domingo, 7 de março de 2010

Opinião: alguma coisa acontece fora do eixo

Por Paulo José Cunha

Fora do eixo Rio-São Paulo existe vida inteligente e às vezes muito mais inteligente do que a vida inteligente manjada do eixo Rio-São Paulo. O valor-notícia (queridos alunos de jornalismo, esqueçam o google por um minutinho, levantem o bumbum gordo de suas cadeiras macias e vão à estante procurar saber do que estou falando, tem tudo num livro do professor Nilson Lage, que aliás já deveriam ter lido).
Agora que retornaram, volto ao nosso papo. Falava do valor-notícia. Ele se mede pelo ineditismo do assunto, pela sua importância, pelo seu grau de curiosidade ou de interesse, pelo seu potencial de repercussão, por uma dessas coisas ou por um conjunto delas. Assim sendo, tudo o que no Eixo Rio-São Paulo, onde se repete à exaustão a mesmitude (eu sei, existe a palavra mesmice, mas o texto é meu e quero escrever mesmo é mesmitude, pra sair da mesmice), pois eu dizia, a mesmitude cultural, política e econômica do Brasil, não deveria ser notícia. Mas é. Na marra. Por miopia e elitismo dos pauteiros, por falta de ousadia dos editores, pelo pão-durismo dos patrões, por falta de pique dos repórteres, por falta de coragem dos correspondentes, por comodismo das sucursais, ou por tudo isso junto.
Há um Brasil abarrotado de notícias além do eixo, e pouca gente vê. Ou até vê, mas faz que não vê. Ou vê mas não tem vontade de mostrar. Ou até vê mas não consegue ir até lá e noticiar. Ou até vê mas tem vergonha de propor como pauta. Ou vê e não noticia por indolência, sob a alegação simplista de que “ninguém vai se interessar mesmo, só interessa quando tem tragédia, seca, carnaval ou temporada de praia”.
Ainda agora ocorreu em Teresina, no Piauí, o 6º Festival Internacional de Violão, realizado em três teatros lotados diariamente. Um evento que atrai gente de toda parte, como o médico Ricardo Sahão, de Londrina, que viajou 8 horas de avião para assistir ao que considera “um dos melhores festivais de violão do mundo”. Isso mesmo: do mundo. Não fosse matéria do próprio Sahão reproduzida no blog de Luiz Nacif e no Jenipaponews, do Netto de Campo Maior, o festival passaria batido.
O preconceito é tão forte que, fora a TV Cidade Verde, de Teresina, as demais emissoras locais mal se mexeram em relação ao evento. Propor matéria pra suas sedes do sul-maravilha, ah, nem pensar. E olha que havia pelo menos quatro grandes atrações internacionais, como o genial australiano Tommy Emmanuel ("Thank you for making my first time in Brazil so special! Obrigado por fazer minha primeira ida ao Brasil tão especial”, mandou dizer, em agradecimento); a chinesa Xuefei Iang, que reside em Londres; o escocês Paul Galbraith e o brasileiro (mas pode considerar estrangeiro porque já mora e se apresenta há 40 anos nos Estados Unidos) Carlos Barbosa Lima. E nacionais maravilhosos como Nonato Luiz (CE), Nicolas Barros (RJ), Roberto Corrêa (MG), Franciel Monteiros (SP) e Henrique Annes(PE).
Fora os talentosíssimos locais, entre eles Erisvaldo Borges. Em junho ocorre, também em Teresina, a 8ª edição de um dos mais concorridos e animados salões do livro do Brasil – o Salipi. Este ano devem participar Cristóvão Tezza, Milton Hatoum, Pedro Bandeira, Dráuzio Varela, Mia Couto (Moçambique) e Ond Jaki (Angola).
Acho bom a imprensa sul-maravilha distribuir entre os pauteiros aquele líquido que limpa lente de óculos. Porque alguma coisa acontece além das janelas, fora do eixo, no coração do Brasil. E eles estão porforíssimos.

Paulo José Cunha é jornalista, professor e poeta.

As opiniões aqui postadas são de responsabilidade de seus autores

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