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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Relator da ONU vê excesso de meios comerciais na América Latina

Por Bruno Marinoni, publicado no Observatório do Direito à Comunicação

“Os conglomerados sentem que a liberdade de imprensa é a única liberdade de expressão que existe e entendem imprensa apenas como meios comerciais”, afirmou o relator especial para promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão da Organização das Nações Unidas, Frank de la Rue, em visita a São Paulo no último dia 13. Segundo ele, as grandes empresas desprezam a existência do direito de se expressar pela arte, religião e outras formas de manifestação, assim como desconsideram outras maneiras de se exercer o jornalismo, como por meios comunitários, blogs etc.

Trazido ao Brasil pela campanha “Para expressar a liberdade”, o representante da ONU defendeu durante conversa realizada com a sociedade civil, no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, que a liberdade de imprensa deve ser compreendida como parte do direito à liberdade de expressão e “o jornalismo se define pela sua função”, pelo papel que desempenha, e não por seu caráter profissional.

La Rue defendeu publicamente a Lei de Meios da Argentina, pois não vê nela a intervenção de um governo na liberdade de opinião pública, e sim uma iniciativa no sentido de equilibrar o setor ampliando a diversidade e participação. “Na América Latina tem se visto os meios de comunicação unicamente pela ótica comercial, o que é um erro”, declarou.  Para a efetivação do direito à liberdade de expressão, o relator defende que os princípios mais importantes são a “diversidade de meios” e a “pluralidade de ideias”.

O representante da ONU, que vive na Guatemala, relatou também ter recebido muitos depoimentos de jornalistas na América Latina que têm sido “acossados” pela justiça, resultando em constrangimento por meios de sanções que impedem o livre exercício de suas atividades. Ficam assim comprometidas as iniciativas de produzir informações e tecer análises críticas, fundamentais à liberdade de expressão, de forma independente. O relator da ONU defende que a difamação não seja mais tratada de forma penal, mas sim civil, garantindo assim condições para que se exerça a crítica necessária para a democracia, principalmente quando esta se dirige ao exercício de funções públicas.

Segundo Frank de La Rue a redação do artigo 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), em que consta que “todo o apelo ao ódio nacional, racial e religioso que constitua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência deve ser interditado pela lei” deveria ser estendida aos temas do gênero, infância e orientação sexual. Assim, ainda que não defenda uma regulação dos conteúdos por parte do Estado, o relator disse que considera importante criar mecanismos na sociedade para se precaver do discurso do ódio.  “O ódio não é só um sentimento, mas um sentimento que produz ação”, afirmou.

Considerando que o direito à liberdade de expressão deve ser compreendido como universal, interdependente e inter-relacionado com os demais direitos humanos, La Rue falou, durante um debate na Câmara Municipal de São Paulo na noite de quinta, que se surpreendeu com a possibilidade do Supremo Tribunal Federal de suspender a classificação indicativa.  O relator da ONU disse que compreende a proteção da infância como prioridade no cumprimento de funções do Estado e que “a própria liberdade de expressão pode estar ameaçada se ela se exerce contrariando outros direitos”.  Nesse sentido, uma política de classificação indicativa, a classificação dos horários de transmissão de determinados conteúdos, “é normal”.

sábado, 22 de maio de 2010

Opinião: O jornalismo econômico como porta-voz do capital financeiro

Bruno Lima Rocha, do portal Estratégia & Análise

Reconheço não ser algo novo quando um pesquisador faz a crítica da cobertura midiática supostamente especializada da economia. Reconheço que o tema é algo redundante e justo por isso vejo sua importância. Tampouco se trata de novidade o uso de eufemismos e do emprego do jargão “técnico” como forma de mascaramento de situações factuais dos agentes econômicos. Em se tratando de grandes investidores de base especulativa, comprando, vendendo e repassando produtos financeiros, muitas das vezes aquilo que é midiatizado encobre a ocorrência de atos criminosos. Neste texto, abordamos esse cruzamento, quando a produção de sentido gerada através do noticiário de economia, naturaliza, mascara ou alivia a letalidade dos atos premeditados de especuladores de distintas ordens de grandeza e os efeitos que causam no cotidiano de populações inteiras, tal é o caso hoje dos mais de 10 milhões de cidadãos gregos. Na atualidade, a luta entre os efeitos desse mascaramento com cumplicidade da indústria das mídias e a perspectiva do povo em movimento, tem seu campo de batalha nas ruas e praças da Grécia.

