Por Carla Spegiorin
O teatro musical no Brasil tem uma tradição que remonta ao século XIX, em especial nas últimas décadas daquele século e nas primeiras do XX. Autores como Arthur Azevedo, Moreira Sampaio e tantos outros, em colaboração com maestros de nomes hoje pouco lembrados (entre eles, Nicolino Milano e Assis Pacheco), movimentaram o Rio de Janeiro com seus espetáculos musicais e produziram as chamadas enchentes, isto é, motivaram grandes plateias com espetáculos de fato populares. No entanto, no Brasil, as publicações de dramaturgia musical são escassas, muito menos do que se imagina. Vivendo de brisa (ed. Perspectiva), oitavo livro de Fernando Marques, professor de artes cênicas da UnB e um dos maiores especialistas em teatro musical no país, chega às livrarias neste mês de dezembro, trazendo um passeio pelos musicais brasileiros. A autor tem pós-doutorado em Literatura e História na Universidade de Lisboa com pesquisa sobre ideias humanistas.
Os musicais políticos dos anos 1960 e 1970, tem um amplo repertório: de Chico Buarque, há Calabar, Gota d’água e Ópera do malandro; de Dias Gomes, há O rei de Ramos e Vargas. A comédia Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, encenada pelo Grupo Opinião em 1966, foi reeditada neste ano de 2024. De Maria Adelaide Amaral, em homenagem de 2001 à compositora Chiquinha Gonzaga, temos Ó abre alas.
No entanto, raras vezes essas publicações incluem a música, exceção feita à Ópera do malandro apenas quanto às partituras, que aparecem no final do volume (a edição da Ópera é de 1978, e a peça não foi reeditada). No caso dessas peças de Chico Buarque e parceiros (Ruy Guerra no caso de Calabar, Paulo Pontes no de Gota d’água), há gravação das canções. Também existem edições bem recentes de trabalhos do Núcleo Experimental de Teatro, companhia de São Paulo, mas o registro das músicas, na maioria das vezes, limita-se às partituras.
Chiquinha Gonzaga atuou a partir de 1885 (foi a primeira mulher a reger uma orquestra no país). Entre 1885 e 1933, ela musicou nada menos que 77 peças teatrais de vários gêneros (operetas, comédias, revistas). Foi a compositora das canções de Forrobodó, texto de Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt, opereta que obteve um enorme sucesso: foram 1500 apresentações a partir da estreia em 1912. Em 1939, o erudito-popular Radamés Gnatalli teve êxito com a orquestração que fez para Aquarela do Brasil, samba-exaltação de Ary Barroso, tendo regido as orquestras das rádios Mayrink Veiga e Nacional no espetáculo Joujoux e balangandãs, exibido no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Em meados do século, surge uma nova geração de autores, atores, diretores e compositores: Dias Gomes, Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Edu Lobo, Geni Marcondes, depois Chico Buarque, Francis Hime. "Hoje, os musicais no Brasil oscilam entre a sedução do espetáculo norte-americano – que deve ser conhecido, é claro, mas não imitado – e as fontes brasileiras, ricas e antigas o bastante para inspirar o novo, que vem acontecendo também com a incorporação de fontes afro-brasileiras. O campo dos musicais é vasto e merece ser meditado", explica Fernando Marques.
O livro
Vivendo de brisa (Ed. Perspectiva), de Marques, é uma obra que procura preencher a escassez de publicações voltadas à dramaturgia musical brasileira, em especial sobre esse período riquíssimo conhecido como a Era de Ouro do rádio, quando este veículo se popularizou e tornou-se um meio de entretenimento no país inteiro.
A publicação contém 13 canções autorais e inéditas e o leitor é convidado a apontar seu celular para o QR code e se entregar ao ritmo de samba-canção, samba sincopado, fox, frevo, baião e valsa. Vivendo de brisa é para ser lido e ouvido.
O texto, entremeado por canções que estão nas plataformas e no livro, conta a trajetória de um compositor negro, de origem humilde, que busca se lançar como artista profissional, fazer sucesso e ascender socialmente no Rio de Janeiro. Inspirada livremente nas figuras do fluminense Wilson Baptista (1913-1968) e do mineiro Geraldo Pereira (1918-1955), o enredo retrata a ascensão e a queda do compositor e malandro Geraldo de Matos. À época, para obter sucesso muitos compositores precisavam dividir a autoria de seus sambas com intérpretes famosos para conseguir tocar suas músicas nas rádios.
Os diálogos astutos, carregados de expressões da época, deixam claro para o leitor qual era o contexto político, social e cultural vigente – a história se passa do final da década de 1930 até meados dos anos 40, em plena Era Vargas. No desenrolar, o que se vê é um personagem sempre na corda bamba, dividido entre dois amores, que encanta com seus belos sambas, mas que desperta a indignação com seu comportamento sorrateiro e antiético.
– "Situar o enredo nesse momento histórico é uma escolha estratégica (...), pois direciona o foco de atenção do leitor e do espectador para uma era em que o rádio havia se estabelecido como o grande veículo de massas, e em que o mercado cultural ia pouco a pouco se configurando e deixando suas marcas na fisionomia do país", assinala, na quarta capa do livro, a professora e pesquisadora da USP Maria Silvia Betti.
O autor
José Fernando Marques de Freitas Filho é professor do Departamento de Artes Cênicas da UnB na área de Teoria Teatral, jornalista, escritor e compositor.
Fez pós-doutorado em Literatura e História na Universidade de Lisboa com pesquisa sobre ideias humanistas (2017/2018). Publicou os livros Retratos de mulher (poemas, Varanda, 2001); Últimos: comédia musical em dois atos (livro-CD, Perspectiva, 2008); Contos canhotos (LGE, 2010); Zé: peça em um ato (Perspectiva, 2003; 2ª. ed.: É Realizações, 2013); Com os séculos nos olhos: teatro musical e político no Brasil dos anos 1960 e 1970 (Perspectiva, 2014); e A província dos diamantes: ensaios sobre teatro (Autêntica/Siglaviva, 2016). Autor da comédia A quatro, encenada em Brasília em 2008, e das canções do CD De cor (2014), da cantora Wilzy Carioca. Colaborações em jornais como Correio Braziliense, Folha de S.Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo, revistas como Folhetim e Cult e sites como Teatrojornal.
Ficha técnica
(álbum): Vivendo de brisa, canções da comédia musical
Composições, voz e violão: Fernando Marques
Piano, baixo, arranjos e direção musical: José Cabrera
Violão: Jaime Ernest Dias
Percussão: Jorge Macarrão
Cantores convidados: George Durand, Indiana Nomma, Laura Lobo e Roger
Vieira
Gravação, mixagem e masterização: George Durand (Durand Estúdio –
Produção & Música). | Ano: 2023/2024
Serviço | Lançamento do livro Vivendo de brisa: a história inventada do compositor Geraldo de Matos
Autor: Fernando Marques
Data: quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
Horário: 19h
Local: Livraria da Travessa, Casa Park, Brasília (DF)
Editora: Perspectiva | 176 páginas
Preço: R$ 52,40