segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Opinião - Jornalista econômico: militante do mercado financeiro?

Viúva do grande José Saramago, Pilar Del Rio
 vê o jornalismo atual totalmente
 deturpado em sua essência objetiva,
 manipulado pelo dinheiro, inviável
para tornar o jornalista como ser realizado
plenamente na profissão, dada a
 impossibilidade de exercitar a liberdade.
 Um ser cindido,  parcial, portanto, esquizofrênico.
Por César Fonseca, publicado originalmente no blog Independência Sul-americana

FALÊNCIA TOTAL DA PROFISSÃO.
Tem razão Pilar Del Rio, jornalista, tradutora e presidente da Fundação José Sarmago, de Lisboa, ao destacar, em entrevista ao Correio Braziliense, que os jornalistas se transformaram em militantes das empresas em que trabalham.
Defendem seus interesses, os interesses nos quais estão engajados, não nos dos seus leitores. Perfeito.
No Brasil, as empresas de mídia viraram propagandistas dos especuladores, comprando, acriticamente, a sua causa, deixando de ligar para o interesse público. Os jornalistas engajaram nessa campanha a serviço do capital especulativo que se empenha na tarefa de destruir qualquer orientação econômica que tenha por fim o interesse nacionalista.
O jogo do poder midiático, totalmente, voltado para divulgação dos produtos mentirosos fabricados pelos especuladores.
A manipulação é evidente, estendendo-se para as empresas classificadoras de crédito do país, para tentar sua desclassificação mediante argumentos invertidos em relação à causa dos problemas econômicos. Fogem os jornalistas da fonte geradora de déficit, de dívida e de inflação, no momento atual da crise mundial, que é a política monetária expansionista americana e as incertezas que ela produz, nas economias emergentes, dependentes, historicamente, de poupança externa, favorecendo, ainda mais, o movimento especulativo. Enfim, não cumpre o jornalismo investigativo a sua verdadeira função, porque os jornalistas não estão a serviço do exercício da liberdade da profissão, mas do interesse do mercado financeiro especulador.
Prepararam o campo, vociferando os argumentos dos especuladores, para que, na próxima quarta feira, o BC, envolvido pelos banqueiros, puxe para cima mais uma vez a taxa de juro, já em patamar elevadíssimo, para combater a inflação, quando nas economias desenvolvidas, o juro está na casa dos zero ou negativo, para tentar salvar o capitalismo. Viraram militante dessa causa. Alienaram-se de si mesmos. Lamentável.
Viúva do grande José Saramago (ela não gosta de ser tratada assim), Pilar Del Rio vê o jornalismo atual totalmente deturpado em sua essência objetiva, manipulado pelo dinheiro, inviável para tornar o jornalista como ser realizado plenamente na profissão, dada a impossibilidade de exercitar a liberdade. Um ser cindido, parcial, portanto, esquizofrênico.
Esse papo de que o jornalismo, pelo menos o que se pratica na grande mídia brasileira, representa os dois lados da notícia é conversa fiada. Veja a cobertura jornalística da economia, do mercado financeiro, já na primeira semana de 2014. Tudo parcial.
Os jornalistas, em geral, salvo honrosas exceções, compram, a preço super-faturado, as versões dos especuladores, para explicarem aos leitores o aumento ou a redução da inflação, o comportamento da dívida pública governamental, as oscilações do câmbio, dos investimentos etc e tal.
Sabendo que na economia monetária os fatos, invariavelmente, são determinados pelas expectativas que interessam ao capital, essencialmente, especulativo, os/as repórteres de economia, no Brasil, jamais colocam em questão aquilo que passou a orientar a produção dos fatos econômicos no Brasil – ou seja, as pesquisas e análises feitas pelo próprio mercado financeiro.

