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terça-feira, 2 de novembro de 2010

RESCALDO DAS URNAS: A emissora pública em período eleitoral

Convido à leitura do artigo de minha autoria, na série RESCALDO DAS URNAS, intitulado A emissora pública em período eleitoral e publicado no Observatório da Imprensa, de 02/11/2010, edição nº 614, referente aos canais púbicos e as eleições.




Terça-feira, 2 de novembro de 2010 - ISSN 1519-7670 - Ano 15 - nº 614 - 2/11/2010

Jornal de Debates
RESCALDO DAS URNAS - A emissora pública em período eleitoral

Por Chico Sant´Anna em 2/11/2010*


As eleições acabaram. Mas o debate sobre o papel da mídia continua – em especial as relações da imprensa tradicional, apelidada neste processo de PIG, por possuir um suposto caráter golpista. Mas a minha análise aqui neste texto não vai focar a mídia comercial. Esta já nos é conhecida há muito tempo. Toda vez que se sente atingida por qualquer iniciativa de normatização de controle social – como acontece nas piores ditaduras do mundo, tais como França e Inglaterra –, ela grita aos quatro cantos que está sendo alvo de censura. Minha análise neste texto se volta à Empresa Brasileira de Comunicação, em especial a Rádio Nacional e a TV Brasil, e às mídias legislativas.

No cenário político-jornalístico deste ano, a grande novidade deveria ser uma proposta editorial diferenciada proporcionada pela TV Brasil, uma emissora pública custeada pelos cofres públicos, abastecidos pelos contribuintes. Contribuintes de todos os credos, torcidas e ideologias, mas a TV Brasil, a exemplo das emissoras comerciais, decidiu que só mereceriam cobertura de qualidade as candidaturas do PT, PSDB e PV. Foi necessário o inconveniente de um processo judicial para que a emissora convidasse ao programa 3 a 1 o candidato Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, e mesmo assim isso só aconteceu uns 15 dias depois de terem sido veiculados os programas com o trio presidenciável preferido pela mídia. Não tenho nem ideia se todos os demais presidenciáveis tiveram a mesma sorte de receber um convite.

A emissora pecou também no quesito regionalização da produção. Bandeira antiga dos movimentos sociais e referendada na Confecom, a regionalização da cobertura jornalística não existiu na TV Brasil, nem mesmo onde a rede conta com emissoras geradoras, que por obrigação legal devem produzir e veicular conteúdos locais. Prevaleceu o modelo comercial de rede nacional. Desta forma, as disputas eleitorais para governador, senador, deputados federais e distritais em Brasília, por exemplo, não foi alvo das objetivas do Canal 2 de Brasília, antiga TV Nacional, hoje cabeça de rede da TV Brasil. Por sinal, a emissora com este modelo centralizador não possui nem telejornal local diário. Como fazem as demais emissoras nacionais, Brasília, enquanto cidade que reúne dois milhões de habitantes, não tem importância jornalística, se o fato acontecer fora das fronteiras da Esplanada dos Ministérios. O mesmo padrão de cobertura eleitoral local deve ter acontecido no Rio de Janeiro e no Maranhão onde estão instaladas as emissoras da extinta TVE e que são geradoras da TV Brasil.

Divulgação de conteúdos frios

O exemplo da TV Nacional, canal 2, de Brasília, é importante, pois a emissora já tinha a prática de realizar debates com os candidatos ao governo do Distrito Federal, inclusive em parceria com o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal. Esta característica da extinta Radiobrás de realizar parcerias com entidades da sociedade civil em suas produções desapareceu.

A EBC tem em Brasília duas emissoras geradoras de rádio, AM e FM, sem contar com a programação em ondas curtas para a Amazônia. Também o noticiário destas emissoras ignorou as eleições locais, salvo na reta final uma entrevista com cada um dos candidatos ao Governo do Distrito Federal. A emissora poderia ter fomentado a análise do processo eleitoral, chamando, pelo menos, os candidatos ao Senado, que não passavam de uma dúzia. Por sinal, foi isso o que fez a CBN, única emissora de rádio local que nestas eleições tratou de candidaturas ao Congresso. No mais, nenhuma emissora se preocupou com os candidatos aos parlamentos local e federal. E depois, esta mesma mídia cobra do eleitor mais conhecimento e responsabilidade na hora de votar. Como saber mais, se a imprensa ignora os pretendentes, ou pelo menos, grande parte deles?

