Tudo indica, como já se observa, que as maiores resistências à medida legislativa apontarão uma ofensa inaceitável à liberdade de expressão (ou direito-liberdade de manifestação de pensamento). O raciocínio subjacente considera que esse direito seria ilimitado no seu exercício, uma espécie de vale tudo.
Por Aldemario Araujo Castro*
“O Senado
aprovou nesta terça-feira (30/6) o texto-base do Projeto de Lei 2.630/2020, que
tem por objetivo o combate às fake news nas redes sociais. Em votação apertada,
houve aprovação pelo placar de 44 votos favoráveis a 32 contrários. (…) O texto
contraria os interesses do governo, que alega que o PL afeta a liberdade de
expressão” (Site Conjur).
O
debate em torno do referido projeto de lei ainda consumirá muita energia no
Parlamento, no Judiciário, na imprensa e na sociedade de uma forma geral.
Afinal, é preciso criar os devidos óbices institucionais para evitar a montagem
de máquinas político-empresariais voltadas para a disseminação em massa de todo
tipo de informação falsa, notadamente com escusos objetivos
político-eleitorais.
Tudo indica,
como já se observa, que as maiores resistências à medida legislativa apontarão
uma ofensa inaceitável à liberdade de expressão (ou direito-liberdade de
manifestação de pensamento). O raciocínio subjacente considera que esse direito
seria ilimitado no seu exercício, uma espécie de vale tudo.
Nessa linha,
seria possível recorrer ao texto constitucional e apontar a redação do art. 5o.,
incisos IV e IX. Afirmam os dispositivos: “é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato” e “é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença”. O art. 220 da Constituição de
1988 confirma essas definições no campo da comunicação social.
Desenhando,
como se diz popularmente, para explicar o ponto nessa inusitada ótica:
LIBERDADE
DE
EXPRESSÃO
|
Ocorre que é
lição comezinha de direito constitucional, encontrada na literatura jurídica
nacional e internacional, assim como nas decisões judiciais, a afirmação da
inexistência de direitos absolutos. É facílimo perceber que um direito, e seu
exercício, não pode ser ilimitado justamente pela existência de outros direitos
titularizados por outras pessoas naturais ou jurídicas.
Não obstante a
ausência de censura ou licença prévia para o exercício do direito-liberdade de
expressão, a fala ou escrito de alguém pode ofender, em graus diferentes,
proibições postas na ordem jurídica para proteger certos direitos e valores.
Observe-se, de início, que o anonimato é vedado pelo Texto Maior. Diz, ainda, a
Carta Magna no art. 5o., inciso X: “são invioláveis a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.
Portanto,
alguém pode falar ou escrever o que quiser (não existe censura ou licença
prévia). Entretanto, pode ser responsabilizado nas esferas administrativa,
civil e penal pelos ilícitos cometidos (ofensas a direitos de terceiros
contidas na fala ou no escrito).
Mais uma vez
desenhando, sem esgotamento das hipóteses de limitações à liberdade de
expressão:
Anonimato
vedado
(art. 5o.,
IV da CF)
|
Calúnia
(art. 138 do
CP)
|
Difamação
(art. 139 do
CP)
|
Racismo e
outras discriminações
(art. 5o.,
XLI e XLII da CF)
|
LIBERDADE
DE
EXPRESSÃO
|
Injúria
(art. 140 do
CP)
|
Contra
a ordem
democrática e o Estado de Direito
(art. 5o.,
XLIV da CF)
|
Ameaça
(art. 147 do
CP)
|
Incitação ao
crime
(art. 286 do
CP)
|
Universo das falas e escritos
possíveis. CF. Constituição Federal CP. Código Penal
Os exemplos
aludidos apresentam, no Código Penal, os seguintes formatos jurídicos:
- a- caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime;
- b - difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação;
- c - injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro;
- d - ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave;
- e - incitar, publicamente, a prática de crime.
Não existe
nenhuma novidade ou raciocínio elaborado nessas singelas linhas. São cânones
elementares do convívio humano civilizado. Mas aí está o núcleo dos problemas.
Convivemos com indivíduos, instalados no centro do poder político, que: a)
perambulam nas trevas; b) destilam ódios e preconceitos; c) não respeitam a
ordem democrática e d) não evoluíram da barbárie.
Nesse triste
contexto, as lições básicas do respeito à dignidade humana precisam ser
afirmadas e reafirmadas. Os limites impostos para a convivência humana reclamam
explicitações (“precisa desenhar?) para obtenção de alguma compreensão, por
menor que seja.
*Advogado, Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional
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