Programa Carrosel, na TV Brasília, marcou época na
transmissão local de conteúdos na Capital Federal
Avaliando as chamadas “condutas anticompetitivas” nos segmentos de TV aberta e por assinatura, o Cade aponta que a estruturação em redes, para efeitos de concentração, "é negativa, pois limita a variedade de conteúdo, sendo transmitida menos programação do que existiria, se cada geradora fosse diretamente responsável pelos produtos audiovisuais transmitidos".
Por Chico Sant’Anna*
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa
A Constituição Federal definiu, após
mobilização da Fenaj, Fitert e Fitel, que a produção educativa, cultural e
jornalística no rádio e na televisão deve ser regionalizada. O artigo 221,
porém, nunca vigorou devido à falta de regulamentação. Não por falta de
iniciativas. A pressão de grandes redes midiáticas e a chamada bancada da mídia
nunca permitiram que isso acontecesse. Agora, estudo do Conselho Administrativo
de Defesa Econômica – Cade, órgão do ministério da Justiça com poder de avaliar
a existência de cartéis e monopólios na economia brasileira, pode fazer com que
a regionalização venha acontecer.
Desde 1988, a concentração da
produção midiática se exacerbou, chegando ao rádio. Pela lei, não existe emissora
repetidora de rádio. Todas são geradoras e, como tal, obrigadas a produzir
localmente seus conteúdos. O modelo da TV, contudo, migrou pro rádio. Emissoras
regionais passaram a ser simples retransmissoras da produção do Centro-Sul,
notadamente, do Rio de Janeiro e São Paulo.
Avaliando as chamadas “condutas
anticompetitivas” nos segmentos de TV aberta e por assinatura, o Cade aponta
que a estruturação em redes, para efeitos de concentração, "é negativa, pois
limita a variedade de conteúdo, sendo transmitida menos programação do que
existiria, se cada geradora fosse diretamente responsável pelos produtos
audiovisuais transmitidos".
Para o Cade, a concorrência pela
audiência das programações só ocorre entre as cabeças de rede de abrangência
nacional. "Historicamente, a última entrada significativa no mercado de
cabeças de rede nacionais se deu em 1999, com a entrada da Rede TV. Portanto,
tal mercado não é dinâmico. O mercado é também altamente verticalizado, uma vez
que para se tornar uma cabeça de rede nacional, a empresa deve atuar
simultaneamente nas etapas de transmissão de conteúdo, programação e produção
de conteúdo", aponta o órgão.
Embora o Cade não mencione, há o inciso II, do artigo 221, até hoje
desrespeitado, que prevê a produção independente que objetive a divulgação da cultura nacional e regional.
A bandeira da regionalização,
levantada na década de 80 pelos trabalhadores do setor, tinha como pano de
fundo preservar as diferentes culturas regionais, dar espaço a valores locais,
evitar a pasteurização da informação, e fomentar maior geração de emprego e
renda.
Gerações que nasceram após o
advento das transmissões via satélite não vivenciaram os telejornais locais,
que tratavam de temas locais, nacionais e internacionais. Tão pouco os
programas musicais e humorísticos das diversas cidades. Aqui mesmo no DF, a TV
Brasília embalou gerações com programas do tipo Carrossel, Quem Sabe Viaja.
Nomes como Carranquinha e Titio Darlan encantaram milhares de crianças. Hoje,
não teriam espaço na grade de programação.
Na música, valores locais como Ney
Matogrosso, Cassia Eller, Paralamas do Sucesso, dentre tantos outros, só
conseguiram vingar depois que migraram para o Rio e São Paulo e lá obter a
visibilidade midiática que só as cabeças-de-rede propiciam. Até no Jornalismo, do
Planalto Central, muita gente foi buscar espaço no Rio e São Paulo. Vide os
casos recentes de Poliana Abrita e Tadeu Schmidt, mas no passado teve também
Amália Rocha, Mauro Naves, Ana Paula Padrão, Leilane Neubarth, dentre vários e
várias outras.
Para as empresas é mais barato
produzir e mais fácil gerir uma só grade de programação, difundida
nacionalmente. Se reduz custos, este modelo diminui a oferta de trabalho, a
diversificação cultural e informativa e fortalece uma agenda temática formulada
a partir de uma única perspectiva. Com as grandes redes, o caboclo da Amazônia
sabe mais das enchentes do Tietê do que as dos igarapés amazônicos.
O Cade aponta ainda como condutas
anticompetitivas os contratos de direito de transmissão de eventos esportivos.
"Principalmente com relação ao abuso de poder econômico, abuso de posição
dominante e acordo de exclusividade". Nos anos 70, em Brasília, podia se ver
o futebol do Rio, na Globo, o paulista, na Bandeirantes, e o do Rio Grande do
Sul, na TV Nacional – hoje TV Brasil – já que os generais de plantão apreciavam
o futebol gaúcho. Hoje, na maioria dos casos, o jogo é um só para todo o Brasil.
O espectador é obrigado a torcer ou secar times que não lhe dizem nada
culturalmente.
Não se sabe até onde o Cade
pretende levar suas conclusões. Pautaria o governo a disciplinar a
regionalização da produção de rádio e TV? O momento atual, em que o Palácio do
Planalto tem se bicado com a maioria dos grandes conglomerados midiáticos, pode
ser um elemento motivador para que o Executivo proponha um novo modelo.
Pensar num país com as dimensões
do Brasil com um só cardápio de conteúdos midiáticos é ruim e joga contra a
criatividade regional. Entretanto, mudar de supetão as regras da produção
teleradiofônica, principalmente depois dos efeitos econômicos da Covid, pode
ser nocivo à maioria dos meios de comunicação e levar alguns à sucumbência.
Regulamentar o artigo 221 por “canetada”,
seja medida provisória ou norma do Cade, não seria de bom alvitre. O Congresso Nacional
é que deveria tomar à frente a responsabilidade. Junto com a regionalização, a
exemplo do que ocorre em países como a França, deveria pensar também na regulamentação
da distribuição de verbas publicitárias, públicas e privadas, para que mídias
locais, regionais e nacionais sobrevivam. Lá, canais nacionais de TV, por
exemplo, não veiculam propaganda do varejo. Essa publicidade cabe às mídias
locais, impressas, radiofônicas ou televisivas.
Mas esse é um debate mais
profundo, que fica para outro artigo.
*Chico Sant’Anna é jornalista,
documentarista e pesquisador em Comunicação, com Doutorado pela Universidade de
Rennes 1 – França. Durante a Constituinte, era vice-presidente Regional da
Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj, tendo atuado diretamente nas
gestões para a redação do Capítulo da Comunicação Social, na Constituição de
1988.
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