Estas reflexões também devem se voltar às emissoras parlamentares, rádio e TV Senado, Câmara e congêneres estaduais e municipais. Durante o primeiro turno das eleições, o Congresso esteve em recesso, pelo menos branco. O mesmo deve ter acontecido na maioria das Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. Não havia votações, nem sessões. Mesmo assim, as emissoras não pararam de divulgar a ação parlamentar de seus membros. Na falta de assunto novo, do factual, que é a matéria-prima do jornalismo, passaram a divulgar conteúdos frios com a presença, entrevistas e discursos de parlamentares, inclusive dos candidatos a novos cargos eletivos. Reuniões antigas de comissões foram reexibidas como se valessem a pena ver de novo. Ouvintes e telespectadores desavisados poderiam até se confundir, pensando que um determinado tema estava sendo analisado, quando, na realidade, aquilo ocorrera há semanas, ou até meses.

Espaço para conteúdos locais

A prática revela ainda um tratamento desigual entre os candidatos. Quem já tem mandato, tem direito a uma exposição na mídia legislativa durante todo o processo eleitoral. Quem não tem, fica na obscuridade. Por outro lado, quando ocorriam sessões, parlamentares aproveitavam da exposição para divulgar uma propaganda eleitoral camuflada, de si próprios ou de outrem.

A maior ficção foi a Voz do Brasil, programa que dedica meia hora – metade da sua duração – no rádio, todos os dias úteis, para registrar os feitos do Congresso Nacional. Como a maioria dos parlamentares não estaria em Brasília para feito algum, pelo menos novo, antes de irem para suas campanhas, parlamentares candidatos tinham por hábito gravar entrevistas frias, de gaveta, que seriam divulgadas à opinião pública. Trata-se de um comportamento editorial, de um método informativo que deveria, no mínimo, ser analisado sob o aspecto ético. Será correto transmitir a todos os brasileiros não apenas uma entrevista, mas programas inteiros de gaveta? Será correto passar a ideia de que há atividade legislativa, quando esta não acontece? As mídias parlamentares não deveriam ter uma proposta midiática diferente para estes momentos? Uma proposta que contribuísse para melhor informar e formar o público que é formado por cidadãos-eleitores?

Aqui vai uma sugestão – que não é minha, recebi de uma leitora do meu blog Chico Sant´Anna e a Info Com. A sugestão dela parte do princípio de que a mídia tradicional foca suas objetivas nas eleições de governador e presidente da República, ignorando os demais cargos em jogo. Assim, a ideia é que a TV e a Rádio Senado, pelo menos nas localidades onde a primeira possui canais abertos (Brasília, Salvador, João Pessoa, Recife, Fortaleza, Cuiabá, Manaus, Natal, Rio de Janeiro [Zona Oeste] e São Paulo, onde opera em canal digital), e a segunda possui emissoras locais (Brasília, Natal, Cuiabá e Fortaleza), desenvolvessem uma produção jornalística regionalizada que melhor informasse ao público sobre os candidatos ao Senado. A mesma sugestão vale para a agência de notícias e para a rádio agência de notícias. Nestas cidades poderiam acontecer, inclusive, debates entre os candidatos ao Senado. Pelo menos em um dia, ao longo de toda a campanha, a emissora poderia abrir um espaço em sua grade nacional de programas para conteúdos locais.

Uma nova proposta editorial

No caso de A Voz do Brasil, esta também poderia ter conteúdos de sua programação regionalizados por estados. Já que não há atividade em Brasília, e os políticos estão "em suas bases", por que não cobrir com critérios de igualdade o processo eleitoral regional? Poderia haver, inclusive, uma versão da parte legislativa de A Voz do Brasil para cada um das 27 Unidades da Federação. Alguns poderão considerar uma ideia louca. Ela dá trabalho, mas é tecnicamente possível e teria mais sentido jornalístico. Além disso, se cobrisse as propostas de futuros deputados e senadores – inclusive com senso crítico – cumpriria melhor o papel social de bem informar.

As saídas podem até não ser estas. Entretanto, a questão aqui, como no caso da TV Brasil, é de se definir que papel uma emissora pública deve desempenhar em período eleitoral. Certamente ela não deve ignorar todas as facetas e atores envolvidos neste processo. Ela não pode se transformar num porta-voz oficial, onde os que estão no poder ou têm mandatos são tratados ganham visibilidade e destaque e os demais são ignorados e se tornam invisíveis. Ou se encontra uma nova proposta editorial para estas mídias e programas públicos, ou estaremos reforçando o discurso de seus opositores que as consideram desnecessárias, na medida em que elas apenas copiam o que a mídia comercial, ou o PIG, como chamam alguns setores descontentes, faz.
Chico Sant'Anna é Jornalista e doutor em Comunicação e Informação
pela Universidade de Rennes 1, França
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