Militante especulador
Semanalmente, 100 analistas, i.e., especuladores, exclusivamente, do mercado financeiro, são consultados pelo Banco Central, para falarem e especularem sobre as expectativas quanto ao comportamento dos preços, da taxa de juro, do câmbio, dos investimentos etc. Primeira pergunta óbvia: por que apenas os analistas ligados aos banqueiros são ouvidos? É um escândalo descarado, minha gente.
Na primeira semana do novo ano, a Pesquisa Focus, essa que escuta, apenas, os especuladores, apurou que o mercado prevê queda do PIB para 1,95% em 2014. 2013 havia terminado com os consultados pela Focus estimando crescimento de 2%, inclusive, prevendo um ano melhor do que o anterior.
Qual seria o resultado de uma consulta feita junto a 100 empresários, os homens da produção, os que lidam com o que mais lhes interessa, isto é, o mercado consumidor? E mais, que diriam, se consultados, 100 consumidores de diversas faixas de renda, quanto as suas expectativas para o ano que se inicia?
São, apenas, os especuladores os agentes fundamentais do processo econômico ou são os que manipulam este a seu favor? Não seria mais lógico consultar os agentes da produção e do consumo, os, realmente, ligados à economia real, e não os que, visceralmente, são produtores da economia virtual, conduzida por profissionais que estabelecem modelos matemáticos para determinar ficcionalmente o desenrolar dos fatos em seu benefício, é claro?
Não teriam que pegar a opinião dos três agentes, dar a eles peso relativo, fundamentalmente, diferenciado, quanto a sua importância, para o desenvolvimento econômico, dividir por três, de modo a apurar uma média aproximada o mais possível da realidade?
O que fazem os jornalistas?
Não fazem, simplesmente, jornalismo, não cuidam de dar cumprimento à promessa que fizeram, para pegar o canudo nas universidades. Não escutam os dois lados, engolem a verdade do mercado financeiro. São, desse modo, como bem disse Pilar Del Rio, puros militantes do mercado financeiro.
Transformaram-se em terroristas guerrilheiros a serviço dos especuladores, para multiplicarem os ganhos destes, impondo ao povo tremendos prejuízos, quanto mais se alienam do espírito crítico, que deve ser a matéria prima do jornalista.
Se há, tão somente, uma “verdade” disponível, veiculada pelo jornalismo acrítico, aquela que interessa aos 100 especuladores consultados semanalmente pelo BC de Tombini, é claro que, por indução manipuladora, os demais agentes da economia se comportarão de acordo com as expectativas arranjadas pelos profissionais da especulação por meio dos seus modelos matemáticos abstratos.
Se a Focus diz que o PIB vai cair de 2%, 2,5% (como chegam a estimar outros analistas mais isentos) para 1,95%, os investidores, evidentemente, ajustarão as suas estimativas a essas expectativas. O empresário vai ficar com medo de investir, o consumidor, de consumir, e assim por diante. Em face da previsão de que tudo vai cair, o empreendedor, temeroso de que sua taxa de lucro desabará, puxará para cima os preços, para manter constante sua lucratividade etc.
Esse é, principalmente, o jogo que favorece os monopólios e os oligopólios.
Os preços subindo, por sua vez, precisam do corretivo dos juros para não fazer explodirem as tensões inflacionárias, dizem os especuladores, como se não fosse a subida do juro a responsável pela alta dos preços. PIB baixo e inflação alta chamam a atenção das agências classificadoras de risco, que passam a prever, com segurança, cortes nas notas da economia brasileira, levantando a possibilidade de os juros subirem mais ainda etc.
Não há, no noticiário econômico, nenhuma avaliação crítica desse movimento, que obedece à lógica dos interesses da acumulação do capital especulativo, no processo de financeirização da economia, que marca, essencialmente, a face do capitalismo atual em todo o mundo, rendido pela especulação. Os especuladores não merecem o olhar crítico do poder midiático.
Por exemplo, na primeira semana do ano, os grandes bancos, sabendo que o dólar será o alvo essencial da especulação, em 2014, em decorrência da ansiedade que domina a política monetária conduzida pelo Banco Central dos Estados Unidos, criaram um novo instrumento para bombar, ainda mais, a especulação com a moeda americana.
Trata-se do Certificado de Operações Estruturadas (COE), capital arregimentado pelos especuladores na formação de fundo de ativos, cujo montante não recolherá depósito compulsório junto ao BC, como se faz com a massa de depósitos nos bancos.
