Por Josiele Souza, publicado anteriormente pela Anda
No mundo há vários tipos de cultura e costumes. A televisão minimiza estas diferenças construindo modelos que não causem grande estranhamento ao telespectador. Esses modelos são os chamados estereótipos. Para transmitir uma mensagem, o veículo utiliza o estilo de esquemas. “Por exemplo, há certas características na aparência de um homem que personifica o herói de TV. Esses traços típicos são então construídos pelos idealizadores de tipos e apresentados na tela de forma acentuada”. (MARCONDES FILHO*, 1988, p. 43).
Vai-se acentuando dessa forma uma representação da realidade característica da TV. Esses traços acentuados são os chamados estereótipos. A mocinha do filme geralmente é bela e delicada; o vilão de uma novela é tão malvado e desumano que faz os telespectadores odiarem o personagem e, muitas vezes, o próprio ator.
Programas dominicais como Domingão do Faustão (exibido semanalmente pela Rede Globo) geralmente apresentam quadros que estereotipam os animais. O quadro Se vira nos 30, por exemplo, frequentemente mostra animais realizando ações humanas para entretenimento. Um exemplo apresentado no dia 1° de agosto de 2010 é o caso de um cão da raça São Bernardo “cantor” (ilustração 1). É bom lembrar também que o vencedor do Se Vira… ganha 15 mil reais, ou seja, o animal está sendo exposto e utilizado como entretenimento para concorrer a um prêmio para os seus tutores. Vale ressaltar que a definição de cantar no sentido que é conhecido no mundo humano não é transferida literalmente para o animal. Neste caso o cachorro não canta, mas uiva. Ultimamente, diversos vídeos neste estilo estão disponíveis na internet ou até mesmo na TV, mostrando animais que realizam essa tal cantoria. No quadro apresentado é fácil perceber o desconforto do animal quando a sirene do tempo esgotado toca. Até o próprio apresentador comenta sobre o barulho. Por ser um local estranho, com muitas luzes e pessoas diferentes do seu convívio, o cão mostra-se algumas vezes inquieto. Outro fato a ser comentado é o acessório utilizado pelo animal. Cães não usam gravatas, pois não possuem esta necessidade. Este acessório é mais um exemplo da humanização imposta ao animal. Neste quadro percebe-se o estereótipo utilizado. Para os telespectadores se identificarem e assistirem aquele programa é mostrado um cão que canta e usa gravata. É fácil perceber que mesmo sendo domesticados os cachorros não cantam e não possuem a necessidade de usarem acessórios. A necessidade humana é transferida ao animal para que aquele conteúdo transmitido seja captado pelo público de maneira mais simples. O telespectador ao receber estas informações não demonstra estranhamentos já que esses elementos (impostos ao cão) são naturais do dia a dia dos humanos. Programas e vídeos deste tipo reforçam a ideia de que os animais podem ser usados no entretenimento dos homens realizando ações humanas.
Os programas televisivos possuem o ritmo da vida dos trabalhadores. A televisão prolonga essa continuidade do trabalho, mesmo as pessoas estando em repouso. Para Marcondes Filho (1988, p. 24), “enquanto assiste à TV, o sujeito mantém seu ritmo de produção [...] Ansiedade e sensação de estar sempre funcionando são as neuroses permanentes que garantem ao trabalhador a impressão de ‘estar vivo’. Viver significa produzir e apresentar resultados em todos os sentidos”.
Entretanto, ao assistir um programa televisivo não há essa percepção de que o veículo transmite a ideia desta continuação de ritmo de trabalho. Isso acontece devido à linguagem utilizada. A televisão tende a reduzir as mensagens para que o telespectador receba aquele conteúdo e compreenda instantaneamente. Dessa forma, a TV tende a transmitir as mensagens e os telespectadores as recebem como reais, pois as ideias transmitidas vêm num formato definido que facilita a decodificação. Os estereótipos dão uma falsa sensação de conforto, pois não apresentam surpresas, não exigem grandes reflexões.
De acordo com Ferrés** (1998, p. 135), os estereótipos são representações sociais, institucionalizadas, reiteradas e reducionistas. São representações sociais porque pressupõem uma visão compartilhada que um coletivo social possui sobre outro coletivo social. São reiteradas porque são criadas com base na repetição. A palavra estereótipo provém, justamente, da tecnologia utilizada para a impressão jornalística, “na qual o texto é escrito em um molde rígido – na impressão em offset ou de estereótipo – que permite reproduzi-lo tantas vezes quanto se deseje” (E. Noelle Neumann, 1995, p.191). O estereótipo tem, pois, muito desse molde rígido que permite a repetição. A base da rigidez e de reiteração, os estereótipos acabam parecendo naturais; o seu objetivo é, na realidade, que não pareçam formas de discurso e sim formas da realidade. Finalmente, são reducionistas porque transformam uma realidade complexa em algo simples.
Ainda segundo Ferrés (1998), as representações audiovisuais utilizam o estereótipo como forma de amenizar a recepção das mensagens, tornando-as mais leves e seguras no momento da recepção:”Tanto nos noticiários como na ficção, o uso de estereótipos ajuda a reduzir a incerteza. Os estereótipos contribuem para potencializar a sensação de que se tem controle da realidade, de que esta pode ser conhecida, entendida, explicada, dominada. [...] A televisão ocupou o destaque, levando mais ao extremo as simplificações, porque pretende atingir audiências mais vastas. (FERRÉS, 1998, p. 137-138).
O estereótipo construído pela televisão reflete significativamente na vida dos telespectadores. Cria-se uma falsa sensação de proximidade, de intimidade com a realidade ali representada. A padronização das situações e das pessoas empobrece o cotidiano fazendo as pessoas reproduzirem aquela informação que recebem. Em matéria divulgada pela RBS TV de Santa Catarina – afiliada Rede Globo no Estado – (RBS Notícias, março/2010 – ilustração 3), por exemplo, sobre animais abandonados em Florianópolis, o conteúdo informativo falava sobre o problema do abandono de animais. Porém a matéria tinha o foco nos animais abandonados como risco para saúde humana (expressão usada pela repórter ao um minuto e trinta segundos na presente matéria).
Os canais de TV regionais quando abordam este tema caem sempre neste lugar comum: o problema do abandono de animais é secundário. A televisão tende a reduzir as informações para que a compreensão seja de maneira mais rápida pelo telespectador. A mídia, em geral, reflete o que a sociedade acredita. Entretanto, ela delimita um recorte perante aquele assunto que será abordado. No caso dos animais, por exemplo, nem todos da sociedade acreditam que o abandono é um problema de saúde pública. Porém, o recorte escolhido delimitou somente este enfoque.
A maioria das matérias veiculadas tende a mostrar o problema, achar um culpado e uma possível solução. Neste caso específico, os culpados são os animais e a possível solução é o extermínio. Este mesmo problema poderia ser falado de outra forma abordando, por exemplo, que o abandono é realizado por pessoas que jogam fora o próprio animal doméstico.
* Marcondes Filho, Ciro. Televisão: a vida pelo vídeo. SP. 1988.
** Ferrés, Joan. Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre. Artmed, 1998.
** Ferrés, Joan. Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre. Artmed, 1998.
Trecho retirado do meu TCC: A televisão e os animais – a maneira como a mídia televisiva reforça a ideia de que os animais são objetos. Disponível em josielesouza.blogspot.com
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