os grandes empresários da comunicação no país,
a ABERT, anuncia com entusiasmo a decisão da presidente Dilma de assinar, no
próximo dia 7, decreto permitindo a migração das emissoras de rádio AM para a
faixa de FM. Elas passarão a utilizar as frequências de áudio usadas pelos
canais 5 e 6 da TV que serão desativados com a digitalização das emissões de
televisão.
Essa
é uma reivindicação antiga dos empresários das rádios AM que viram os seus
lucros minguarem após a proliferação das FM que conseguem melhor qualidade de
áudio nas suas transmissões. Essa
decisão poderá retirar das populações rurais e moradores de pequenos municípios
do interior o direito ao acesso a esse democrático meio de comunicação, o
rádio.
As
emissoras AM (que transmitem em amplitude modulada) nas faixas de OM (ondas
médias, popularmente conhecidas como AM) OT (ondas tropicais) e OC (ondas curtas)
têm como característica principal conseguir propagar o seu sinal a longas
distâncias, através da reflexão das ondas sonoras na ionosfera.
Quem
mora nesse vasto interior do Brasil só consegue ouvir rádio, durante o dia, se
a emissora transmitir em OT ou OC e à noite também as OM que, na ausência da
interferência da radiação solar, adquirem a capacidade da OC de refletir o
sinal na ionosfera, atingindo grande área de cobertura.
Por
mais que se diga que o Brasil se modernizou, essa modernidade não chegou ao
interior do país. Para se locomover, o homem da roça tem que utilizar estradas
vicinais que mais se parecem caminhos de carro de boi. Apesar das promessas dos
3 últimos presidentes (FHC, Lula e Dilma) o Programa Luz para Todos não
conseguiu iluminar vastas áreas rurais das regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste. O telefone celular só chegou às sedes dos pequenos municípios,
deixando mudas as áreas rurais, que por apresentarem baixa densidade
demográfica e moradores de baixa renda não despertam interesse das operadoras.
Internet, então, é coisa impensável. Nesse cenário sobra apenas o bom e velho
rádio AM a pilha para o sertanejo receber notícias do mundo distante e até mais
próximo, além de ser uma das poucas formas de lazer ao seu alcance.
Quando
estava no ar, a Rádio Senado Ondas Curtas, por exemplo, transmitia com
assiduidade recados de secretarias de saúde de pequenos municípios do
Tocantins, Maranhão e Piauí, Pará, Mato Grosso, Norte de Minas etc, avisando
aos moradores da zona rural para que se dirigissem a determinado povoado, em
dia determinado, porque haveria atendimento médico ou vacinação. Ou avisando
aos professores da zona rural para se dirigirem à sede do município em tal data
para participar de reunião. Sem o rádio, como o administrador faria para se
comunicar com essa população se elas não têm acesso a outro meio de
comunicação?
As
últimas estatísticas revelam que a população rural do nosso país está em torno
de 17 por cento, isso dá um contingente de cerca de 34 milhões de pessoas. É
certo que nem toda a população rural brasileira vive a situação de isolamento
descrita anteriormente, mas quantos milhões de brasileiros ficarão sem acesso
ao rádio se houver essa migração maciça das emissoras OM para FM?
As
emissoras comunitárias não preenchem essa lacuna. Por terem sido pensadas para
atingir apenas um bairro de uma grande cidade, elas são de baixa potência e,
onde elas existem, não cobrem a zona rural do município.
Que
os empresários de comunicação não queiram transmitir com prejuízo para populações
com baixo nível de renda e consumo é até compreensível, mas um governo que se
diz democrático e popular não pode governar pensando apenas nos poderosos e tem
obrigação de proteger os direitos dos mais desvalidos, isolados e sem poder de
pressão social. Essa população ficará à
margem de informações relevantes para o exercício da cidadania.
O
pior é que essa mudança de faixa de freqüência é fruto de uma postura mesquinha
e acomodada que não investe em inovação e pesquisa tecnológica. O que faz as emissoras
AM terem a capacidade de cobrir grandes áreas geográficas é a faixa de frequência
e não o modo de transmissão - amplitude modulada (AM) ou frequência modulada
(FM).
As emissoras FM em operação no país transmitem na faixa
de 87,8 MHz a 108 Megahertz. Os donos das emissoras OM querem migrar para a
faixa de FM situada logo abaixo, entre 76 a 87,6 MHz. As emissoras AM (OM, OT e
OC) funcionam em frequências mil vezes inferior na faixa de Kilohertz (de 525
KHz a 26.100 kHz) e é essa frequência
mais baixa que dá a elas a capacidade de transmitir o sinal a longas
distâncias. Em tese, essas emissoras poderiam passar a transmitir em FM nas
mesmas faixas de frequência das atuais AM. Se assim procedessem as
interferências nas transmissões diminuiriam sensivelmente e elas manteriam a
capacidade de transmitir a longas distâncias.
A
digitalização das transmissões de rádio também contribuiria para diminuir
significativamente a interferência de ruídos provocados pelas redes elétricas
no áudio das emissoras. Mas, misteriosamente,
o governo já aprovou e implantou o sistema brasileiro de TV digital, que é
tecnologicamente mais complexo, e não se decidiu por um sistema digital para o
rádio.
A
digitalização das transmissões de rádio está parada aguardando o desenlace de
uma luta renhida. A ABERT luta para submeter o país a um sistema de rádio
digital de propriedade de uma empresa privada americana, o sistema IBOC. Outros
setores preferem o DRM – Digital Radio Mondiale - desenvolvido por um consórcio
formado por empresas, pesquisadores e fabricantes de diversos países, liderado
por europeus.
Como o
Brasil é um país totalmente dependente de tecnologia importada nenhuma voz
importante se levantou, até agora, para defender o desenvolvimento de um
sistema brasileiro que atenda às necessidades nacionais e que não tenha que
pagar royalties ao exterior.
Como
repórter de rádio há 34 anos e roceiro, membro do Jalapão profundo, conclamo a
presidente Dilma e o ministro Paulo Bernardo a não permitir que a população
mais desassistida do Brasil, que já não têm acesso a estradas, saúde, educação,
telefone ou luz elétrica seja condenada a ficar, também, sem rádio, privada do
meio mais democrático de comunicação. Nem só de bolsa família vive o homem do
campo.
* Radiojornalista
e servidor público federal.
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