domingo, 19 de fevereiro de 2012

Marketeiros brasileiros comandam campanhas eleitoriais na Venezuela

De O Globo



A democracia consolidada, uma estrela chamada Luiz Inácio Lula da Silva, os bons profissionais e os anos de possibilidade de se adquirir know-how veiculando propaganda eleitoral gratuitamente fizeram o Brasil começar a exportar marketing político para a América Latina. 
E na Venezuela, que deve enfrentar até o dia 7 de outubro a campanha presidencial mais agitada e incerta do ano na região, duelarão dois brasileiros: o baiano João Santana, marqueteiro de Lula e Dilma, e o carioca Renato Pereira, responsável pelas campanhas do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes. Santana deve desembarcar em Caracas esta semana para fechar contrato e começar a trabalhar com o presidente Hugo Chávez — e rumores dão conta de que o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, irá auxiliá-lo. Mas, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO na capital venezuelana, uma equipe do marqueteiro já dá expediente no país. Já o rival de Chávez, Henrique Capriles, contratou a dupla Renato Pereira e Chico Mendez para criar sua estratégia de comunicação.
— O slogan escolhido foi "Há um caminho", para frisar que os venezuelanos têm uma alternativa a Chávez. Nossa estratégia é a da não confrontação: Henrique valoriza o que presidente fez de bom, mas diz que ele pode fazer melhor, tanto que usamos muito também outras frases: "Arriba Venezuela", "Alguma coisa boa está passando". Daí, o conceito do material de campanha foi sendo criado a partir disso — conta Pereira, lembrando que, ao contrário do Brasil, a propaganda política é paga na Venezuela.
Relatos vindos de Caracas dão conta das dificuldades que qualquer opositor tem para enfrentar o forte aparato chavista de comunicação, que controla dezenas de emissoras de TV e rádio, além de contar com milhões de dólares excedentes toda vez que o preço do barril do petróleo aumenta. É impossível, por exemplo, anunciar nas redes públicas. A campanha de Capriles, no entanto, pôde — durante a campanha das primárias da semana passada — anunciar na Venevisión, TV do magnata Gustavo Cisneros. De crítico a Chávez, Cisneros passou a adotar uma política não combativa ao governo para, segundo rumores, sua emissora, a de maior audiência da Venezuela, não ter o mesmo destino da RCTV, cuja licença foi cassada. A dúvida é se Capriles vai continuar podendo anunciar na Venevisión à medida que a campanha esquentar: o prazo de renovação para a licença da TV expira em maio.
Na semana passada, Chávez falou sobre o rival. Disse que iria "varrê-lo" e chamou-o de "porco". Declarações como esta, segundo especialistas, representam um desafio para Santana, pois apenas atraem os já fieis ao chavismo, e não os indecisos que escolherão o próximo presidente do país.
— Os mais de 30% dos venezuelanos que ainda não sabem em quem votar querem ver propostas e não verborragia — comenta o analista Carlos Romero, para quem Capriles age corretamente ao não rebater os xingamentos.
Dilma e Lula aconselhados a esclarecer câncer
O desafio mais importante, no entanto, é esclarecer a condição de saúde do líder venezuelano, que desde o ano passado se trata de um câncer que, segundo fontes diversas, teria evoluído para uma metástase. Chávez é acusado de não tratar a doença com transparência. Embora tenha enviado um emissário ao Brasil para consultar os médicos que cuidam do ex-presidente Lula, o venezuelano optou por tratar-se em Cuba, aumentando o sigilo em torno da doença. É uma conduta oposta à da presidente Dilma Rousseff quando foi diagnosticada com câncer linfático um ano antes da eleição, e do próprio Lula. Santana foi um dos nomes que aconselharam os dois petistas a lidar com a situação oferecendo o máximo de informações à população.
Outro ponto polêmico é a projeção de Chávez tanto nacional quanto internacionalmente. Em campanhas recentes, como a do presidente de El Salvador, Maurício Funes, e de Medina, na República Dominicana, João Santana ajudou a construir a imagem de candidatos modernos, conciliadores, muito parecidos com o Lula apresentado nas campanhas eleitorais, assim como a própria Dilma. Essa versão "lulinha" tem repercutido nas campanhas da América Latina, como na eleição de Ollanta Humala, no Peru. Brasileiros que fizeram a campanha peruana se esforçaram para apontar as diferenças entre Humala e Chávez e suas semelhanças com o ex-presidente petista.
A oposição na Venezuela cresce, principalmente entre a juventude. Publicitários consultados pelo GLOBO explicaram que Santana terá dificuldade de empolgar essa geração, que desde criança conhece o país governado por Chávez e não está contente com sua gestão em questões como segurança, economia, liberdade de expressão. Nas primárias da semana passada, observou-se muitos jovens nos centros de votação, o certamente beneficia Capriles, que tem 39 anos e anda de motocicleta por todo o país.
Os filmes de campanha do candidato da oposição carregam na emoção: mostram seu lado humano, como o governador energético que esteve ao lado da população com água até os joelhos durante as enchentes que devastaram o estado de Miranda, em 2010. Mostram que ele, apesar de ser preso num caso obscuro — de perseguição política, segundo seus aliados — decidiu não fugir da Venezuela.
Por outro lado, a comunicação chavista é considerada por profissionais como confusa, e caberá a Santana organizá-la. Opiniões dão conta de que se o lado humano, "mítico" e carismático de Chávez vier melhor à tona, aliado a um discurso mais moderado, ficará mais difícil para a oposição vencê-lo nas urnas em outubro. Se a saúde ajudar e ele resolver aparecer como um vencedor do câncer, então...
— Os marqueteiros brasileiros terão muito o que fazer até outubro — avalia Teodoro Petkoff , diretor do jornal "Tal Cual".
Carlos Romero conta que, assim como muitos venezuelanos, gostaria de ver Chávez sentado à mesa, frente a frente com Capriles, num debate televisionado pelas emissoras de TV, inclusive as estatais.
— É isso o que aconteceria em qualquer democracia. Mas aqui é muito difícil, a não ser que Chávez caia muitos nas pesquisas e se "desespere". Os profissionais brasileiros que fazem campanha aqui precisam entender as particularidades da política venezuelana — acredita.

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