A lei que criou a EBC afirma que “é vedada qualquer forma de proselitismo na programação das emissoras públicas de radiodifusão”, e que deve haver “autonomia em relação ao governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão”.
Por Eduardo
Barretto, publicado originalmente no Poder360
A EBC (Empresa
Brasil de Comunicação) usa seu braço público para vender conteúdo favorável ao
próprio governo. Contrato de cerca de R$ 1,8 milhão com a ANA (Agência Nacional
de Águas) de dezembro determina matérias positivas da Agência Brasil, por
exemplo. A praxe era que isso fosse feito somente pela TV
NBR e pelo programa Voz do Brasil. Funcionários da EBC ouvidos
em reserva pelo Poder360 relatam desconforto com a
negociação.
O contrato (
eis a íntegra), que teve dispensa de
licitação, foi assinado em 15 de dezembro de 2017 e custou R$
1.799.750,93. A ANA, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, desembolsará o
valor para promover o 8º Fórum Mundial da Água, que será realizada de 18 a 23
de março em Brasília. A EBC entregará o conteúdo de 31 de janeiro até 30 de
abril, de veículos como
Agência Brasil e
TV
Brasil, que deveriam ser livres de
interferência editorial.
Será obrigatório
o crivo da ANA antes da publicação para materiais mais elaborados, como
matérias especiais e programas de estúdio –também pelo braço público da
estatal. Esses conteúdos terão de ser “submetidos à aprovação da contratante
[ANA] antes da veiculação”, diz o contrato.
A lei da EBC é
de 2008 e teve algumas modificações no ano passado. A lei afirma que “é vedada
qualquer forma de proselitismo na programação das emissoras públicas de radiodifusão”,
e que deve haver “autonomia em relação ao governo federal para definir
produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de
radiodifusão”.
Há dois braços
da EBC: 1 considerado público, com veículos independentes editorialmente. Entre
esses estão a Agência Brasil e a TV Brasil. Outro ramo da estatal vende
serviços ao governo e é abertamente governamental, como a TV NBR e o programa
de rádio obrigatório “Voz do Brasil”.
A ANA, agência
reguladora vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, estabelece temas gerais
para as matérias. Por exemplo: boas práticas em gestão da água e uso
sustentável da água.
EBC nega interferência
Procurada, a
estatal nega interferir na produção jornalística. “O jornalismo da EBC não está
submetido à ANA ou à pauta do 8° Fórum. Muito ao contrário, a ANA é quem está
contando com a força de um conglomerado de comunicação para potencializar o
alcance de conteúdos noticiosos de interesse mútuo”. Ainda, diz que as pautas
“são definidas pela direção de jornalismo, e não pelo contratante”. Contudo, o
contrato estabelece que deve haver “aprovação” da ANA antes da veiculação.
A EBC também diz
que o tema da água é de interesse “tanto da TV NBR, do governo federal, como
das oito emissoras públicas de rádio, da Agência Brasil, TV Brasil e Voz do
Brasil”. O contrato também foi defendido por conta dos “tempos de orçamento
apertado”.
Leia a íntegra da nota da EBC:
“O contrato da
EBC com a Agência Nacional de Águas (ANA) é único, porque trata do 8º Fórum
Mundial da Água, evento que pela primeira vez acontece no Brasil. A decisão de
firmá-lo tem amparo na Lei de Criação da EBC (Lei n°11.652, de 2008). Seu
artigo 8º, inciso VI, diz expressamente que “compete à EBC prestar serviços no
campo de radiodifusão, comunicação e serviços conexos, inclusive para
transmissão de atos e matérias do governo federal”. A direção da empresa também
entendeu que, a partir de um trabalho de excelência em torno de um evento
internacional de grande repercussão, a EBC terá oportunidade inédita para
reafirmar sua competência e relevância como empresa pública de comunicação.
A EBC é uma
empresa pública, que tem compromisso com a cidadania e a missão de criar e
difundir conteúdos que contribuam para a formação crítica das pessoas. Neste
contexto, nada mais obrigatório que o engajamento de todos os seus veículos na
causa do 8º Fórum, independentemente de haver ou não contrato. Mas nestes
tempos de orçamento apertado em todo o setor público, é o contrato que cria
condições financeiras para a produção e realização de programas especiais e
grandes reportagens em todo o Brasil. Custos com programas e transmissões ao
vivo, especialmente durante os sete dias de evento, também serão cobertos pelo
contrato.
Estimular o
debate e produzir informações sobre o bom e o mau uso da água, o reúso, o
compartilhamento da água, a crise hídrica, o saneamento básico são tarefas das
quais uma empresa pública de comunicação não pode se omitir. Estes temas são de
interesse tanto da TV NBR (do governo federal), como das oito emissoras
públicas de rádio, da Agência Brasil, TV Brasil e Voz do Brasil.
As ações de
comunicação não se resumem à cobertura jornalística do evento internacional,
que será realizado de 18 a 23 de março, em Brasília. Também estamos produzindo
conteúdos jornalísticos, informativos e educativos para sensibilizar e
mobilizar o cidadão para a importância do tema e do Fórum da Água. Pelo
contrato, a EBC também produzirá programas de caráter educativo que a ANA
pretende distribuir nas escolas da rede pública. A conscientização das crianças
e jovens sobre o uso racional da água é fundamental para garantir a preservação
deste bem para as gerações futuras.
O jornalismo da
EBC não está submetido à ANA ou à pauta do 8°Fórum. Muito ao contrário, a ANA é
quem está contando com a força de um conglomerado de comunicação para
potencializar o alcance de conteúdos noticiosos de interesse mútuo. O contrato
não limita a produção de matérias e reportagens sobre a questão da água. Não há
interferência. As pautas são definidas pela direção de jornalismo, e não pelo
contratante. O contrato não produziu nenhuma alteração na grade de programação
dos veículos da EBC.”