A hipótese que aqui levanto é simples. Afirmo que a maior parte da cobertura jornalística em economia oficia mais como porta-voz do capital financeiro e não como intérprete de seu acionar. E, por optar pela angulação da cumplicidade, os especialistas, colunistas e fontes da indústria da comunicação quase nunca narram o “jogo” como um cassino de roleta viciada. A contrapartida é desigual. Por vezes, a teoria da brecha jornalística se evidencia nas exceções. É quando especialistas que trabalham através da angulação crítica expõem seus pontos de vista, denunciando através de uma base factual irrefutável, a selvageria criminosa dos agentes econômico-financeiros.

Em tese o ato de especular deriva das informações fragmentadas e no risco. Desse modo, um gerente de operações de um Fundo de Investimento (hedge fund) teria a capacidade de antecipação, vendendo títulos e ações na alta e comprando-os na baixa. Nesse jogo, a aleatoriedade é a regra para evitar as fraudes. Logo, o acionar fraudulento é a combinação de vendas e compras em conjunto, manipulando o chamado comportamento de manada, quando em tese todos os investidores se moveriam na mesma direção. Além da conspiração, são formas típicas de burlar as regras: obter informação privilegiada (inside information), antecipando-se aos demais especuladores; “maquiar” balanços de modo a elevar a apreciação dos papéis; rebaixar propositadamente os títulos de um país de maneira que custe mais caro para o Estado financiar sua dívida de curto prazo; negociar de forma “exposta”, quando a capacidade de pagamentos está comprometida a ponto de não realizar-se. Todas estas “técnicas” de enriquecimento ilícito, embora usuais, são amplamente praticadas e, por sua vez, quase nada midiatizadas.

Para quem não se recorda, a primeira crise do Euro tem sua origem no acionar fraudulento das vendas e revendas, em escala mundial, dos ativos tóxicos ou sub-primes. Estes “produtos” financeiros nada mais são do que carteiras de hipotecas cujos titulares estão inadimplentes e não poderiam pagar. As duplicatas destas carteiras sem lastro, empacotadas como “produtos de risco”, foram (e são) comercializadas mundialmente, e quase sem nenhum controle. Ora, se na base não há lastro, logo não há dinheiro para remunerar. Isso é classicamente conhecido como Esquema Ponzi, e também chamado nos termos contemporâneos de pirâmide ou corrente. A hipótese de ato criminoso levando ao “estouro” da bolha imobiliária que levara à crise do capitalismo em geral, da economia estadunidense primeiro e hoje da Zona do Euro, não é apenas minha. Dezenas de especialistas difundiram essa angulação, o que poderia haver rendido centenas de reportagens investigativas. Estes seriam textos de primazia exemplar como as matérias clássicas de Bob Woodward e Carl Bernstein na cobertura do escândalo do edifício Watergate. Os dois repórteres, munidos do dever de investigadores públicos e empurrados pela coragem de suas chefias diretas, denunciaram um esquema também criminoso, o que levara à renúncia de um presidente dos Estados Unidos, o republicano Richard Nixon em 8 de agosto de 1974. Infelizmente, este caso é uma exceção honrosa e heróica, e não a regra de comportamento da indústria da comunicação e de seus trabalhadores.

Ao contrário de exagerar, também aqui estou empregando eufemismos para atenuar a contundência verbal do texto. Qualquer operador ou analista sabe que, quando há informação perfeita, não pode haver equívoco no erro e sim premeditação. Esta tese é corroborada pelo francês Jean-François Gayraud, comissário divisional para crimes financeiros (equivale ao posto de coronel) da Direction de La Surveillance Du Territoire (DST) a agência de contra-espionagem da França. Gayraud sustenta que a “crise” da bolha estadunidense foi um ato criminoso de empresas especuladoras. Seus enunciados foram publicados na contracapa da edição de 25 de setembro de 2008 do jornal La Vanguardia, da Catalunha.

Assim a possível fonte explicativa para investigar e denunciar mundialmente o crime da maior transferência de renda coletiva para cofres privados foi enunciado num conglomerado midiático e, logo após, posto ao léu, no limbo das pautas inconclusas. É a própria indústria da mídia que amortece a possível ira popular diante da ação cúmplice, entre mandantes de governos em função-chave e criminosos de colarinho branco operando com a especulação fraudulenta.

As opiniões aqui postadas são de responsabilidade de seus autores