Palácio do Planalto: Principal campo de atuação de Orlando Brito. Foto de Sergio Lima |
Por Chico Sant’Anna
Comecei a trabalhar no jornalismo, ainda como estagiário, na
Bloch Editores, uma casa onde o lead da notícia – a exemplo de O Cruzeiro - tinha
que ser a grande foto. A sucursal de Brasília, onde escrevíamos para as revistas
Manchete, Fatos & Fotos, Geográfica Universal, Amiga e tantas outras, era
dirigida por um fotojornalista, Sérgio Ross. E foi pelas mãos dele e dos
fotógrafos Cláudio Alves e Ronan Pimenta, que comecei a conhecer os coleguinhas.
Embora profissional de texto, minhas primeiras amizades foi com o que havia de
melhor no fotojornalismo: Dentre esses, Adão Nascimento, João Luiz ' Moreno de O Globo, Samuka,
Kim-ir-Sen, Tadashi Nakagomi, Milton Guran, Freitinha, Moreira Mariz, a família
Stuckert e é claro, Orlando Brito.
As mazelas sociais não escapavam à sagacidade do olhar de Orlando Brito, como registrou André Dusek, em 1977, no interior de Goiás, quando cobriam a situação de trabalhadores sem terra. |
Brito era um profissional que não furtava ajudar os
iniciantes, que dava as dicas, os amigos, mas não dispensava uma pegadinha. Certa vez no
autódromo Ayrton Senna, de Goiânia, ele apareceu com um boné de uma das
escuderias de stock car, dizendo que estavam distribuindo nos boxes. Me fez
largar tudo, pra tentar ganhar um também, mas era pegadinha. Pegadinha que se
repetiu em Manaus, quando videocassete vhs era o máximo do requinte. Na hora do
retorno a Brasília, numa visita presidencial, ele espalhou que bastava dar o CPF
a uma funcionária da Zona Franca, para ser agraciado com um aparelho. Um assessor
de imprensa da presidência da República acreditou na história e quase cria um
incidente político na Base Aérea de Manaus. Queria a todo custo o seu videocassete
e não aceitava ser discriminado.
Pacote de Abril: Militares cercam o Congresso Nacional. Foto de Orlando Brito |
À comissão da Memória e da Verdade, do Sindicato dos Jornalistas do DF, da qual fui o secretário-geral, Brito confidenciou as mazelas que era fazer jornalismo no tempo da censura e do arbítrio.
Com suas fotos, dava o recado claro, objetivo e corajoso. Manifestação pelo impeachment de Jair Bolsonaro em 10/08/2021. Foto de Orlando Brito
Um tempo em que a presença de censores nas redações era constante e
que o material deveria ser previamente autorizado pelos prepostos da Ditadura.
Um tempo em que os caros equipamentos eram confiscados ou danificados; em que era
preciso esconder o rolo de filme para não tê-lo apreendido, em que o
credenciamento prévio para a cobertura do Poder era submetido ao crivo do
Serviço Nacional de Informação – SNI, coberto de perseguições políticas; e até
a o chamado “pedir a cabeça”, quando o Poder exigia aos patrões que determinado
profissionais não mais trabalhassem naquela empresa. Mesmo assim, como relatou
Moreira Mariz, em relação ao protesto na Rampa do Planalto, na descida de João
Figueiredo, era um tempo em que os profissionais “não engolia sapo. A gente
reagia”.
DOCUMENTÁRIO DA TV SENADO SOBRE O PACOTE DE ABRIL NA VISÃO DE ORLANDO BRITO
Assembleias de trabalhadores sob a vigilância dos militares. Foto de Orlando Brito. |
Os tempos atuais e já com mais de 70 anos, Orlando Brito não
arrefeceu a sua objetiva. Pelo contrário, ao lado de Dida Sampaio, do Estadão,
trouxeram à opinião pública todo o rancor que os militantes bolsonaristas
propagam em suas manifestações, ao ponto de os dois serem alvos de agressão na
Praça dos Três Poderes. Por uma ironia do destino, os dois partiram e com suas
teles vão fotografar outras paragens.
O avançar do concreto sobre o verde de Brasília, distorcendo as premissas de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, foram igualmente preocupações do fotojornalista de raízes candangas. Foto de Orlando Brito |
Como pioneiro de primeira hora em Brasília – Brito gostava de
mostrar uma foto quando ainda guri participou da Missa de Inauguração – Orlando
Brito tinha um xodó pela cidade que o abrigou. Não foi só o palco do Poder que
atraiu sua atenção. A singeleza dos ipês florescendo na cidade foi alvo de uma
crônica sua – em texto e fotos – intitulada Pra
não dizer que falei de flores. Suas lentes também operaram para denunciar o
abandono do trato da Capital Federal, do avanço desenfreado da urbanização
selvagem, da perda do verde para o cinza do concreto.
Até à próxima, Brito. Fique em paz. Foto acervo pessoal |
Muito obrigado
pelos ensinamentos, obrigado pela amizade, obrigado pela parceria,
obrigado pela caminhada simultânea pelo
mundo do jornalismo da Capital Federal.
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