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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Políticas públicas dinamizam e fazem sucesso mundial a indústria nórdica de videogames.

Por Sergio Figueroa, no Ópera MundiTradução: Mari-Jô Zilveti, Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario.


Berço de fenômenos recentes como Angry Birds e Candy Crush, a Escandinávia tem se destacado nos últimos anos no setor; estúdios atraem investimentos para países de origem e empregam profissionais de várias nacionalidades.

Mario Bros. é um fenômeno cultural, a marca PlayStation é conhecida no mundo inteiro, e todo ano mais de 10 milhões de pessoas jogam Call of Duty. Mas, nos últimos tempos, surgiu um novo fenômeno nos videogames, com títulos que fazem muito barulho: Angry Birds, Battlefield, Candy Crush Saga, Clash of Clans... Todos eles têm algo em comum: foram criados na Suécia ou na Finlândia.
O Japão e os Estados Unidos dominaram a indústria de videogames desde que ela se transformou em um fenômeno de consumo de massas, com nove das dez grandes distribuidoras operando no país asiático ou nos EUA. Ao mesmo tempo, empresas europeias foram perdendo terreno, com exceção da multinacional francesa Ubisoft.  Mas, nesta década, surgiu uma nova frente: o desenvolvimento nórdico. Não que tenha surgido uma grande empresa dominante, mas sim uma rede de criação e desenvolvimento com centenas de equipes que conseguiram atrair jogadores e investidores.
Entre 2006 e 2013, o setor sueco produtor de videogames cresceu 39%, além de ter faturado 76% a mais no último ano fiscal do que no ano anterior: 752 milhões de euros [mais de 2,2 bilhões de reais], segundo o relatório anual elaborado pela Dataspelsbranschen, associação de desenvolvedores suecos. A cifra refere-se unicamente à produção, não à comercialização dos jogos.
No fim de 2013, o setor era formado por 170 empresas, e mais da metade delas foram formadas a partir de 2010. Este segmento está gerando trabalho a mais de 2.500 pessoas com contrato em tempo integral. E não para de subir, principalmente com relação às mulheres empregadas. Entre 2012 e 2013 houve uma média de acréscimo de empregos de 29%, enquanto o número de mulheres contratadas subiu 38%. Também é um setor multicultural, uma vez que em torno da criação de videogames na Suécia reúnem-se pessoas de 30 nacionalidades diferentes.
A desenvolvedora média sueca dá trabalho a 15 pessoas, fatura 4,5 milhões de euros ao ano e desenvolve games principalmente para dispositivos móveis. Por trás dessa generalização, há uma realidade na qual brilha a diversificação.
Entre estas 170 empresas há gigantes especializadas em videogames de alto orçamento para consoles tradicionais e PCs e pequenos projetos para dispositivos móveis. No entanto, a concentração é clara. As cinco maiores desenvolvedoras representam 76% do faturamento total da indústria sueca de videogames e dão emprego a 51% de todo o pessoal envolvido.
Candy Crush: febre das guloseimas virtuais foi desenvolvida pela sueca King
A Digital Illusions (conhecida como DICE) é a grande referência da região: emprega mais de 500 trabalhadores e é responsável pela franquia de jogos de ação Battlefield. Em segundo lugar vem a Massive Entertainment, com 241 funcionários. No entanto, empresas como estas não são as que estão mais ganhando dinheiro. O faturamento da DICE em 2013, 74 milhões de euros, foi apenas um terço do que conseguiram outras duas companhias, Mojang e King.
Há um fator comum entre as duas últimas: elas chegaram não apenas ao núcleo duro de tradicionais jogadores de videogame, mas ao grande público. Segundo o relatório, “os jogos mais rentáveis na App Store em 2013 foram os desenvolvidos na Suécia”; um deles é pago, o outro é gratuito. A Mojang, que obteve faturamento de 238 milhões de euros, criou o fenômeno Minecraft e conseguiu disseminá-lo em uma multidão de plataformas – em julho de 2014 já contabilizava 54 milhões de cópias vendidas. A King, que faturou 210 milhões de euros, é a proprietária do jogo Candy Crush Saga e os derivados que surgiram em seguida.
Apesar de ser um país menos povoado, na Finlândia também germinou uma indústria de videogames que continua crescendo. Suas raízes estão na Nokia, que potencializou a produção de títulos para seus telefones celulares e seu console portátil N-Gage. O primeiro grande sucesso se deu também nos celulares, com a febre Angry Birds.
Ao terminar o primeiro trimestre de 2014, havia cerca de 200 empresas de desenvolvimento de videogames no país, e quase metade delas tinha menos de dois anos de existência. Nelas trabalham cerca de 2.400 pessoas. Seu crescimento foi mais lento e gradual devido às demissões em grandes empresas como a Rovio, criadora dos passarinhos raivosos que ainda dá emprego a cerca de 650 pessoas.
O faturamento da indústria finlandesa de jogos atingiu 900 milhões de euros [2,6 bilhões de reais] em 2013, quadruplicando o valor acumulado em 2012. Aproximadamente 90% deste volume correspondem a vendas no exterior.
Diferentemente de seus vizinhos, os finlandeses não se organizaram em grandes empresas destacadas pelas multinacionais estrangeiras. Foram fundadas e cresceram como start-ups no bojo do próprio trabalho e financiamentos públicos. De todas elas, duas cresceram com especial vigor a partir de títulos gratuitos e concentram grande parte do emprego e do negócio: a Rovio, primeira a deslanchar com os Angry Birds, e a Supercell, que lhe alcançou com Clash of Clans e Hay Day.


