Por originalmente em Portugal, no Observador.
Existe alguma mulher que veja a si mesma nos esteriótipos da publicidade e da imprensa?
Nunca conheci uma mulher que quase
chegasse ao orgasmo a comer um iogurte. Nunca conheci uma mulher que se ria
para a salada, ou que ficasse em êxtase ao descobrir que a roupa branca saiu da
máquina ainda mais branca. Percebo mais ou menos os anúncios glamorosos de
perfumes e afins porque até este coração de aço não está acima dos devaneios de
um mundo onde vivem só senhoras magras e lindas, que não precisam de se pentear
e cheiram a perfume o dia inteiro. Mas cá no mundo real, nunca me vi — ou
qualquer mulher que eu conheça — reflectida na ideia do sexo feminino propagada
na media, na publicidade ou nas revistas para mulheres.
Rimo-nos muito com os anúncios de
outras décadas, que nos lembram como as mulheres eram menosprezadas noutros
tempos. Mas se hoje em dia eu for retratada, enquanto mulher, como um ser que
fica deslumbrado pela notícia de que tal líquido limpa os canos do lava-loiça,
talvez nada tenha mudado demasiado.
As grandes origens das ideias do
“que é ser mulher” são as revistas para mulheres. Não as percebo. As suas dicas
para escravas de fashion, os seus conselhos para “como fazer tudo e ainda
agradar ao seu homem” e os artigos de “como viver a sua vida cheia E manter-se
bonita” não são para mim. Tenho quase a certeza de que sou mulher, mas estou-me
nas tintas para as celebridades, tenho zero interesse na moda, e desde que
passei os 12 anos, nunca precisei que ninguém me explicasse como aplicar a
maquilhagem.
Uma das coisas que as marcas, os
gurus de marketing, os publicitários inventaram foi a ideia de que nós, as
mulheres, precisamos de nos apaparicar, de nos mimar. Faz comichão no meu
cérebro a quantidade de vezes que vejo um artigo ou anúncio sobre relaxar,
mimar-se, pôr pepinos nos olhos, spas, massagens e tal.
Lembrei-me disso a semana passada
ao ouvir uma conversa sobre aparências na rádio 4, da BBC, num programa que é
uma espécie de revista de mulher — o único tipo de revista de mulher que
aguento, e nem sempre.
Nas discussões, havia sempre alguém
que dizia algo como: “e não se esqueçam, o tempo que utilizamos para aplicar
maquilhagem, pentear-nos, depilar-nos, pintar-nos as unhas, etc., etc., etc., é
muitas vezes a única altura do dia para nós, as mulheres, nos concentrarmos em
nós próprias, para nos apaparicarmos, para pensarmos em nós.” Isto foi repetido
tantas vezes que quase começámos a aceitá-lo como a verdade. Fiquei a olhar
para a rádio (ou antes, para uma janela do browser no meu écran) e a
perguntar-me quem é que pensa assim, além das gurus de aparências que
inventaram tal ideia.
Em primeiro lugar, passo cinco
minutos a aplicar maquiagem e a pentear-me, no MÁXIMO. Se este é supostamente o
único tempo no dia que tenho para me paparicar, pois estou muito mal servida
pelos serviços de paparicar que forneço a mim própria. Há outras coisas que são
supostamente um mimo para nós. Ir ao cabeleireiro é um daqueles mimos,
dizem-me. E não, não é. Ir ao cabeleireiro é uma tortura. Ser levada pela
cabeça para o lavatório, ouvir bisbilhotices de pessoas que não consigo ver,
ter de olhar para mim no espelho gigante durante uma hora ou mais, estar
embaraçada demais para dizer que o penteado que me deram é horrível – não, isto
não é um mimo. Nem ir às compras, nem ir ao spa, nem essa invenção de que ouvi
falar só no outro dia: a “festa para nos mimarmos”. Não quero imaginar que
horrores acontecem numa dessas festas.
Em segundo lugar, e mais
importante, é que não preciso de me mimar! As únicas pessoas no mundo que
precisam de mimos são as pessoas com vidas extremamente complicadas ou as
divas, e estas só se tiverem um talento que mereça um bocadinho de mimo.
Gastar tempo comigo própria é, para
mim, sinônimo de trabalhar, criar, inventar, pensar, ler, sentar-me num muro a
olhar para o mar ou beber gin com uma palhinha, de pijama, sem maquiagem e
despenteada.
Gastar tempo comigo própria,
rigorosamente, cem por cento, não é maquiar-me, pentear-me, depilar-me, ir à
massagista (nunca o fiz e, a não ser que me torne de repente numa futebolista
profissional, nunca o vou fazer), ou fazer todas essas coisas que se diz terem
o efeito de nos fazerem mais jovens, mais bonitas e mais aceitáveis neste mundo
obcecado pela juventude e pelas aparências.
Sim, claro, é só marketing e mais
uma maneira dos comerciantes nos venderem mais tralhas, mas a mensagem é tão
omnipresente, que há muita gente a achar que é a verdade, que as mulheres
precisam de atenção especial para viver. Mantêm a ideia paternalista de que as
mulheres são frágeis e delicadas.
Não somos. Nós somos muito, muito
mais forte do que parecemos.
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