quarta-feira, 4 de maio de 2011

Agentina: governo cria aferidor de audiência da tv pública

Por Daniel Rittner, do Valor Econômico

No Brasil e em boa parte dos outros 14 países onde atua, o Ibope virou sinônimo de prestígio e sucesso, como atesta o verbete já incorporado a dicionários da língua portuguesa. Mas a empresa já foi várias vezes alvo de críticas. De certo modo, a polêmica acompanha a história dessa multinacional brasileira, fundada em 1942 e hoje dona de um faturamento anual de US$ 300 milhões, com pesquisas eleitorais e medição de audiência.

Mas agora, pela primeira vez, ao governo de um país, a Argentina, decidiu atacar publicamente o Ibope, desconfiado de suas medições, e construir um sistema estatal para saber o que as pessoas estão vendo na TV. Ela acusa o Ibope de “práticas monopólicas” e de “falta de transparência”.

O novo índice de audiência televisiva ficará a cargo da Afsca, a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, ligada à Casa Rosada. A entidade está comprando quatro mil “people-meters”, aparelhos que são instalados nas TVs para acompanhar a troca de canais pelos telespectadores, em tempo real. Um conselho de universidades federais supervisionará a implantação do índice.

“Faremos um processo em duas etapas”, disse ao Valor o diretor de supervisão e avaliação da Afsca, Gustavo Bulla. A primeira, segundo ele, funcionará em julho com dois mil aparelhos que medirão a audiência na região metropolitana de Buenos Aires. A segunda, até o fim do ano, envolverá outros dois mil aparelhos nas capitais do interior com um milhão de habitantes ou mais, como Córdoba, Rosário e Mendoza. “O sistema será auditado pelas universidades e seus resultados serão de acesso livre e gratuito. Não haverá a necessidade de assinatura.”


Canal 7

Para o diretor da Afsca, o novo índice refletirá melhor a audiência do Canal 7, como é conhecida a TV pública na Argentina. “O Canal 7 é um dos mais maltratados pelas medições do Ibope. Qualquer um vê que sua influência maior está no interior do país, o que hoje não é devidamente quantificado.”

Num processo contra o Ibope que tramita na Comissão Nacional de Defesa da Concorrência, por suposta manipulação de números, esse argumento já havia surgido. O presidente da TV pública, Tristán Bauer, anexou ao processo uma carta na qual diz que a audiência da emissora atingiu, no horário nobre, 16,5 pontos em janeiro – três vezes mais do que indica o Ibope. Para isso, valeu-se de dados apurados pela consultoria Aresco, contratada para fazer a medição telefônica de audiência por meio de 3.200 ligações entre 20h e meia-noite.

Na carta, Bauer cita uma série transmitida em horário nobre pelo Canal 7 e a existência de um grupo no Facebook com 113.638 fãs. “A grande repercussão do programa nas diversas redes sociais confirma que ele tinha uma grande quantidade de adeptos”, escreveu.

Bulla acredita que o novo índice afetará a divisão do bolo publicitário, mas avalia que a iniciativa não deve ser entendida pelo aspecto econômico ou comercial. “O pior dano causado por uma medição inadequada é a ausência de riscos criativos, pelo temor de que um programa não seja viável. Isso alimenta um fenômeno mundial: a TV ficou muito repetitiva. E afeta principalmente a televisão aberta, que se financia pela publicidade.”

