sábado, 15 de novembro de 2014

Opinião: Uruguai - quem tem medo da lei de mídia?

O processo de elaboração de marco jurídico regulamentador
das mídias no Uruguai teve início em 2010.
Por D, publicado originalmente na Carta Capital

Não foi apenas no Brasil que o debate sobre lei de mídia despontou durante as eleições. No Uruguai, o tema ganhou força após a divulgação dos resultados do primeiro turno, em 26 de outubro, quando ficou definido que Tabaré Vázquez, candidato oficialista da coalizão Frente Ampla, disputaria a presidência com Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional.
Vázquez, 74 anos, foi presidente do Uruguai entre 2005 e 2010, e é conhecido por representar a ala mais conservadora na Frente Ampla. Esta foi a primeira vez que ele se comprometeu a implementar e fazer cumprir a lei de mídia, despertando críticas da oposição.
Lacalle Pou, 41 anos, é crítico à lei. Alega que nela existem “inconstitucionalidades”, e que para ter uma legislação “típica de regime autoritário”, é melhor não ter nenhuma. Disse também que Vázquez fora pressionado pelos frente amplistas para dar a declaração citada acima.
Vázquez ao anunciar que implementar a lei 
Embora tenha entrado com mais força no debate nesta segunda fase da campanha presidencial, a discussão sobre uma medida que regulamente as mídias no Uruguai não começou em 2014. O processo de elaboração do texto teve início em 2010, com a formação de um Comitê Técnico Consultivo convocado pela Direção Nacional de Telecomunicações, vinculada ao Ministério da Indústria, Energia e Mineração e responsável por formular, coordenar e supervisionar políticas de telecomunicações.
A “Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual” (LSCA) foi apresentada pelo Poder Executivo em maio de 2013 e aprovada pela Câmara dos Representantes (99 deputados) em dezembro de 2013. Para entrar em vigor, aguarda a aprovação do Senado (30 senadores) e voltará ainda à Câmara para, por fim, receber sanção definitiva. A pressão por parte da Frente Ampla e dos setores favoráveis é para que a lei seja aprovada o quanto antes, ainda em 2014.
Para acessar o texto aprovado pela Câmara, clique aqui.
Lacalle Pou, candidato da direita, é crítico à lei. 
Sua aprovação é polêmica porque mudaria completamente o panorama de concentração da mídia no Uruguai. Tem por objetivo garantir condições mais justas de acesso ao espectro. Ou seja: o Estado pretende fazer com que mais organizações, inclusive da sociedade civil, tenham possibilidade de ter um canal no rádio ou na televisão. No país vizinho, os grupos Romay, De Feo-Fontaina e Cardoso-Scheck controlam 95% do mercado de televisão aberta do país.
Se a lei for aprovada como está, uma pessoa física ou jurídica não poderá ter mais de três autorizações para prestar serviços de radiodifusão aberta de rádio e televisão, nem mais de dois canais para prestar serviços de rádio na mesma frequência (AM ou FM) em todo o território uruguaio. A única iniciativa antecedente semelhante no Uruguai aconteceu em 2007, quando foi aprovada uma norma obrigando o Estado a promover e garantir a existência de canais e rádio e de televisão comunitários.
O texto da LSCA já passou por algumas modificações, como por exemplo a criação de um Conselho de Comunicação Audiovisual, que seria integrado por cinco pessoas: três escolhidas pelo presidente, uma pelo ministério da Indústria e o outro pela Educação. Após inúmeras críticas, acordou-se mudar o projeto, estabelecendo que esta instituição terá apenas um indicado do presidente, enquanto os outros quatro membros serão escolhidos pela Assembleia Geral legislativa. O mandato deles terá duração de seis anos, renováveis por mais três. O texto ainda pode sofrer mais modificações no Senado.
Coalición por una Comunicación Democrática, coletivo de comunicação social uruguaio que participa ativamente deste debate, sugere, por exemplo, que pelo menos um dos cinco membros do Conselho seja indicado pela sociedade civil.
Tabaré Vázquez e Lacalle Pou disputam o segundo turno
para presidente no Uruguai
O projeto em discussão diz respeito basicamente aos canais que utilizam o espectro eletromagnético. Não regulamenta a imprensa escrita nem serviços de comunicação na internet; não trata dos conteúdos; estabelece garantias expressas da liberdade de expressão nos artigos 14 a 18 (proibição de toda forma de censura, inclusive a indireta e garante a independência editorial).
A regulamentação proposta se limita à violência extrema e à incitação ao consumo de drogas, nos horários de proteção à infância (todos os dias, das 6h às 22h).
A lei determinará também que litígios graves, como por exemplo nos casos de violação da legislação, serão resolvidos na Justiça. Se for votada e aprovada pelo Senado, deve ainda voltar à Câmara para por fim receber sanção definitiva.
Uma das maiores resistências à lei de mídia vem da Andebu (Asociación Nacional de Broadcasters Uruguayos), que afirma que apenas “regimes autoritários são os que têm lei de mídia”. A Andebu é uma instituição que reúne e representa empresas privadas de radiodifusão e de televisão.
“Acredito que o país não precise de uma lei de regulamentação da mídia, o que o país precisa é que outras coisas sejam regulamentadas, como crimes que acontecem na rua todos os dias”, disse o presidente da Andebu, Pedro Abuchalla, ao jornal uruguaio El País.
Vale lembrar que, em 2013, o governo uruguaio promoveu uma concorrência pública em que seis novos interessados em prestar serviços de TV aberta comercial puderam levar suas propostas porque o país está fazendo transição do sistema analógico para o digital. Trata-se de um acontecimento histórico porque as autorizações sempre foram outorgadas de maneira arbitrária e sem concorrência. Para acessar o marco regulatório da TV Digital no Uruguai clique aqui.

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