Jovens jogam Battlefield, da desenvolvedora sueca Digital Illusions (DICE). Foto de Peter Taylor / Flickr
As companhias finlandesas também se converteram em foco de atração de dinheiro para seus países. Não se trata apenas da entrada direta com controle estrangeiro como nos casos da DICE ou da Massive. Também estão conseguindo aporte de capital. A Supercell abocanhou 1,5 bilhão de dólares [3,9 bilhões de reais] dos investidores japoneses Softbank e GungHo Entertainment.
Existe uma fórmula mágica empregada pelas empresas destes países que possa ser replicada em outros lugares do mundo?
A primeira questão é se realmente o videogame nórdico é melhor do que o que se produz em outras regiões. “Na verdade, não”, responde sem rodeios o crítico sueco Bengt Lemne, do portal europeu Gamereactor. “Para cada título bom há muitos fracassos”, explica.
Para o desenvolvedor finlandês Mikael Haveri, da Housemarque Games, “o que acontece é que algumas companhias conseguiram mais atenção nos últimos anos e, portanto, a região em geral se beneficiou”. Seu estúdio foi um dos que brilharam com seu último lançamento, o Resogun, que foi desenvolvido em conjunto com a divisão de videogames da Sony, para o console PS4.
David Polfeldt, diretor da Massive Entertainment, ouviu tantas vezes a pergunta sobre o “segredo nórdico” que inclusive tratou do tema em algumas de suas palestras. A Massive foi comprada pela gigante europeia Ubisoft para apoiar o desenvolvimento de suas grandes sagas, como o jogo Tom Clancy’s The Division, que será lançado este ano.
Ele acredita que existam componentes geográficos e culturais. “Os autênticos alicerces da indústria de videogame nórdico são: boas ferramentas, bom planejamento e confiança em pessoas que tenham visão prática”. Ele crê que as condições climatológicas da região deram lugar a uma sociedade voltada ao “pragmatismo funcional”, que se esforça para criar ferramentas de alto nível e tomar decisões bem pensadas.
Os governos dos países nórdicos também contribuíram para este boom com políticas de incentivo, apesar de haver muitas diferenças entre os países da região. Como na Dinamarca, na Finlândia as administrações facilitam o acesso a subvenções e créditos concedidos pela Tekes, agência do país para a inovação. Na Suécia, no entanto, o negócio é tratado como mais uma indústria, e neste momento as empresas obtêm menos apoio público direto.
Ao esforço de cada país é preciso acrescentar uma iniciativa coletiva da indústria da região: o órgão Nordic Game organiza eventos e conferências e serve como ponto de encontro para start-ups e trabalhadores independentes do setor. Desde sua criação, conseguiu mais de 12 milhões de euros [35 milhões de reais] dos governos da região, que contribuíram para financiar 107 projetos.
No entanto, antigos governantes suecos tomaram uma decisão que para o crítico do Gamereactor é fundamental: “Houve uma reforma no início dos anos 90 para que as famílias tivessem redução de impostos em computadores pessoais. Isso significou uma grande porcentagem de crianças que tiveram acesso a computadores, propiciando seu interesse por programação.”
Lá a criação de videogames faz parte do sistema educativo, como qualquer outro curso de formação superior. Ao terminar a graduação, muitos decidem entrar no mundo profissional com seu próprio projeto e “há exemplos de empresas fundadas em incubadoras de centros de formação que acabaram sendo bem sucedidas”, como o Coffee Stain Studios, desenvolvedor do jogo Goat Simulator. Haveri lamenta que na Suécia “o design e a programação de videogames não são tão valorizados nos currículos”.
Produzir não é suficiente, também é preciso vender. O norte da Europa se deixou influenciar mais pela cultura dos anglo-saxões do que pela centro-europeia, segundo Polfeldt, para abafar sua relação com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Isso lhes permitiu aprender “a linguagem do blockbuster, ou seja, o entretenimento de massas”.
Tecnologia, narrativa, esforço, educação e financiamento. Cinco chaves para entender o recrudescimento de uma potente indústria que, no entanto, não é uma questão de nacionalidade. Porque, no fim das contas, os grandes estúdios nestes países são pequenos mapas do mundo. Na Massive, por exemplo, um terço dos funcionários não é de origem nórdica, e entre eles há algo como 30 países representados. Gente que, como diz o chefe Polfeldt, “cresceu sem nenhuma destas influências”. 

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