Publicidade governamental

Um mercado de publicidade que movimenta 4,8 bilhões de pesos (US$ 1,2 bilhão) por ano em anúncios de TV está por trás das acusações do governo argentino ao Ibope. Como em qualquer lugar do mundo, os anunciantes tendem a escolher as emissoras mais vistas para difundir seus produtos.
Em 2010, pela primeira vez em mais de uma década, o Canal Trece superou a Telefé na liderança pela audiência. E o Trece pertence ao Grupo Clarín, arqui-inimigo do governo desde a crise política com os ruralistas, há três anos.
Apesar disso, a divisão da publicidade oficial coincide cada vez com a preferência dos telespectadores. Um levantamento recente do jornal “La Nación” mostra que o governo reduziu de 41,7 milhões para 5 milhões de pesos, comparando os dez primeiros meses de 2009 e de 2010, seus anúncios na emissora do Clarín. Os gastos da Casa Rosada em publicidade no Canal 9, que tem programas de debate político bastante dóceis à presidente Cristina Kirchner, equivaleram à soma dos anúncios oficiais em todos os demais canais da TV aberta na Argentina.
O Canal 7, como é conhecida a TV pública, atingiu média de 2,9 pontos na audiência medida pelo Ibope. Recebeu 4,5 milhões de pesos em publicidade do governo, mas esse número engana. Na temporada 2009/2010 do futebol argentino, a Casa Rosada gastou US$ 150 milhões para levar à TV pública os jogos das 20 equipes que disputam a primeira divisão.
No início deste ano, a “estatização” do futebol chegou também à segunda divisão, mas o governo não consegue recuperar nem minimamente – com anúncios e patrocínios – o dinheiro gasto nas transmissões.
Apesar do apelo do esporte, a audiência do Canal 7 não disparou – muito menos foi absorvida pelo programa de debate político que a emissora geralmente põe no ar logo após as partidas. Um dos programas mais polêmicos da televisão argentina, o “6, 7, 8” costuma servir de palanque para comentaristas abertamente ligados ao kirchnerismo – jornalistas, políticos e autoridades – defenderem políticas públicas e atacarem a mídia.

Dosando cuidadosamente as críticas ao governo argentino, o CEO do Ibope Media, Flávio Ferrari, vê na baixa audiência da TV pública um dos motivos para a criação de um índice oficial. “Tenho mais a sensação de que a motivação original não seja manipular o número, mas de que alguém do governo não acredite que sua emissora preferida tem níveis de audiência que não os desejados”, afirmou. “Talvez algum político não tenha ficado satisfeito com o fato de que os canais em primeiro lugar não são simpáticos ao governo. Não tenho como julgar nada. Mas sou obrigado, como profissional do mercado, a considerar uma tentativa de fazer ou justificar uma redistribuição da verba publicitária.” (D.R.)

***

Empresa diz que mercado percebe a sua isenção

Alvo de bombardeio do governo da Argentina, o Ibope Media acredita que a ofensiva é “ruim” para a reputação da empresa no país, mas avalia que o impacto sobre seus negócios depende essencialmente do nível de confiança dos anunciantes na medição estatal de audiência.

“Que afeta a nossa reputação, é claro. É sempre chato ver o governo falando mal de uma empresa. Mas os nossos clientes não estão levando essas críticas tão a sério”, disse ao Valor o principal executivo do Ibope Media, Flávio Ferrari, que comanda as operações da multinacional no Brasil e em outros 14 países do continente – Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, Uruguai e Venezuela.

Quanto aos impactos, opina Ferrari, “só saberemos disso no futuro”.
“Se o governo der essa informação [dados detalhados sobre a audiência] gratuitamente a todos os interessados, não haveria, em tese, mais mercado para o Ibope. Mas acredito que o próprio mercado perceberá o Ibope como a única medidora isenta, pois não temos interesses diretos ou indiretos nos resultados”, afirma o executivo.

A medição de audiência televisiva é um mercado que, segundo Ferrari, funciona tradicionalmente com apenas um operador por país. A exceção é o Uruguai, onde o Ibope convive com outro índice privado. “Na Europa, costuma-se fazer licitação para escolher a casa medidora a cada três ou quatro anos. O que está acontecendo na Argentina, até onde eu conheço, é uma iniciativa única no mundo”, diz.

Quem acompanha os números do Ibope, com uma auditoria permanente, é a Câmara de Controle de Medição da Audiência (CCMA). Trata-se de uma instituição que congrega representantes da mídia, das agências de publicidade e dos anunciantes. Para Ferrari, “todo o controle que o mercado pode exercer em busca de qualidade e monitoramento do Ibope, é feito”. O diretor da Afsca, Gustavo Bulla, pondera: “Parece muito representativa, mas está longe disso. São cerca de 20 grandes grupos”.

O Ibope, que está na Argentina desde 1992, mede a audiência em 850 residências de Buenos Aires e em 2.450 de todo o país. Em 2010, o grupo – que inclui a divisão de pesquisas políticas – faturou perto de US$ 300 milhões nos países onde atua. (D.R.)

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