Quem se beneficiará com isso?
Claro, a oligarquia financeira, que vai faturar com o movimento especulativo feito em cima do dólar por eles mesmos, os especuladores.
Qual o efeito disso na produção e no consumo, na economia real, por força da manipulação da economia virtual?
Nenhum questionamento ocorreu na grande mídia, no momento do lançamento dessa denominada NOTA ESTRUTURADA, que, imediatamente, levantou milhões e milhões de reais para especular com a moeda americana.
Qual a relação desse movimento especulativo na formação dos preços?
Não se investiga, jornalisticamente, isso. Ele influencia decisivamente ou não no processo inflacionário? Aumenta ou não a dívida pública? Bombeia ou não o déficit público?
É mais do que evidente que essa NOTA ESTRUTURADA faz parte do chamado SISTEMA DA DÍVIDA, responsável por elevar o endividamento público sem que haja nenhuma contrapartida em termos de empréstimo que seja destinado à produção, ao consumo, capaz de gerar, no movimento da economia real, aumento de arrecadação, com a qual são impulsionados os investimentos.
É pura especulação, geração de riqueza fictícia a partir do próprio dinheiro, sem nenhum aumento das forças produtivas.
O negócio dos especuladores é esse aí, minha gente.
A dívida está, há muito tempo, na economia monetária, sendo produzida, somente, pelo movimento especulativo, e não mais pelo movimento da produção real, da qual faz parte como instrumento necessário e, até, positivo.
Hoje, a dívida, no embalo da especulação, somente, bombeia o endividamento governamental que eleva o risco que puxa o juro que eleva o déficit que aumenta a inflação etc, etc, etc.
Não seria mais do que necessário, nesse ambiente especulativo, que fosse feita uma AUDITORIA SOBERANA dessa dívida, conforme determina a própria Constituição brasileira, no artigo 26 das Disposições Constitucionais Transitórias, para que a sociedade seja devidamente informada sobre o que é legal e ilegal na sua composição, a fim de adotar posição crítica sobre esse processo especulativo, danoso para o presente e o futuro do País?
Mas, o que se vê é, justamente, o contrário.
São, segundo o poder midiático, controlado pelos banqueiros, os gastos do governo, expressos no ORÇAMENTO NÃO FINANCEIRO da União, os culpados pelo aumento do déficit público, e não as despesas relacionadas ao ORÇAMENTO FINANCEIRO.
O primeiro diz respeito aos interesses da sociedade em matéria de educação, saúde, segurança, transporte, infraestrutura etc. Estas despesas são sistematicamente contingenciadas, para que sobre sempre mais para servir à dívida. Já as verbas públicas alocadas no ORÇAMENTO FINANCEIRO, que se ligam aos interesses dos especuladores e agiotas, não podem sofrer nenhum tipo de contingenciamento.
A primazia total da política econômica está determinada a partir da própria Constituição, em cláusula pétrea, conforme determina o artigo 166, parágrafo terceiro, item II, letra b.
Da Bancocracia Agiota
Dois pesos e duas medidas.
Onde está o jornalismo independente que não investiga essa questão fundamental para o povo brasileiro? Tem que cortar obrigatoriamente gastos públicos cujos resultados sejam traduzidos em investimentos que retornam em forma de impostos, como são as destinações dos empréstimos realizados pelos bancos públicos, nos programas do PAC, duramente atacados pelos banqueiros privados, mas não devem sofrer nenhum constrangimento as despesas para servir aos especuladores, que não dão nenhum retorno social.
Nessa linha, a economia nacional, em 2014, do ponto de vista do mercado financeiro, especulativo, será um fracasso, mas e do ponto de vista da sociedade, das forças produtivas, que convivem com a mais baixa taxa de desemprego da história brasileira, como será o ano?
Como as pesquisas ouvem somente um lado e a mídia se pauta por esse lado, exclusivamente, o jeito é esperar pela voz do povo nas urnas em outubro.
Poderá ou não pintar surpresas?

Quem está nervosinho com essa eventual surpresa, os manipuladores ou os manipulados? Até outubro, os militantes do mercado financeiro estarão fazendo o seu serviço sujo, o anti-jornalismo, que interessa aos manipuladores, inconformados com uma orientação nacionalista para a economia, que tente, de alguma forma, mudar o status quo gerado pela bancocracia tupiniquim.

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